Podemos encontrar cavidades – ou buracos, como se diz popularmente – em toda parte: em árvores, no chão ou em fendas de rochas, tanto em florestas quanto em nossas ruas e até em nossos quintais. Essas cavidades são extremamente importantes para os animais – sejam eles grandes ou pequenos, vertebrados ou invertebrados – e podem abrigar desde um simples ninho de coruja até insetos que vivem em sociedade, como algumas espécies de abelhas. Elas são usadas para abrigar filhotes (por aves como araras e papagaios), para fugir de predadores à noite (como ocorre com pequenos mamíferos, alguns primatas e vários invertebrados) e até como moradia fixa, no caso de abelhas-sem-ferrão.

As cavidades usadas por esses animais podem ser chamadas de tocas ou ninhos. As tocas são buracos escavados no solo, entre as rochas ou outros tipos de substratos. Normalmente são feitas por animais maiores, como tatus, furões e coelhos. Já os ninhos são estruturas de complexidade variável encontradas em solos, rochas, árvores, cupinzeiros ou até em touceiras (amontoados de ramos, galhos e folhas). São construídos por animais que vão desde diminutos insetos até grandes aves de rapina.


As abelhas-sem-ferrão sociais constroem seus ninhos nos mais
diversos locais, como cavidades artificiais encontradas em
ambientes urbanos ou o tronco de uma árvore na mata.
(fotos: Gustavo Araújo)

Muitas espécies podem abrir orifícios em ramos e troncos de árvores ou no solo, pois têm estruturas especializadas, como é o caso do pica-pau-do-campo, com seu bico forte, e da abelha carpinteira Xylocopa frontalis, cujas mandíbulas comportam ‘dentes’ muito fortes. Outros animais, incapazes de escavar para construir seus ninhos, aproveitam cavidades preexistentes, formadas naturalmente pela ação da água e pela decomposição de tecidos vegetais ou escavadas e abandonadas por outras espécies.

 

Abrigo para todos

O tamanho da cavidade escolhida por um animal para a construção de seu ninho pode variar, mesmo quando se trata de pequenos invertebrados. Entre os insetos, por exemplo, há grupos que podem construir ninhos que abrigam apenas alguns indivíduos, como é o caso das abelhas e vespas solitárias, que escolhem cavidades bem diminutas, em função do tamanho do seu corpo. No entanto, há espécies de abelhas que constroem seus ninhos em cavidades maiores, capazes de abrigar centenas ou até milhares de indivíduos.

No caso dos organismos solitários, a fêmea constrói seu ninho fornecendo todos os recursos que os filhotes necessitam para se desenvolver e, depois, vai embora para fundar novos ninhos, ou simplesmente morre. Esses insetos são chamados de solitários justamente porque não há sobreposição de gerações no ninho, ou seja, as fêmeas não têm contato com os filhotes depois que eles nascem.

Ninho da abelha-sem-ferrão Tetragonisca angustula construído
em um tronco morto. Essa espécie, chamada de jataí,
forma sociedades complexas dentro da cavidade escolhida.
(foto: Gustavo Araújo)

As cavidades podem abrigar também colônias extremamente complexas, como acontece com abelhas que formam sociedades, onde existe divisão de castas e de funções. Assim, em uma colônia, a função reprodutiva fica por conta de rainhas e machos (ou zangões), e à casta das operárias cabe a coleta de alimentos, a manutenção geral dos ninhos e a defesa contra inimigos. Essas colônias, cuja quantidade de indivíduos pode chegar a dezenas de milhares, conseguem perdurar por anos no mesmo local, pois existe uma sobreposição de gerações.

Algumas espécies de abelhas-sem-ferrão sociais, como a jataí, têm variada gama de comportamentos de nidificação e usam os mais diversos tipos de substratos, ocupando ninhos abandonados por outros animais, ocos no solo, mourões de cerca e cavidades em árvores. Também são muito comuns em ambientes urbanos, onde a disponibilidade de cavidades artificiais é alta. Portanto, é bastante comum encontrar esses ninhos em paredes de alvenaria, caixas de energia elétrica e árvores usadas no paisagismo urbano. Essas mesmas árvores, junto com a vegetação de quintais, praças e jardins, ao florescerem, fornecem alimento para as abelhas (pólen e néctar) e para as vespas (outros insetos que ocorrem nas plantas, como lagartas de borboletas e gafanhotos).

 

Serviço essencial ameaçado

Os insetos que usam cavidades preexistentes desempenham serviços ecológicos de extrema importância, como a polinização e o controle biológico, realizados por abelhas e vespas, respectivamente. Grande parte dos alimentos que consumimos depende direta ou indiretamente da polinização feita pelas abelhas, que leva à reprodução das plantas floridas (ver ‘As abelhas e a riqueza nacional’, em CH 164).

Já as vespas, por serem carnívoras e, consequentemente, verdadeiras predadoras, são capazes de capturar grandes quantidades de aranhas, baratas, larvas de mariposas, entre outros invertebrados, para alimentarem a si e seus filhotes. Essa predação de lagartas, muitas das quais são consideradas pragas em cultivos de cana-de-açúcar e milho, faz um controle biológico, reduzindo as perdas na agricultura.

No entanto, esses insetos sofrem diretamente com a perda de hábitat ocasionada pelo crescente desmatamento, pois dependem das plantas para obter abrigo e recursos para si e suas crias. Essa dependência os torna excelentes bioindicadores de qualidade ambiental: a presença ou ausência de certas espécies, assim como a quantidade de cada uma, podem ajudar a mostrar o quão degradado está um ambiente, como apontam estudos com abelhas e vespas que nidificam em cavidades preexistentes.


