Uma coisa é certa: nunca antes neste país se construiu tanto como se construirá nesta geração! Construiremos algo equivalente à metade do que foi feito até hoje. Se temos 60 milhões de moradias urbanas, até 2040 elas serão 90 milhões. E, com as moradias, novos equipamentos sociais, novos programas urbanos e novas infraestruturas serão necessariamente construídos.
Agora, se o Brasil aspira ombrear-se aos países desenvolvidos neste século 21, precisará mudar radicalmente o modo pelo qual trata suas cidades.
Explica-se. Nossas cidades foram construídas no improviso, sob grande pressão demográfica, privilegiando o rodoviarismo, com escassa infraestrutura e sem crédito habitacional. Assim, a desigualdade intraurbana e o passivo socioambiental só têm crescido nas últimas décadas. As cidades estão cada vez mais inóspitas e inseguras. Mas vivemos o momento histórico em que a população já não mais cresce. A situação muda completamente.
O desafio que está posto a esta geração é claro, em três vertentes:
1) No mundo contemporâneo, o desenvolvimento depende das boas cidades. Elas concentram os vetores econômicos mais importantes, como o conhecimento, a tecnologia, a cultura, a inovação e os serviços avançados de saúde. A interrelação da economia mundial se dá através delas.
2) No front interno, também. Há uma mudança sociodemográfica importante a impactar as cidades. Não temos crescimento populacional; mesmo assim, novas moradias serão construí- das – com ou sem financiamento, com ou sem crescimento econômico. Em pouco mais de duas décadas, serão mais 30 milhões, impostos pelo fenômeno da redução do tamanho médio da família, que demanda mais moradias para a mesma popula- ção. Onde iremos construí-las? Expandiremos a cidade? Se o fizermos, como a população não cresce, estaremos esvaziando os lugares hoje ocupados e, portanto, tirando vitalidade dos bairros consolidados. De outro lado, a mudança na estrutura etária resulta em mais idosos. Qual a melhor cidade para eles? A rodoviária e dispersa? Ou a amena, compacta, com espaços públicos bem tratados e seguros?
3) Ainda no front interno, há uma mudança política substancial. A consolidação da democracia pede uma agenda inclusiva: sabe-se que o sofrimento diário de dezenas de milhões de cidadãos, sem transporte de qualidade, sem saneamento, sem serviços públicos, não é coisa da natureza nem da grande cidade; tampouco da falta de recursos, mas é produto da imprevidência (e da corrupção). É politicamente insustentável manterem-se as desigualdades existentes.
A complexidade dos sistemas urbanos contemporâneos exige mudanças fundamentais do Estado brasileiro em sua relação com a cidade. São indispensáveis estudos contínuos e consistentes, sob a responsabilidade de instituições públicas respeitadas, permanentes. É função de Estado, ainda quando ele seja mínimo. Não dá para o governante resolver as questões urbanas a seu arbítrio, segundo interesses de agentes partidários e de empreiteiras, com as cidades compondo um naco da barganha política e sendo oferecidas impiedosamente à sanha predadora da especulação. É tempo de construir como nunca antes, mas também de qualificar. Esse é o repto que a história pôs frente à atual geração.
Se o país tiver juízo, os brasileiros hoje adolescentes, ao alcançarem a maturidade, estarão vivendo em um Brasil socialmente mais equilibrado, em cidades mais amigáveis, âncoras de um país desenvolvido.
Sérgio Magalhães
Programa de Pós-graduação em Urbanismo (Prourb)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade Federal do Rio de Janeiro