Tecnologia e inclusão nas Paralimpíadas

Jornalista, especial para a Ciência Hoje

A evolução dos materiais esportivos, como trajes, calçados, cadeira de rodas e outros, vem transformando as disputas nas últimas décadas

CRÉDITO: ALESSANDRA CABRAL

A evolução dos materiais esportivos é um reflexo da interação entre ciência, tecnologia e esporte. Da primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896, na Grécia, aos Jogos Olímpicos de Paris (2024), o desenvolvimento de novas ferramentas foi imensa e transformou o esporte. A inovação não se limita apenas aos materiais utilizados em esportes olímpicos. Nos Jogos Paralímpicos, a evolução de trajes e acessórios tem sido igualmente revolucionária. 

Coordenador do Departamento de Ciência do Esporte do Comitê Paralímpico Brasileiro e doutor em biodinâmica do movimento humano pela Faculdade de Educação Física da Unicamp, Thiago Lourenço ressalta o significativo avanço dos equipamentos assistivos para pessoas com deficiência. Segundo ele, as cadeiras de rodas e as próteses, fundamentais para a locomoção dos atletas, passaram por aperfeiçoamentos notáveis em materiais e design. Melhorias também foram feitas nos bancos usados por atletas em lançamentos e arremessos:

“Se olharmos historicamente, as cadeiras de rodas e as próteses evoluíram imensamente desde o início do movimento paralímpico. Ao longo do tempo, houve grandes investimentos em materiais, design, resistência, maleabilidade e aerodinâmica para facilitar o desempenho. Mais recentemente, os bancos usados por atletas que lançam e arremessam também passaram por mudanças significativas, com alterações no ângulo do assento para facilitar o ajuste técnico. Acredito que essa investigação e mudança nos bancos trará grandes avanços no futuro”, afirma.

As cadeiras de rodas esportivas são, atualmente, fabricadas com materiais ultraleves e desenhos aerodinâmicos, o que melhora a velocidade e a manobrabilidade. As próteses, feitas de compósitos avançados, oferecem maior eficiência de movimento e conforto. Equipamentos adaptados, como bolas e acessórios de segurança, são projetados para atender às necessidades específicas de cada modalidade, promovendo inclusão e desempenho de alto nível.

Lourenço enfatiza que a ciência do esporte deve ser aplicada de forma adaptativa para ser eficaz. Para ele, é crucial ajustar os métodos às necessidades específicas de cada atleta e situação. Segundo ele, essa adaptação é um desafio significativo no contexto brasileiro:

“Se eu simplesmente copiar o que está em um artigo científico, isso não funcionará no meu grupo, no meu atleta, na condição específica deles. É necessário adaptar e aplicar os conceitos de maneira que se ajustem às necessidades individuais. Esse é um dos grandes desafios que enfrentamos no Brasil”.

Evolução esportiva

Todos os esportes, paralímpicos, olímpicos e profissionais, são beneficiados pelos avanços tecnológicos constantemente. Exemplos conhecidos são a introdução de smartwatches e wearables (dispositivos para medir batimentos cardíacos e outras atividades do corpo) que permitiu o monitoramento em tempo real de variáveis fisiológicas, como ritmo cardíaco e distância percorrida. Isso ajuda na personalização dos treinos e na prevenção de lesões. A tecnologia de rastreamento de bolas, amplamente utilizada em esportes como vôlei e tênis, oferece uma precisão sem precedentes na análise de desempenho e na revisão de decisões dos árbitros.

Segundo Leandro Nogueira, professor da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal Fluminense (UFRJ), é possível observar a evolução dos equipamentos de básicos a altamente especializados ao longo dos anos.

“Os avanços científicos e tecnológicos desempenharam um papel crucial na evolução dos materiais esportivos desde a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna. Esses avanços não apenas melhoraram o conforto e a segurança dos atletas, mas também possibilitaram a quebra de recordes e a evolução das técnicas esportivas. A integração contínua de novas tecnologias, como a aerodinâmica avançada e o design ergonômico, transformou a prática esportiva e elevou os padrões de desempenho olímpico”, destaca.

Nogueira cita exemplos que não só melhoram o desempenho atlético, mas que facilmente podem ser constatados pelo público: 

“Por exemplo, na época da primeira edição da Olimpíada, os atletas competiam com equipamentos bastante rudimentares, como maiôs comuns de natação e raquetes de madeira. Com o tempo, a ciência permitiu o desenvolvimento de materiais mais leves e resistentes, como as próteses de carbono, e trajes de natação com tecnologias que reduzem a resistência da água”, finaliza.

Tecnologia: das paralimpíadas ao cotidiano

CRÉDITO: ALESSANDRA CABRAL

Ciência Hoje: Como a universidade pode colaborar melhor com a prática esportiva?

Thiago Lourenço: Passei muito tempo ouvindo que a universidade estava longe da prática, e isso me incomodava. Com o tempo, percebi que o problema era a comunicação. O treinador, que está na beira da quadra, muitas vezes não tem o interesse em ler uma pesquisa científica. Assim como eu também não tenho interesse em ficar na beira da quadra pensando em tática, porque não fui formado para isso. Alguém precisa fazer esse papel. Por isso, trouxe essa visão para o comitê: precisamos beber da fonte da universidade e traduzir essas informações de maneira simples e objetiva para os treinadores. Eles são os principais atores, juntamente com os atletas.

CH: Quais são os desafios específicos para atletas paralímpicos?

TL: Diria que os desafios são ainda maiores para os atletas paralímpicos. Estamos lidando com pessoas que têm desvios posturais severos, distúrbios de sono, como deficientes visuais, e outras patologias que o exercício e o esporte podem até agravar se não forem bem monitorados. Nossa preocupação é maior porque, às vezes, temos que considerar interromper a carreira de um atleta precocemente para evitar maiores danos.

CH: Como a adaptação de equipamentos é feita no esporte paralímpico?

TL: No esporte paralímpico, precisamos adaptar muitas coisas para as condições de cada atleta. Muitas vezes, essas adaptações não são atraentes para a indústria, mas outras inovações acabam sendo incorporadas e chegam ao público em geral. Essa adaptação e evolução contínua são parte essencial do processo.

CH: O que você espera dos Jogos Paralímpicos de Paris?

TL: Particularmente, acredito que a utilização das informações dos atletas será o grande diferencial nos Jogos Paralímpicos de Paris. No esporte olímpico, as regras limitam um pouco as inovações tecnológicas, mas a forma como utilizamos as informações coletadas ao longo do processo será o grande pulo do gato. Muitas vezes, as tecnologias parecem altamente sofisticadas, mas, na realidade, são simples planilhas de Excel. A chave é saber interpretar esses dados e aplicá-los no treinamento e desempenho dos atletas.

CH: Como a tecnologia esportiva impacta o dia a dia das pessoas em geral?

TL: Os equipamentos que os atletas usam para competições muitas vezes não são utilizados pelo público em geral. É como a Fórmula 1: nós não usamos os carros na rua, mas algumas tecnologias desenvolvidas ali acabam aparecendo nos veículos de rua. Hoje, as cadeiras de rodas de uso diário são mais ergonômicas, leves e resistentes. Essa evolução se estende às próteses, especialmente aquelas com joelhos incorporados, que agora têm melhor absorção de impacto, mobilidade, e são à prova d’água. A tecnologia esportiva acompanha essa evolução e traz inovações para o cotidiano das pessoas.

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