ANFÍBIOS AMEAÇADOS DE EXTINÇÃO
Desafios da ciência para a conservação desses animais em ambientes artificiais

Grupo de Especialistas de Anfíbios do Brasil
União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)
Coordenação de Herpetofauna
Zoológico de São Paulo

Os anfíbios – os vertebrados mais ameaçados de extinção do planeta hoje – contam com uma estratégia eficaz de conservação: ambientes artificiais (zoológicos, aquários etc.), onde se formam as chamadas ‘populações de segurança’. No Brasil, há só quatro projetos do gênero.

CRÉDITO ABERTURA: ADOBESTOCK

Os anfíbios são um grupo de vertebrados que engloba as ordens Anura (sapos, rãs e pererecas), Caudata (salamandras) e Gymnophiona (cecílias ou cobras-cega). Esses animais desempenham papel fundamental no meio ambiente, pois fazem parte de toda a cadeia alimentar, servindo de alimento para outros animais e sendo importantes predadores de pragas, como larvas e mosquitos. 

Esses anfíbios também são excelentes indicadores da saúde dos ecossistemas aquáticos e terrestres, por terem características fisiológicas únicas, como pele permeável e sensível a perturbações. Além disso, os anfíbios têm grande importância econômica: as secreções químicas produzidas por suas glândulas são amplamente estudadas para produção de novos medicamentos. Mais: em certas regiões do mundo, esses animais têm grande importância cultural, fazendo parte das tradições locais. 

Apesar de conhecermos cerca de 8,7 mil espécies de anfíbios no mundo – e eles habitarem quase todos os continentes, com exceção da Antártica –, esses animais são o grupo de vertebrados mais ameaçados do planeta: atualmente, 40,7% de suas espécies correm esse risco, 37 delas já foram extintas na natureza. No Brasil, há 1.188 espécies catalogadas de anfíbios, das quais, pelo menos, 59 estão ameaçadas de extinção, segundo a portaria n. 300 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), publicada em dezembro de 2022.

Ololygon alcatraz

CRÉDITO: FOTO POR CYBELE SABINO LISBOA

Esses anfíbios também são excelentes indicadores da saúde dos ecossistemas aquáticos e terrestres, por terem características fisiológicas únicas, como pele permeável e sensível a perturbações

Uma das principais ameaças para os anfíbios é a perda de hábitat, causada pela ação humana. O desmatamento, a fragmentação do ambiente, a expansão agrícola e a urbanização são exemplos de degradação ambiental que afetam processos ecológicos naturais desses animais (por exemplo, reprodução e alimentação), podendo levá-los ao declínio populacional. 

Outra importante ameaça é a quitridiomicose, doença causada pelos fungos Batrachochytrium dendrobatidis e B. salamandrivorans. Essa enfermidade tem sido responsável por inúmeros declínios populacionais de anfíbios em todo o mundo – inclusive, no Brasil. Diante do preocupante declínio populacional e da importância dos anfíbios, é essencial que sejam feitas ações de conservação para proteger suas populações tanto no Brasil quanto no mundo.

Conservação ex situ

Diversas estratégias são usadas para a conservação da biodiversidade. Uma delas é a conservação ex situ. Essa abordagem envolve a manutenção e reprodução de indivíduos sob cuidados humanos e em ambientes artificiais, como zoológicos, aquários e centros de pesquisa. 

A conservação ex situ pode ter diferentes objetivos, que vão da manutenção de indivíduos para educação ambiental ou pesquisa aplicada – sempre com foco na conservação das espécies em natureza – à criação de populações de segurança, que podem ser usadas para suplementar ou repovoar áreas onde as espécies estão em declínio ou já extintas.

Atelopus manauensis

CRÉDITO: FOTO POR RAFAEL JORGE / INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA

Mas esse tipo de intervenção também pode contemplar a criação de populações de segurança, as quais podem ser usadas para suplementar ou repovoar áreas onde as espécies estão em declínio ou já extintas

Nesse sentido, a conservação ex situ desempenha papel fundamental para espécies que requerem intervenção imediata, ou seja, quando não há tempo suficiente para reverter ou reduzir as ameaças em seu ambiente natural antes da extinção. 

Diversas espécies de vertebrados no mundo já foram salvas da extinção por meio dessa estratégia. Por exemplo, o cavalo-de-przewalski (Equus ferus przewalskii), da Mongólia; a rã-da-piscina (Pelophylax lessonae), da Inglaterra; o salmão-da-califórnia (Oncorhynchus tshawytscha), nos EUA; e o furão-de-patas-pretas (Mustela nigripes), nesse mesmo país.

Mas é importante ressaltar que a conservação ex situ é só parte de um plano de conservação abrangente e integrado, que também inclui a conservação in situ, isto é, ações de conservação feitas no ambiente natural – afinal, de nada adianta manter populações saudáveis e seguras em ambientes artificiais se ações in situ não forem realizadas.

O primeiro desses programas foi iniciado em 2009, no Zoológico de São Paulo (Zoo SP), com a espécie perereca-de-alcatrazes

No Brasil

Apesar de muito usada nos EUA, na Austrália e na Europa, a conservação ex situ de anfíbios ainda não é tão comum no Brasil. Poucas instituições mantêm anfíbios em condições artificiais – e, menos ainda, estão desenvolvendo ações de conservação ex situ

Exemplo comparativo: enquanto, nos EUA, existem atualmente cerca de 70 programas de conservação ex situ de anfíbios, no Brasil – país com a maior diversidade de anfíbios do mundo –, há apenas quatro deles em andamento. O primeiro desses programas foi iniciado em 2009, no Zoológico de São Paulo (Zoo SP), com a espécie perereca-de-alcatrazes (Ololygon alcatraz). Sua importância é enorme: a partir dele, a conservação ex situ de anfíbios começou a se tornar conhecida nacionalmente. 

Há também projetos com a perereca-pintada (Nyctimantis pomba), a perereca-rústica (Pithecopus rusticus) e o sapo-arlequim-manauense (Atelopus manauensis). Todos esses projetos – dos quais participam pesquisadores e técnicos de universidades, zoológicos, institutos e centros de pesquisa – contam com o apoio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN-ICMBio), vinculado ao MMA. 

O número de projetos de conservação ex situ no Brasil deverá aumentar em breve, pois a Amphibian Ark, organização internacional de conservação, iniciou, ano passado, um programa para ampliar os esforços desse tipo de abordagem para esses animais no país.

Pithecopus rusticus

FOTO POR ELAINE LUCAS

A boa notícia é que, de lá para cá, esse cenário vem mudando, e, atualmente, está crescendo o reconhecimento e apoio à conservação ex situ no país

Desconhecimento e desinteresse

São muitos os desafios para a conservação ex situ de anfíbios no Brasil, e eles estão relacionados tanto ao ambiente profissional quanto à manutenção dos animais. Por exemplo, ainda há grande desconhecimento dessa estratégia não só entre profissionais da área, mas também entre o grande público.

 Até anos atrás, havia desinteresse em relação à utilização dessa estratégia e desconhecimento sobre a sua eficácia. Por exemplo, em 2009, quando o primeiro projeto foi iniciado, muitos profissionais da área ou não acreditavam, ou não davam tanta importância à abordagem. A boa notícia é que, de lá para cá, esse cenário vem mudando, e, atualmente, está crescendo o reconhecimento e apoio à conservação ex situ no país.

Em relação à manutenção dos anfíbios, existe certo desconhecimento, por parte de profissionais, tanto sobre os cuidados desses animais quanto aos recursos materiais e financeiros necessários. 

Na realidade, um dos maiores desafios da conservação ex situ é a falta de profissionais capacitados, dotados de conhecimento prático e teórico sobre a manutenção, reprodução e os cuidados veterinários desses animais. Some-se a isso o fato de que, em instituições mantenedoras de fauna, ainda há preferência por se conservarem outros grupos de vertebrados, como aves e mamíferos. 

Atualmente, o Zoo SP é a instituição, no Brasil, que mais tem dedicado esforços para a conservação ex situ de anfíbios. Como há poucos locais no país que mantêm anfíbios em condições artificiais, há, como consequência, poucos profissionais experientes nessa área, bem como poucas informações sobre práticas de manejo – especialmente, em relação à medicina veterinária, crucial para um programa eficiente de conservação. 

Essa é uma área que ainda precisa de investimentos no Brasil, pois são poucos os médicos veterinários interessados ou com especialização em anfíbios. Em conjunto, todos esses fatores fazem com que muitas instituições tenham dificuldades para começar um projeto de conservação ex situ de anfíbios.

Não adianta só investir em estratégias de conservação ex situ se não houver ações in situ e de educação ambiental ocorrendo de forma associada, para reduzir as ameaças e proteger o ambiente natural desses animais

Artificial versus natural

Outro fator importante sobre a manutenção ex situ de animais é um argumento um tanto óbvio: as condições ambientais artificiais diferem das naturais. Essas diferenças incluem alimentação, tipos de substratos, temperatura e umidade ambiental.

Por exemplo, a dieta de anfíbios é um grande desafio, porque esses animais se alimentam de presas vivas, e a diversidade na criação de insetos pelas instituições mantenedoras é limitada. Portanto, a manutenção de animais em ambientes artificiais pode resultar em alterações físicas, comportamentais e fisiológicas. 

Apesar de muitas espécies se ajustarem a essas novas condições, outras podem enfrentar dificuldades para sobreviver em ambientes artificiais, tornando a manutenção delas mais desafiadoras. Além disso, a manutenção ex situ pode implicar redução da diversidade genética da população. Essas alterações podem ter impacto negativo em projetos de conservação ex situ que visam a manter populações saudáveis para possível reintrodução na natureza. 

É fundamental, portanto, que esses projetos tenham a colaboração de profissionais de outras áreas, como pesquisa e conservação in situ. Esses especialistas podem ajudar a compreender e auxiliar na mitigação dessas alterações, com base em seus conhecimentos sobre fisiologia, história natural e ecologia.

Nyctimantis pomba

FOTO POR PEDRO PELOSO

Abordagem integrada

Além dos desafios relacionados ao ambiente profissional, há também aqueles ligados à sociedade. De forma geral, os anfíbios são frequentemente vistos com certo receio pelas pessoas, que, geralmente, desconhecem a importância ecológica desses animais e tendem a considerá-los como ameaça – apesar de eles não representarem riscos à saúde humana. Contribuem para esse medo crenças antigas, como “o xixi do sapo causa cegueira”, além do aspecto gosmento da pele úmida dos anfíbios, que muitas pessoas consideram desagradável.  

Anfíbios não têm o mesmo apelo carismático atribuído aos mamíferos, o que dificulta a sensibilização do grande público sobre sua importância e conservação. Isso pode explicar por que instituições mantenedoras de fauna (zoológicos e aquários, por exemplo) não priorizam a inclusão de anfíbios em suas coleções. 

Mas esse ‘revés’ deveria servir de estímulo, pois o papel dessas instituições é justamente desmistificar as crenças e promover a mudança de comportamento das pessoas, esclarecendo a importância ecológica e genética de todas as espécies.

A conservação de anfíbios demanda abordagem integrada, envolvendo diversos profissionais e frentes de atuação. Não adianta só investir em estratégias de conservação ex situ se não houver ações in situ e de educação ambiental ocorrendo de forma associada, para reduzir as ameaças e proteger o ambiente natural desses animais. É essencial, portanto, promover a conexão entre pessoas e instituições, trabalhando em conjunto para alcançar o objetivo em comum: salvar os anfíbios.

LISBOA C.S. Experiências e contribuições do Zoológico de São Paulo na conservação ex situ de anfíbios. Herpetologia Brasileira, v. 9, n. 1, p. 24-33, 2020.

LISBOA, C. S. et al. Plano Estratégico de Conservação de Anfíbios – Pithecopus rusticus. Grupo de Especialistas em Anfíbios do Brasil, IUCN, 2023. Disponível em https://www.amphibianark.org/wp-content/uploads/2023/05/Plano-Estrategico-de-Conservacao-de-Anfibios-%E2%80%94-Nyctimantis-pomba.pdf 

LUEDTKE; J. A. et al. Ongoing declines for the world’s amphibians in the face of emerging threats. Nature, v. 622, pp. 308-314, 2023.

PONTES, M. R. e GUIDORIZZI, C. E. Lista nacional de espécies ameaçadas de extinção: atualizações para os anfíbios brasileiros. Herpetologia Brasileira, v. 11, n. 3, p.12-20, 2023. Disponível em https://storage.builderall.com/franquias/2/6437879/editor-html/11001017.pdf 

Seu Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Outros conteúdos desta edição

725_480 att-88786
614_256 att-88776
725_480 att-88721
725_480 att-88563
725_480 att-89174
725_480 att-88498
725_480 att-88660
725_480 att-88521
725_480 att-88612
725_480 att-88676
725_480 att-88629
725_480 att-88605
725_480 att-88546
725_480 att-88514
725_480 att-88687

Outros conteúdos nesta categoria

725_480 att-81551
725_480 att-79624
725_480 att-79058
725_480 att-79037
725_480 att-79219
725_480 att-89383
725_480 att-89442
725_480 att-89408
725_480 att-89345
725_480 att-88660
725_480 att-88521
725_480 att-88612
725_480 att-88039
725_480 att-88270
725_480 att-88187