A velocidade e o tempo gasto para que uma reação química aconteça, bem como os parâmetros que afetam essas grandezas nesse contexto, são o foco principal de uma subárea da química: a cinética química.
O estudo dessas duas características de uma reação é de extrema importância, tendo em vista a necessidade crescente (principalmente, no setor industrial) de tecnologias que aumentem a eficiência de certos processos industriais.
A forma mais tradicional de acelerar uma reação química é por meio do uso de materiais denominados catalisadores – rotineiramente empregados, por exemplo, nos escapamentos de veículos automotivos.
No entanto, há outro material – talvez, não tão popular – capaz de diminuir o tempo de uma reação, aumentando sua velocidade: as peneiras moleculares.
Conhecidas e estudadas há séculos – esse tipo de material poroso foi identificado ainda na metade do século 18 –, as peneiras moleculares, no entanto, só ganharam uma definição científica em 1932: sólidos capazes de reter em sua superfície (adsorver) – por meio de interações de natureza física ou química – átomos, moléculas ou íons de certos tamanhos, segundo o diâmetro de seus poros. Daí o nome ‘peneira’.
O diâmetro dos poros de uma peneira molecular é da ordem do bilionésimo de metro, ou seja, do nanômetro (nm) – cerca de 100 vezes mais fino que um fio de cabelo. Quando esse diâmetro é menor que 2 nm, então, ocorrem os chamados microporos. Entre 2 nm e 50 nm, mesoporos; para valores acima de 50 nm, macroporos.
Sendo assim, as diferentes classificações das peneiras moleculares podem ser aplicadas a partir da necessidade do processo em questão, ou seja, a partir do tamanho das partículas que se deseja separar.
A natureza é pródiga na produção de meios porosos, presentes no planeta desde a formação da crosta terrestre. Esses materiais são encontrados principalmente no reino mineral. Um exemplo típico é a pedra-pomes, rocha vulcânica cujos poros podem ser vistos a olho nu, muito usada em salões de beleza para esfoliar a sola dos pés e os calcanhares.
Pote contendo peneiras
moleculares com poros de
0,4 nanômetro
(bilionésimo de metro).
(foto cedida pelos autores)
Já as peneiras moleculares são sintetizadas, isto é, fabricadas artificialmente. Seus principais usos são na indústria petrolífera, em processos que visam à redução de tempo e dos custos da transformação do petróleo bruto em seus derivados.
Peneiras moleculares também são amplamente empregadas em outros processos industriais e tecnológicos. Por exemplo, na fabricação de álcool anidro a partir do álcool hidratado, para separar as duas substâncias de modo a obter um álcool o mais puro possível (isto é, sem água); na purificação do ar, separando partículas indesejáveis; na produção de biodiesel.
Controle de propriedades
A visão macroscópica de um material nem sempre nos revela suas características mais importantes. Por exemplo, um sólido pode parecer uma superfície lisa, densa e contínua. No entanto, com o equipamento adequado (microscópio, por exemplo), suas particularidades podem se tornar visíveis. Uma delas, por exemplo, é sua porosidade, ou seja, a presença nele de poros, na forma de canais abertos ou cavidades fechadas.
A descoberta das peneiras moleculares deu-se inicialmente a partir de observações do reino mineral, abundante em exemplos desses materiais. Um deles são as zeólitas, que, pelo diâmetro de seus poros, são classificadas como material microporoso (ver ‘Zeólitas: peneiras moleculares microporosas’, em CH 307).
A partir dessa descoberta, cientistas começaram, então, a tentar reproduzir a formação natural das zeólitas em laboratório, conseguindo sucesso após meses. Depois disso, os estudos foram feitos para obter novas peneiras com diâmetros maiores.
Desde então, suas propriedades vêm sendo analisadas para que sejam copiadas e melhoradas. A presença dos poros exerce influência nas propriedades físicas desses materiais, como em sua densidade, condutividade térmica e resistência mecânica. Sendo assim, o controle do diâmetro dos poros e de outras propriedades das peneiras (densidade, condutividade térmica e resistência mecânica) é de extrema importância, dado o alto valor que esses materiais têm para a indústria e o comércio.
