Imagine que uma pessoa descubra que está com câncer. Ela se consulta com um médico e lhe entrega um cartão que contém seu perfil genético completo. Após analisar o genoma do paciente e identificar qual mutação deu origem à doença, o médico avalia com o doente qual a melhor abordagem para o tratamento, selecionando uma droga que ataque o problema específico e não cause reação adversa.
Esse é o futuro previsto pelo biólogo israelense Aaron Ciechanover, laureado com o prêmio Nobel de Química de 2004 por elucidar o processo de degradação e reciclagem de proteínas. Esse cenário é, para Ciechanover, a terceira revolução da medicina.
Pesquisador do Instituto de Tecnologia de Israel, o biólogo participou em julho do 63º Encontro de Prêmios Nobel em Lindau, na Alemanha, onde falou da era da medicina personalizada, quando as doenças de origem genética não serão tratadas isoladamente, mas sim especificamente para cada indivíduo.
Durante o evento, o químico concedeu esta entrevista à Ciência Hoje, na qual discorreu sobre o conceito da terceira revolução, explicou como ela acontecerá e discutiu os problemas que a disponibilidade da informação genética completa de um indivíduo criará para ele e para a sociedade.
Ciência Hoje: O que é a terceira revolução da medicina?
Aaron Ciechanover: É a era da medicina personalizada, mas a chamo também de a revolução dos quatro ‘P’s: personalizada, previsível, preventiva e participativa. Personalizada significa que o genoma de um indivíduo será sequenciado para adaptar a ele os medicamentos usados no seu tratamento. A doença não será tratada isoladamente, mas sim dentro do contexto daquela pessoa. Seremos capazes de prever as doenças e, assim, preveni-las. E será participativa porque envolverá uma avaliação conjunta do paciente e do médico. A velha medicina, em que o médico detinha todo o poder, deixará de existir. As decisões a serem tomadas envolvem o cerne do corpo e da alma dos pacientes; por isso eles têm que estar envolvidos.
Como será mediada essa revolução?
Ela começou com a capacidade de sequenciar DNA e, depois, todo o genoma humano, mas este foi um projeto de bilhões de dólares que durou vários anos para sequenciar um perfil genético individual. Hoje, já estamos sequenciando o genoma de vários indivíduos e provavelmente, num futuro próximo, poderemos fazê-lo em algumas horas e por algumas centenas de dólares.
Mas o genoma é só começo; precisamos também mapear os perfis proteico e metabólico – o proteoma e o metaboloma. Contudo, mapear por si só não ajuda – saber o caminho do inferno só é útil se você souber como bloqueá-lo. O grande desafio será desenvolver, a partir dessas informações, drogas que, junto com a identificação e caracterização de marcadores moleculares para as várias doenças, modularão a atividade desses alvos biológicos.
Com o perfil genético do paciente e o mecanismo de ação da droga poderemos não apenas escolher o medicamento mais apropriado como também saber se aquela pessoa terá alguma reação adversa. Muitas pessoas morrem de choque anafilático porque não temos como prever esses efeitos colaterais. Só nos Estados Unidos, as reações adversas a medicamentos estão entre a quarta e a sexta causa de mortes, dependendo do estado.
Já estamos na terceira revolução?
Sim, mas não completamente. O tratamento do câncer de mama já leva em conta o perfil genético da paciente. Por exemplo, sabemos que portadoras de uma determinada mutação no receptor de estrogênio podem ser tratadas com o quimioterápico tamoxifeno. Essa droga será inútil para outra mulher que tenha a doença mas não essa mutação.
Não há um único câncer de mama e sim vários. Por isso, estamos sistematicamente identificando todas as mutações envolvidas, agrupando-as em categorias distintas – alterações nos receptores de fator de crescimento, no transporte nuclear etc. – e descobrindo qual é o responsável por aquele câncer específico. Então, em colaboração com um químico, acharemos uma droga que atue especificamente sobre a alteração causada pela mutação. Teremos que triar e sequenciar centenas, milhares de tumores de mama para criar um mapa. Quando isso acontecer, não haverá mais o câncer de mama e sim câncer de mama A, B, C, D e assim por diante. Cada um deles terá um tratamento diferente.
Você leu apenas o início da entrevista publicada na CH 307. Clique no ícone a seguir para baixar a versão integral.