Ninhos-armadilhas
instalados na mata para o
levantamento de espécies de
abelhas e vespas.
(foto: Gustavo Araújo)

No Brasil, vários estudos realizados na Amazônia, na caatinga, no cerrado, na mata atlântica e em dunas litorâneas, entre outras regiões, usam abelhas e vespas para avaliar a condição ambiental das áreas analisadas. Recentemente, uma pesquisa desenvolvida em matas ciliares do entorno do reservatório de Volta Grande, entre os estados de Minas Gerais e São Paulo, analisou a efetividade do replantio dessas matas quanto à recuperação da fauna, da flora e dos serviços ecossistêmicos perdidos com a derrubada da vegetação original para a construção do reservatório.

Um dos objetivos do projeto foi verificar qual fator ligado à mata ciliar era mais importante para as espécies de abelhas e vespas solitárias: a largura das matas ou seu tempo de recuperação (idade em relação ao ano em que foram plantadas). Para isso, a ocorrência dessas espécies foi avaliada por meio da instalação de ninhos-armadilhas: buracos feitos em blocos de madeira que imitam cavidades naturais e funcionam como ‘hotéis’. Foram disponibilizados 5.400 ninhos-armadilhas com diferentes diâmetros em cinco unidades de amostragem no entorno do reservatório, sendo duas em São Paulo e três em Minas Gerais. Essas áreas abrigavam diferentes larguras de mata ciliar (30, 100 e 400 metros) com tempo de recuperação variável (10, 20 e 30 anos). A cada 15 dias, os ninhos-armadilhas eram vistoriados. Os que estavam ocupados eram coletados e levados para o laboratório, onde eram colocados em uma espécie de incubadora até o nascimento dos filhotes.

Essa técnica permite conhecer não apenas as espécies da região, mas também a arquitetura dos ninhos, os materiais usados na sua construção e o tipo de alimento fornecido para os filhotes – no caso das abelhas, as espécies de plantas e, no caso de vespas, outras espécies de invertebrados.

 

Levantamento inicial

Foram identificadas na área estudada 20 espécies de insetos ocupando os ninhos-armadilhas: oito de abelhas e 12 de vespas. Foi possível observar ainda a presença de insetos parasitando os ninhos, entre eles, algumas espécies de moscas, abelhas, vespas, besouros e até ácaros.

Os resultados mostraram que a largura das áreas restauradas não gerou grande diferença no número de espécies que ocuparam as cavidades, mas sim na quantidade de crias produzidas pelas fêmeas. Esse fato pode estar relacionado com a estrutura do ambiente, pois, nas unidades de largura intermediária, havia maior pressão humana devido à derrubada de árvores, o que provocou a redução das cavidades naturais e uma maior ocupação dos ninhos-armadilhas nessas áreas em comparação com as mais largas. A alta ocupação dos ninhos-armadilhas nas áreas intermediárias é um indicativo de que esse ambiente não está saudável, pois a escassez de cavidades naturais em função do desmatamento dificulta o estabelecimento de vespas e abelhas nesses locais.

Considerando a idade das áreas reflorestadas, houve diferença tanto no número de espécies quanto no de indivíduos nascidos. A disponibilidade de cavidades em áreas mais antigas é maior, pois sua formação é facilitada pelo envelhecimento da madeira. Isso reduz a procura por ninhos-armadilhas e leva a uma menor riqueza e ocupação de espécies nessas cavidades artificiais.

Esses dados indicam que as matas ciliares com maior período de recuperação e maior largura dispõem de uma maior heterogeneidade de ambientes e, consequentemente, maior quantidade de recursos, o que leva a uma menor ocupação dos ninhos-armadilhas.

A importância ecológica de abelhas e vespas tanto no fornecimento de serviços ecossistêmicos quanto na avaliação ambiental tem feito com que pesquisadores de várias partes do mundo desenvolvam técnicas para seu manejo e sua conservação, já que a crescente perda florestal para expansão de áreas urbanas e industriais e da pecuária tem levado ao desaparecimento regional de populações inteiras desses insetos e a uma grande perda de biodiversidade. Entre essas técnicas, o fornecimento de cavidades artificiais para abelhas e vespas em áreas urbanizadas vem se expandindo em todo mundo, principalmente na América do Norte.

Nesse contexto, aprimorar o conhecimento dos efeitos do desmatamento sobre a comunidade de organismos que nidificam em cavidades preexistentes é uma ferra- menta para entender os impactos causados pelas atividades humanas sobre a biodiversidade e os serviços ecológicos por ela fornecidos.

 

Sugestões para leitura

MARTINS, S.V. Recuperação de matas ciliares. Viçosa: Aprenda fácil, 2001.

NOGUEIRA-NETO, P. Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. São Paulo: Nogueirapis, 1997.

KERR, W.E.; CARVALHO, G.A.; NASCIMENTO, V.A. Abelha uruçu: biologia, manejo e conservação. Belo Horizonte: Acangau. 1996.

IMPERATRIZ-FONSECA, V.L.; CANHOS, D.A.L.; ALVES, D.A.; SARAIVA, A.M. Polinizadores do Brasil – Contribuição e perspectiva para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais. São Paulo: Edusp, 2012.

Na internet

Blogue ‘Bamboo desenhos
Página do Projeto Prociliar

Gustavo Araújo
Laboratório de Ecologia de Comunidades,
Departamento de Biodiversidade,
Universidade Federal do Mato Grosso

Yasmine Antonini
Laboratório de Biodiversidade,
Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente,
Universidade Federal de Ouro Preto

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