Nova família
Nas décadas seguintes à sua descoberta, as peneiras moleculares então conhecidas apresentavam uma dificuldade de ordem prática: eram materiais microporosos (zeólitas, por exemplo), ou seja, o diâmetro de seus poros era muito pequeno, o que impedia que moléculas grandes fossem adsorvidas por eles.
Dessa problemática, surgiu a necessidade de síntese de materiais com tamanhos de poros maiores. Um marco nesse sentido se deu em 1992, quando pesquisadores da empresa norte-americana Mobil Oil, do ramo do petróleo, sintetizaram peneiras moleculares mesoporosas à base de sílicas (ou seja, do elemento químico silício).
A família dessas peneiras moleculares foi denominada M41S – ‘M’, de Mobil, e ‘S’ de síntese (no caso, 41). Ela é composta por três membros, o MCM-41, o MCM-48 e o MCM-50 – a tradução das letras ‘MCM’ é algo como [M]obil [C]omposição de [M]atéria.
(ilustração cedida pelos autores)
A descoberta dessas peneiras mesoporosas foi um grande avanço, principalmente para o setor da indústria, considerando o aumento no diâmetro dos poros em relação aos microporosos.
A síntese de materiais mesoestruturados à base de silício – no caso, o elemento químico é responsável pela formação das paredes da peneira – ocorre por meio do uso de três ingredientes em quantidades rigorosamente apropriadas: i) um solvente, que pode ser a água; ii) uma fonte de sílica (por exemplo, silicato de sódio), que será responsável pela construção da parede do material mesoporoso; iii) um direcionador estrutural, moléculas (como o brometo de cetiltrimetilamônio) que definem a estrutura dos poros e controlam seu diâmetro.
A natureza desses ingredientes pode variar, o que confere alto grau de flexibilidade à produção dessas peneiras. Em geral, o agente direcionador tem um composto orgânico, responsável pela formação do poro e que fica na peneira até que esta seja submetida a altas temperaturas, em um processo denominado calcinação. Ao ser eliminado, o material orgânico deixa para trás um orifício, ou seja, um poro livre.
Características planejadas
Dos três membros da família, o MCM-41 – o número, no caso, tem a ver com a patente – é o mais simples de sintetizar, por conta de sua estabilidade térmica. Ele tem poros em formato cilíndrico e uma estrutura hexagonal, com diâmetros de poros que podem chegar a 4 nm; portanto, dentro da faixa estabelecida na família M41S.
Características das peneiras moleculares podem ser planejadas na síntese, como o diâmetro e o volume dos poros. Suas principais propriedades são: sua elevada área superficial; distribuição uniforme de tamanho de poros; paredes entre os poros na casa do 1 nm, distância que dá maior estabilidade e, portanto, garante melhor funcionamento às peneiras.
(ilustração cedida pelos autores)
Atualmente, as propriedades de uma peneira molecular (composição, estrutura, tamanho dos poros, espessura das paredes etc.) são determinadas por meio de técnicas de análise modernas (difração de raios X, espectroscopia, análise termogravimétrica). A figura acima traz um exemplo de peneira molecular com poro de 0,4 nm.
Com a descoberta da peneira MCM-41, as pesquisas em torno desse material se expandiram amplamente. Passou a ser investigada, por exemplo, a síntese, a formação e a caracterização de uma ampla gama de materiais mesoporosos, cuja aplicação industrial tem sido cada vez maior neste início de século.
A pesquisa básica e aplicada nessa área é essencial não só para melhorar a aplicabilidade das peneiras, mas também (e principalmente) para buscar o poro adequado para cada processo.
Sugestões para leitura
MARTINS, L.; CARDOSO, D. ‘Aplicação catalítica de peneiras moleculares básicas micro e mesoporosas’. Química Nova, v. 29, n. 2 (2006). Clique para ler.
MASCARENHAS, A. J. S.; OLIVEIRA, E. C.; PASTORE, H. O. ‘Peneiras moleculares: selecionando as moléculas por seu tamanho’. Química Nova na Escola, Cadernos Temáticos, maio de 2001. Clique para ler.
Manoel Marcelino da Silva
Alanna Oliveira Cortez
Programa de Pós-Graduação em Ambiente, Tecnologia e Sociedade,
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Mossoró, RN)
Joana Maria de Farias Barros
Centro de Educação e Saúde,
Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité (PB)