Somos bombardeados, a todo o momento, por neutrinos vindos do céu e da Terra. Cada centímetro quadrado de nosso corpo é atravessado por uns 50 bilhões deles por segundo – contando apenas os produzidos no Sol. Mesmo assim, é muito difícil observálos, pois essas partículas, sem carga elétrica e praticamente sem massa, interagem muito pouco com a matéria.
Os neutrinos foram conjecturados em 1930 pelo físico austríaco Wolfgang Pauli (19001958), mas foram necessários 26 anos até sua confirmação – feito que rendeu o prêmio Nobel ao físico norteamericano Frederick Reines (19181998) em 1995.
Há três tipos de neutrinos: neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau – o múon e o tau são ‘primos’ mais pesados do elétron. No início da década passada, ficou claro que os neutrinos podiam trocar de tipo (ou sabor, como preferem os físicos) ao se propagarem. Isso significa que um neutrino pode nascer como neutrino do elétron e, percorrida certa distância, ser observado como neutrino do múon. A observação experimental dessa oscilação de sabor deu o prêmio Nobel de Física ano passado ao japonês Takaaki Kajita e ao canadense Arthur McDonald.
Por mais que os neutrinos tenham se tornado os ‘queridinhos’ dos físicos de partículas – que identificam neles uma possível chave para entender, por exemplo, o mistério de vermos mais matéria do que antimatéria no universo –, eles não são os únicos a bajulálos. Isso porque a mesma ‘timidez’ que torna difícil observar essas partículas faz delas espiões perfeitos para coletar informações de regiões que não podemos sondar de outra forma, ajudandonos, com isso, a resolver problemas bastante ‘práticos’.
Por exemplo, um dos problemas da geofísica é saber quanto da temperatura no interior da Terra é remanescente do calor gerado na formação do planeta e quanto vem de reações nucleares que acontecem hoje em seu interior. Resultados recentes divulgados pela equipe do detector Borexino, na Itália, oferecem respostas a essas questões.
O interior da Terra contém átomos instáveis dos elementos químicos tório e urânio, que, ao se desintegrarem, liberam energia e emitem antineutrinos, os quais têm as mesmas massas de seus ‘irmãos’ neutrinos, mas as outras propriedades, como spin (espécie de rotação intrínseca), invertidas.
Ao colidir com um antineutrino, um próton pode dar origem a um nêutron e a um antielétron. Este, por sua vez, aniquilase ao encontrar um elétron, dando essa interação origem a uma partícula de luz (fóton). O detector Borexino, com suas 300 toneladas de substância orgânica, está preparado para coletar e analisar essa luz.
De um total de 24 neutrinos detectados pelo Borexino, metade deve ter vindo do manto terrestre, que tem uns 3 mil km de raio e fica ensanduichado entre o núcleo e a crosta. Com isso, foi possível inferir que, dos 47 trilhões de watts (terawatts) de potência que fluem do interior da Terra para o espaço, de 23 a 36 terawatts são gerados por decaimentos nucleares. Portanto, mais da metade do calor no interior do planeta provém de reações nucleares que estão acontecendo a todo o momento.
Isso não só melhora nossa compreensão sobre a Terra, mas também ajuda a estimar com mais precisão quanto material radioativo há no planeta. Com toda essa ‘empregabilidade’, não é difícil entender o título desta coluna.
George Matsas
Instituto de Física Teórica,
Universidade Estadual Paulista