Na coluna ‘Diálogos Euclidianos’ (CH 303), pudemos apreciar o belo argumento sobre a infinitude dos números primos, que são divisíveis só por 1 e por eles mesmos. Números primos são um tipo de átomo da aritmética, pois, a partir deles, podemos construir qualquer número, bastando, para isso, multiplicar entre si dois ou mais deles. Eles parecem solitários – não gostam de se misturar –, mas, na verdade, escondem alguns dos mais profundos mistérios da matemática.
De abril deste ano para cá, ocorreu uma espécie de tsunami aritmético. Um grande resultado – ainda em análise – foi provado por Yitang Zhang, da Universidade de New Hampshire (EUA). Zhang, na casa dos 50 anos, não é um matemático conhecido, o que torna o caso ainda mais surpreendente.
Zhang deu um grande passo na prova da chamada conjectura dos primos gêmeos, pares de primos que diferem em duas unidades apenas. Exemplos: 3 e 5; 11 e 13. Essa conjectura – tipo de palpite esperando confirmação – diz que a quantidade de primos gêmeos é infinita. Ou seja, essas duplinhas coladas nunca se esgotam.
Bem, Zhang não conseguiu provar essa conjectura. Mas mostrou que há uma quantidade infinita de pares de números primos separados por algo como… 70 milhões.
Não pense que isso é um feito pequeno, porém. Esse resultado está sendo recebido como um dos grandes progressos na teoria dos números, a área que estuda as propriedades dos números, aí incluídos os primos.
Agora, vamos mostrar algo que parece ser o oposto da conjectura de primos coladinhos: a existência de ‘desertos de primos’. Escolha um número qualquer: 28, 100, não importa. Feita a escolha, sempre poderemos achar uma sequência desse tamanho sem nenhum primo no meio.
Explicando. Suponha que tenhamos escolhido 10. Queremos achar 10 números consecutivos sem nenhum primo no meio deles. Primeiramente, escolhamos o ponto de partida (X). Os sucessores de X são X + 1, X + 2 etc. Como podemos garantir que cada um desses números não é primo? Por exemplo, como mostrar que X + 7 não é primo? Bem, se X for divisível por 7, então X + 7 é divisível por 7 e, portanto, não será primo.
Aqui, surge uma boa ideia. Se X for divisível por 2, 3, 4… então, a sequência X + 2, X + 3, X + 4… será divisível por cada um desses números, respectivamente. Note que ‘pulamos’ o X + 1. Razão: garantir que um número é divisível por 1 não é muita coisa, pois todo número é divisível por 1, até os primos.
Um número que serve é X = 2 x 3 x … x 11, que é escrito como 11! (se lê ‘onze fatorial’). Então, sabemos que nosso ponto de partida (11!) é divisível por 2, 3, 4… 11. Portanto, a sequência 11! + 2, 11! + 3,…, 11! + 11 não contém nenhum número primo, pois 11! + 2 é divisível por 2; 11! + 3, por 3… 11! + 11, por 11.
Eis aí nossa sequência de 10 números sem primos. E, como podemos escolher qualquer X para começar, isso mostra que podemos encontrar sequências absurdamente longas sem primos, ou seja, desertos de primos.
Primos, com seu comportamento errático, têm gerado ideias importantes não só para a matemática pura, mas também para o dia a dia, como segurança na internet. Aqui, belo artigo (em inglês) de Jordan Ellenberg, sobre o trabalho de Zhang.
Será que o leitor conseguiria encontrar uma sequência de 100 números consecutivos sem nenhum primo no meio?
Marco Moriconi
Instituto de Física
Universidade Federal Fluminense
Texto originalmente publicado na CH 305 (julho de 2013).