Símbolo de realeza e ostentação, o ouro é um metal nobre, muito utilizado na confecção de joias e artigos luxuosos. Tem também uma aplicação não tão conhecida, mas não menos importante: alguns tipos de microestruturas do mineral funcionam como eletrodos em reações eletroquímicas.
Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) encontraram agora uma maneira de otimizar esse processo: mostraram que alguns fungos assimilam as nanopartículas metálicas (menores do que 100 nanômetros – a bilionésima parte de 1 metro) na sua superfície e, após um tratamento térmico, formam microtubos metálicos que imitam a forma dos microrganismos.
O químico Marcos Malta e Adriana Machado Fontes, na época sua aluna de mestrado, selecionaram quatro espécies de fungos filamentosos, colhidos do interior de plantas próximas à lagoa do Abaeté, área de proteção ambiental em Salvador (BA), e os cultivaram junto com nanopartículas de ouro em meio aquoso, com diferentes concentrações de citrato de sódio. Este sal é usado porque, além de servir como nutriente para os fungos, controla a deposição das partículas de ouro sobre os microrganismos, evitando que se aglomerem e fiquem muito dispersas.
Depois de dois meses, a equipe de Malta observou que as nanopartículas tendem a se acumular na parede celular dos fungos, formando uma camada espessa de um material híbrido não encontrado na natureza: parte orgânico, parte inorgânico.
Após uma série de tratamentos, as amostras foram submetidas a um processo de calcinação a uma temperatura muito elevada (até 800°C), de modo a que a matéria orgânica fosse eliminada. Assim, os pesquisadores obtiveram tubos ocos e porosos que imitam a morfologia do fungo. Entre as quatro espécies testadas, a Phialomyces macrosporus foi a que mais cresceu e apresentou maior afinidade pelas partículas de ouro. O estudo foi publicado no periódico científico Biomaterials Science (v. 2, p. 956, 2014).
Vantagens e aplicações
“Além da economia de ouro na produção desse tipo de material, a grande vantagem dos microtubos é o aumento da área de superfície de contato do eletro do, elevando sua sensibilidade – fator importante nas reações eletroquímicas”, explica o químico da UFBA.
Os microtubos produzidos com a nova técnica estão sendo testados como eletrodos em reações eletroquímicas específicas e como substratos para pesquisa, podendo ser usados como sensores na determinação de substâncias orgânicas. As reações eletroquímicas têm diversas aplicações industriais: da eletrônica e metalurgia à biologia e geologia.
Segundo Malta, em tese, é possível reproduzir a técnica em larga escala, uma vez que os fungos podem proliferar indefinidamente enquanto estiverem no meio de cultura recebendo nutrientes. O que limita essa produção é a quantidade de ouro que, embora seja menor no novo processo, ainda é significativa quando se leva em consideração o preço desse metal no mercado.
Apesar de ser um material caro, o ouro é utilizado no lugar de outros metais nobres por ter maior biocompatibilidade – habilidade do material de apresentar uma resposta adequada a tecidos vivos. Outros metais nobres, como o paládio e a platina, podem ser empregados nessas reações, mas nenhum deles é tão biocompatível quanto o ouro. “A prata, por exemplo, seria um excelente eletrodo se não apresentasse altos níveis de toxicidade para os microrganismos”, analisa Malta.
Atualmente, o pesquisador e sua equipe buscam entender minuciosamente por que ocorre o processo de deposição de nanopartículas de ouro na parede celular de fungos e avaliam a aplicação de outros metais nas reações químicas.
Valentina Leite
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 321 (dezembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.