A infecção pelo vírus ebola causa uma doença grave (doença do vírus ebola ou DVE), que se manifesta por febre alta (acima de 38,5 oC), dor abdominal, fraqueza, vômitos e diarreia. As manifestações hemorrágicas – manchas vermelhas e roxas na pele, sangramento por mucosas, ouvidos, nariz e trato gastrointestinal – ocorrem em cerca de 40% ou menos dos casos. No período de incubação, que dura de dois a 21 dias, não há sinais ou sintomas e não há transmissão do vírus para outras pessoas. Após a fase de incubação, o quadro evolui rapidamente, em geral em torno de 10 dias, podendo levar à morte em 50% a 70% dos casos, algumas vezes alcançando 90%.
A transmissão do vírus se dá por qualquer fluido corporal: sangue, sêmen, fezes, urina, vômitos, leite, saliva, lágrimas ou suor. O vírus se mantém infectante por várias horas, em gotas de suor (que secam depressa), ou por vários dias, em restos de sangue.
O contágio ocorre pelo contato de material contaminado (fluidos corporais ou uma luva de látex, por exemplo) com mucosas ou áreas lesadas na pele, lembrando que mesmo microabrasões, que não percebemos, são ‘portas’ para o vírus.
No caso de homens em fase de recuperação, é possível detectar vírus no sêmen por cerca de 80 a 90 dias, o que aponta claramente para a necessidade de usar preservativos, nesse período, para evitar a transmissão. O vírus pode ainda ser transmitido pelo contato com animais infectados, como macacos, chimpanzés, gorilas e algumas espécies de morcegos. Acredita-se que os morcegos sejam o reservatório do vírus na natureza. Cabe ressaltar que não há transmissão pelo ar ou pela água.
Contagioso X infeccioso
É importante ter em mente que o vírus ebola não é altamente contagioso, mas é altamente infeccioso. Isso significa que, comparado a outros vírus, como o do sarampo ou o da poliomielite, por exemplo, o ebola tem baixa taxa de transmissão a partir de uma pessoa infectada (essa taxa é conhecida como R0 ou número de reprodução básico). No entanto, após entrar em um hospedeiro, o vírus mostra alta capacidade de infectar e causar uma doença devastadora – portanto, é altamente infeccioso e virulento.
Esses conceitos são importantes porque indicam que o controle da transmissão é mais simples de ser realizado do que se o ebola fosse transmitido pelo ar, como o vírus do sarampo. Além disso, com o início dos sintomas, a pessoa infectada fica debilitada rapidamente, sem condições de se locomover muito, trabalhar ou interagir socialmente. Esse fato já reduz as chances de transmissão para outras pessoas. No caso do ebola, é preciso evitar o contato com fluidos corporais de uma pessoa infectada.
O surto atual começou em dezembro de 2013, mas a comunicação oficial às autoridades sanitárias mundiais só ocorreu em março de 2014. Já foram registrados casos de DVE em oito países: Guiné, Libéria, Serra Leoa, Nigéria, Senegal e mais recentemente Mali (na África), além de Espanha e Estados Unidos. Desses, Senegal e Nigéria já contiveram os surtos e foram oficialmente declarados livres de transmissão pela OMS – respectivamente em 17 e 20 de outubro últimos. Entre todos os países afetados, a situação é mais grave em Guiné, Libéria e Serra Leoa: juntos, eles detinham, até 25 de outubro, 10.114 casos de DVE, ou seja, 99,7% do total de 10.141 casos reportados.
Sem controle
Mas por que a situação está sem controle nesses países? A presença de uma pessoa ou animal portador do vírus e o contato com fluidos dessa pessoa ou animal é suficiente para o surgimento de um novo caso em qualquer país do mundo, mas a infraestrutura de atenção à saúde e a condição socioeconômica do país ou da região ditarão as cenas dos próximos capítulos: contenção ou epidemia.
Os três países mais atingidos têm, além de poucos recursos, um longo histórico de conflitos sociopolíticos e econômicos. A infraestrutura de atenção à saúde é das mais precárias. Há grande carência de profissionais da área médica e também de hospitais e clínicas com leitos disponíveis, equipamentos de proteção pessoal e condições de controle de infecção.
