Em uma placa, na parede de uma velha estrutura que imita um castelo medieval, na Universidade de Chicago (EUA), lê-se: “O homem conseguiu aqui com êxito a primeira reação em cadeia autossustentada e desse modo deu início à liberação controlada da energia nuclear”.
Tais dizeres marcam a entrada em funcionamento do primeiro reator nuclear da história, montado secretamente por um pequeno grupo de cientistas, em uma quadra para jogo com raquetes, sob as arquibancadas do estádio de atletismo daquela universidade. Era um espaço modesto: 18 m de comprimento, 9 m de largura e 8 m de altura. A equipe trabalhava freneticamente, sob a liderança do físico italiano Enrico Fermi (1901-1954).
O reator consistia de um empilhamento de blocos de grafite, embebidos de óxido de urânio, bem como pequenas barras de urânio metálico. Havia uma piada corrente entre os cientistas: “Se as pessoas pudessem ver o que estamos fazendo com seu 1,5 milhão de dólares, pensariam que somos doidos; se soubessem por que estamos fazendo isso, teriam certeza de que somos doidos”.
A Segunda Guerra Mundial estava em curso. Em dezembro de 1941, os japoneses haviam atacado e destruído a base naval norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, levando os EUA a entrarem no conflito. Fermi e equipe sabiam que seu trabalho tornaria possível o desenvolvimento de armas nucleares.
Após cerca de um mês de montagem, o reator entrou em operação em 2 de dezembro de 1942. Aqueles homens foram os primeiros a presenciar a matéria transformar-se em energia de maneira firme, estável, uniforme e controlada – como eles queriam. Foram os primeiros 200 W – suficientes para sustentar apenas duas ou três lâmpadas caseiras – vindos da fissão (quebra) dos núcleos de urânio, em uma reação em cadeia e autossustentada. Três anos e meio antes, o físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) havia dito: “Pela primeira vez na história, o homem usará energia que não aquela proveniente do Sol”.
Guerra e paz
O sucesso do primeiro reator nuclear pode ser comparável em importância à descoberta do fogo, à invenção da máquina a vapor, do automóvel ou avião ou, mais modernamente, à difusão da internet pelo mundo – afinal, tornou possível usar a enorme quantidade de energia armazenada no núcleo atômico.
As circunstâncias daquele momento fizeram com que essa energia fosse primeiramente empregada na guerra, com a produção de três bombas atômicas – duas lançadas sobre o Japão, em agosto de 1945, pondo fim ao conflito. Mas, terminada a ‘guerra quente’ – e iniciada a Guerra Fria –, os reatores nucleares, já a partir de 1950, passaram a ser construídos com propósitos pacíficos.
Mais potentes e tecnologicamente avançadas, essas máquinas começaram a produzir diversos elementos radioativos (molibdênio e iodo, por exemplo) que eram incorporados em quantidades adequadas a produtos farmacêuticos (radiofármacos), que passaram a ser usados na medicina nuclear para diagnóstico e tratamento de doenças.
Na década de 1950, surgiram vários reatores para gerar eletricidade, trazendo bem-estar e conforto às populações. O pioneiro foi Obminsk (Rússia), em 1954, e, dois anos depois, Calder Hall (Reino Unido), primeira usina nuclear de larga escala, que funcionou por 50 anos.
Ainda em 1954, foi lançado ao mar o primeiro submarino com propulsão nuclear, o Nautilus, dos EUA. Pouco depois, vieram navios como o Savannah (EUA, 1962) e o Otto Hahn (Alemanha,1964) – este último era capaz de navegar impressionantes 40 mil km com apenas 2 kg de urânio-235.
A reação brasileira
O Brasil reagiu a esses fatos. Aqui, foram criados, a partir de 1949, institutos e centros de pesquisa voltados fundamentalmente para as questões nucleares. Nessas instituições, tiveram lugar a construção e operação dos primeiros reatores nucleares do país, voltados tanto para a produção de radiofármacos quanto para a pesquisa e formação de pessoal especializado.
Em 1957, o primeiro reator nuclear da América Latina, o IEA-R1, entrou em operação no então Instituto de Energia Atômica (IEA) – atualmente, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) na Universidade de São Paulo.
Em 1960, começou a funcionar o reator Triga Mark-1, no então Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) – hoje, Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) –, na Universidade Federal de Minas Gerais. Cinco anos depois, foi a vez, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do primeiro reator de pesquisa totalmente construído por empresa brasileira, o Argonauta, no Instituto de Engenharia Nuclear (IEN).
Em 1988, o Brasil inaugurou seu primeiro reator nuclear genuinamente nacional, o Ipen/MB-01, resultado de parceria entre pesquisadores do Ipen e da Marinha do Brasil. O objetivo primordial daquela máquina, além da pesquisa, é formar recursos humanos.
Atualmente, o Brasil conta com duas unidades nucleares de grande porte para geração de eletricidade: Angra I, em funcionamento há 30 anos, e Angra II, a partir de 2000. Também localizado em Angra dos Reis (RJ), o reator Angra III, em construção, está previsto para entrar em funcionamento em 2016.
Odilon A. P. Tavares
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas