Esperança contra a resistência bacteriana

Instituto de Doenças Infecciosas
Departamento de Oftalmologia
Escola de Medicina Harvard (Estados Unidos)

Desenvolvimento de terapias personalizadas com vírus que infectam bactérias, chamados bacteriófagos, é alternativa promissora aos antibióticos disponíveis atualmente para tratar infecções resistentes, que se tornaram uma grave ameaça à saúde pública

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

A resistência aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde pública global do século 21. Bactérias que infectam humanos e outros animais estão se tornando cada vez mais resistentes aos antibióticos, resultando em infecções de difícil tratamento e em falha terapêutica. Quando não tratadas de maneira adequada, essas infecções podem levar ao desenvolvimento de sequelas debilitantes ou à morte. Em 2019, cerca de 1,27 milhão de mortes foram atribuídas a infecções causadas por bactérias resistentes aos antibióticos. Estimativas apontam que o número de mortes anuais associadas às infecções resistentes possa saltar para 10 milhões no ano de 2050.

O uso abusivo e, algumas vezes, irracional de antibióticos (por exemplo, para tratar infecções virais) na medicina humana e veterinária e na agropecuária acelera a seleção e disseminação de bactérias resistentes em hospitais, nos animais de abate, no solo de fazendas produtoras de alimentos, nos efluentes, entre outros ambientes. Esse cenário, aliado à escassez de novas drogas, resulta em uma corrida constante para mitigar o problema – e as bactérias continuam à frente. Portanto, é urgente desenvolver e disponibilizar para uso clínico novas estratégias para o tratamento de infecções causadas por bactérias resistentes aos antibióticos empregados atualmente. 

Uma alternativa aos antibióticos que tem sido explorada em diversos centros para tratar infecções resistentes é a terapia personalizada com bacteriófagos. Bacteriófagos (ou fagos) são vírus abundantes na natureza que infectam especificamente bactérias. Logo após sua descoberta, em 1915, os fagos foram usados no tratamento de infecções bacterianas em diversos países. Com a descoberta dos antibióticos e seu desenvolvimento para uso clínico, entre as décadas de 1930 e 1960, o uso de fagos foi abandonado, pois os antibióticos se tornaram opções mais convenientes e com um espectro de ação mais amplo, o que facilitou o tratamento de diversas infecções de forma empírica.

No entanto, antibióticos de amplo espectro não têm a capacidade de diferenciar uma bactéria causadora de infecção daquelas que fazem parte da imensa coleção de micróbios que colonizam diversas partes do corpo humano e de animais, nem de outras que estejam presentes no meio ambiente. E, quando um antibiótico é utilizado de forma inadequada, pode haver seleção de populações resistentes tanto entre as bactérias causadoras de infecção quanto entre as demais.

Quando um antibiótico é utilizado de forma inadequada, pode haver seleção de populações resistentes tanto entre as bactérias causadoras de infecção quanto entre aquelas que colonizam os corpos humanos e de outros animais

Diferentemente dos antibióticos de amplo espectro, os fagos têm espectro de atividade reduzido. Bactérias e fagos coexistem em diferentes ambientes (como águas de rios e oceanos, solo, efluentes e corpos humanos e de animais), resultando em fagos extremamente adaptados a infectar e matar um tipo específico de bactéria. Essa característica possibilita o desenvolvimento de terapias mais específicas, direcionadas ao tipo de bactéria causadora da infecção que se quer tratar. Em uma analogia simplificadora, tratar uma infecção com um antibiótico de amplo espectro seria o mesmo que posicionar uma pequena uva no solo e tentar acertá-la com uma bomba a partir de um avião. A fagoterapia de precisão personalizada seria como acertar a mesma uva usando um atirador de elite localizado próximo ao alvo.

Em nossos laboratórios, nós temos isolado, a partir de amostras ambientais, fagos com capacidade de infectar bactérias que causam infecções em seres humanos e animais, incluindo suas versões resistentes a múltiplos antibióticos. Esses fagos apresentam atividade restrita às espécies bacterianas que são de nosso interesse e estão sendo explorados para o desenvolvimento de novas terapias tópicas de precisão para o tratamento de infecções de pele e oculares. 

Clinicamente, a fagoterapia tem sido usada com sucesso no tratamento de múltiplas infecções bacterianas, como pneumonia, infecções do trato urinário, entre outras, incluindo infecções causadas por bactérias com extensa resistência aos antibióticos – algumas consideradas não tratáveis com os antibióticos disponíveis. Recentemente, um artigo publicado na revista Nature Microbiology indicou resultados promissores com o uso de fagoterapia personalizada para tratar 100 pacientes com infecções resistentes em hospitais da Europa e Tunísia. Houve melhora clínica em cerca de 80% dos pacientes e erradicação completa da bactéria causadora da infecção em 61% dos casos. Espera-se que esses achados suportem futuros ensaios clínicos controlados e randomizados para que esses tratamentos sejam aprovados para uso clínico e se tornem importantes ferramentas na luta contra a resistência aos antibióticos.

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