Somado a esse quadro de elevada pobreza, há crenças e costumes diversos (muitas vezes específicos de cada um dos vários grupos étnicos da população), que dificultam a adoção de medidas de controle, como entender e cumprir normas de quarentena, evitar o contato com pessoas infectadas vivas ou mortas, não comer animais silvestres como macacos e morcegos e não ter contato com a carcaça desses animais.
Em surtos anteriores, a DVE nunca havia alcançado centros urbanos e capitais. Os surtos ocorreram em vilarejos rurais, o que facilitou a quebra da transmissão homem a homem, devido ao isolamento. A alavanca propulsora do surto atual foi o alcance de cidades de maior porte e que mantêm níveis de pobreza elevados. A soma desses fatores – cidades mais populosas e imensas dificuldades socioeconômicas e de saúde – favorece a transmissão continuada de um vírus, como o ebola, disseminado por contato.
Na Libéria, por exemplo, não há leitos disponíveis e as pessoas doentes são levadas pela família em táxis rodando a cidade em busca de um hospital com vaga. Não encontrando leito, os doentes retornam para casa e são tratados, de forma precária e inadequada, pela família, que não dispõe de equipamento e treinamento para tal.
Todos os que têm contato com a pessoa infectada – familiares, taxistas, pessoas que ajudam a levar o doente ao hospital e até os próximos passageiros do táxi – são pessoas com alto risco de contrair a doença. E assim continua a cadeia de transmissão.
Os epidemiologistas e a OMS já declararam que a epidemia nesses países está fora de controle e fazem a previsão de milhares de casos ainda para este ano. Na melhor das hipóteses, estima-se um prazo entre nove e 12 meses para o controle da doença.
Para esses países, as consequências são as piores possíveis. Em números absolutos, a doença mata uma parcela pequena da população de milhões de habitantes. No entanto, hospitais e clínicas estão lotados e não há profissionais suficientes, por causa do surto, e pessoas com doenças comuns não têm sido atendidas. Assim, doenças que não seriam fatais, se o paciente fosse adequadamente tratado, agora vêm matando mais pessoas.
Situação precária
A economia desses países está seriamente prejudicada. A baixa no número de trabalhadores em vários setores é grande, não apenas porque muitos têm DVE ou já faleceram devido à doença, mas porque outros permanecem em casa para cuidar de familiares doentes ou por ter medo de, no trabalho, contrair o vírus de colegas doentes ou que tenham familiares doentes. Além disso, várias empresas fornecedoras de produtos têm suspendido o comércio com os países majoritariamente afetados.
Começa a faltar comida e insumos básicos em muitas regiões onde o transporte foi suspenso. A falta de alimentos, água e outros produtos básicos deteriora ainda mais o estado de saúde já precário das pessoas. Muitas escolas, com alunos doentes, suspendem as aulas. O número de órfãos é muito grande: são crianças que perderam os pais e, muitas vezes, não são aceitas por parentes ou vizinhos.
Recuperar a normalidade na Guiné, em Serra Leoa e na Libéria será uma tarefa árdua, que certamente demorará anos. É impressionante assistir à ruína de três países em pleno século 21. A preocupação atual de desenvolver terapias antivirais rapidamente é necessária e louvável, mas é essencial também elaborar um planejamento urgente de recuperação desses países. Além disso, é preciso fazer investimentos preventivos nestes e em outras nações de poucos recursos, para que seja possível evitar que doenças como a DVE se alastrem como fogo em capim seco e destruam um país por completo.
A dimensão do sofrimento do povo do oeste africano foi claramente traduzida na emoção de um colega nigeriano, que participa do combate à DVE, ao me contar, no dia 20 de outubro, que a OMS declarou seu país livre de transmissão do ebola.
O olhar do mundo para esses países precisa ser mais atento.
Clarissa Damaso
Laboratório de Biologia Molecular de Vírus
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 321 (dezembro de 2014). Clique aqui para acessar uma versão parcial da revista.