Pergunta enviada por Renata Freitas, via Facebook.
As cidades perdidas da história foram muitas e sobre algumas não sabemos nada além do que os seus vestígios são capazes de contar. Podemos citar como exemplos Troia, reencontrada na Turquia, Pompeia, destruída pela erupção do Vesúvio, na Itália, e Tikal, redescoberta na Guatemala. Contudo, historicamente falando, Atlântida não está nessa categoria.
Como o El Dourado sul-americano, ela é um mito, expressão de um tipo de relato que fala de uma ‘idade de ouro’, de um Estado ou Reino ideal e que aborda a destruição ou o desaparecimento, de tempos em tempos, de civilizações.
Platão, em Timeu e Crítias (diálogos escritos por volta de 360 a.C), conta uma história muito antiga da guerra entre atenienses e atlantes. Este povo habitava uma ilha à saída do Mediterrâneo, próximo ao local que hoje chamamos estreito de Gibraltar e conhecido no tempo de Platão por Colunas de Hércules. Era uma ilha muito rica (em fauna, flora e minerais), com cidades magníficas cheias de canais e pontes.
Nela reinavam descendentes de Poseidon e Clito, jovem com quem o deus dos mares teve cinco pares de gêmeos, sob o comando de Atlas. Os atlantes teriam tentado dominar o mundo, mas foram vencidos pelos atenienses e desapareceram submersos.
Tudo leva a crer que Platão construiu esse relato mítico como uma crítica à Atenas do século 4 a.C – assim como Atlântida, uma potência marítima imperialista. O filósofo julgava que Atenas estava sucumbindo à ganância, perdendo seus valores morais e, assim como a cidade mítica, poderia ser punida pelos deuses. Além disso, Platão era crítico ferrenho da democracia, sistema político ateniense.
Assim, tudo indica que o mito da cidade avançada que se deixa corromper pela ganância e é sentenciada ao desaparecimento pode ser uma alegoria da Atenas contemporânea ao filósofo.
A memória de algumas catástrofes naturais também pode ter ajudado na construção do mito. Por exemplo, a erupção do vulcão Thera, na ilha de Santorini, na Grécia, por volta de 1.600 a.C, teria colaborado para o colapso da civilização minoica, e um terremoto por volta de 373 a.C. destruiu a cidade de Heliké, no Peloponeso.
Possivelmente histórias como essas chegaram até o tempo de Platão, ajudando-o a construir um mito que se fixou para sempre na memória de todos nós.
Ana Livia Bomfim Vieira
Departamento de História e Geografia
Universidade Estadual do Maranhão
Texto originalmente publicado na CH 321 (dezembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.