Na vastidão fria das encostas andinas, as felpudas lhamas típicas do local observam tranquilamente as estrelas. Em breve, no entanto, ganharão nova companhia de olhar aguçado: um radiotelescópio, fruto do projeto binacional Llama (Large Latin American Millimeter Array), será construído pelo Brasil e a Argentina na região para explorar os mistérios do espaço a partir de radiações de alta frequência. Além disso, o novo Telescópio Gigante de Magalhães (GMT), megaprojeto que já tem participação brasileira garantida, promete estudar os céus andinos em detalhe.
O novo radiotelescópio será instalado na província de Salta, no noroeste argentino, a uma altitude de aproximadamente 4.700 m. Com uma antena de 12 m, ele vai operar em comprimentos de ondas milimétricas e submilimétricas, equivalentes a frequências entre 90 e 700 gigahertz (Ghz), e está previsto para começar a funcionar em 2017.
São poucos os radiotelescópios instalados a uma altitude tão extrema, o que é fundamental para a qualidade das observações, já que a radioastronomia de altas frequências trabalha com ondas de comprimento muito pequeno, absorvidas pelo vapor d’água da atmosfera – portanto, quanto maior a altitude da antena, melhor a qualidade de sua captação.
O equipamento permitirá explorar praticamente todas as áreas da astronomia: da astroquímica – que investiga a formação de moléculas em meio às nuvens de poeira espacial – aos exoplanetas, à formação das galáxias e muito mais.
“Poderemos estudar, por exemplo, o buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea ou a composição da atmosfera de exoplanetas”, prevê Jacques Lépine, astrônomo da Universidade de São Paulo e coordenador nacional do projeto. “Também será possível analisar a composição de galáxias distantes ou a formação de estrelas, difícil de observar na faixa eletromagnética visível devido ao gás e à poeira.”
Um por todos, todos por um
A ideia inicial do projeto é operar como um radiotelescópio independente. “Até há pouco tempo, os receptores eram muito ruidosos, então essa faixa de comprimento de ondas ainda é pouco explorada; há diversos radiotelescópios que operam abaixo de 100 Ghz, mas poucos na faixa entre 100 e 1 mil GHz”, conta Lépine. “Há muita coisa para observar, mesmo com apenas uma antena, especialmente em uma altitude tão grande, sem paralelo com qualquer equipamento na Europa ou nos Estados Unidos.”
O projeto, porém, também prevê uma atuação bem próxima a outras iniciativas astronômicas instaladas na região, como o Apex (Atacama Pathfinder Experiment), o Aste (Atacama Submillimeter Telescope Experiment) e, em especial, o Alma (Atacama Large Millimeter Array).
A ideia é que o novo radiotelescópio possa funcionar, eventualmente, como uma espécie de antena adicional ao conjunto das 66 que compõem o radiotelescópio do Observatório Europeu do Sul (ESO).
As antenas do Alma cobrem uma área de 20 km2; e, junto com o novo equipamento, que ficará a 150 km desse complexo, poderá gerar imagens mais detalhadas. “Muitas antenas próximas aumentam a área coletora, o que permite detectar sinais mais fracos, além de compartilhar a mesma infraestrutura”, explica Lépine. “Já combinar antenas distantes melhora a resolução angular da imagem, ou seja, a capacidade de distinguir objetos próximos, como uma estrela e um planeta”, exemplifica.
O radiotelescópio binacional terá, inclusive, uma antena igual às que compõem o Alma. “É uma questão de economia: utilizar uma antena igual às do Alma reduz custos, pois não tivemos que criar um projeto do zero e foi possível encomendá-la à mesma empresa”, esclarece Lépine.
A complementaridade entre os projetos permitirá, ainda, que astrônomos brasileiros e argentinos façam mapeamentos de regiões espaciais de seu interesse para formular estudos com mais chances de conseguir uma vaga na concorrida agenda de observações do Alma.
O novo radiotelescópio também pode ser o passo inicial para a criação de uma rede latino-americana de radiotelescópios, operando por Interferometria de Longa Linha de Base (VLBI, da sigla em inglês), como redes que já existem nos Estados Unidos e na Europa. A tecnologia usa antenas espalhadas por grandes distâncias para simular um radiotelescópio muito maior, mais preciso e potente do que qualquer uma delas isoladamente. “Com vários instrumentos atuando em conjunto e observando o mesmo objeto, na mesma frequência e ao mesmo tempo, será possível obter imagens e informações muito mais precisas e detalhadas”, destaca o astrônomo.
Marcelo Garcia
Ciência Hoje/ RJ