Regulação de laboratórios de alta biossegurança

Setor de Gestão de Riscos Biológicos e Riscos Químicos,
Coordenação-geral de Laboratórios Agropecuários,
Ministério da Agricultura e Pecuária
Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular,
Universidade Federal de Viçosa (MG)

É preciso suprir as lacunas da legislação brasileira aplicada a instalações que lidam com agentes de grande risco biológico, para garantir seu funcionamento seguro e mitigar riscos à saúde e ao meio ambiente

CRÉDITO: IMAGEM ADOBESTOCK

Os laboratórios de alta e máxima contenção biológica (NB-3 e NB-4, respectivamente) – aqueles que operam com os maiores níveis de biossegurança – desempenham um papel crucial no combate a doenças infecciosas de alto impacto, sendo essenciais na implementação das políticas de saúde pública. Por outro lado, sua operação também pode acarretar riscos significativos, especialmente se as normas de biossegurança e bioproteção não forem rigorosamente aplicadas.

Biossegurança e bioproteção são conceitos complementares relacionados à garantia do uso seguro dessas instalações. Enquanto a biossegurança visa prevenir acidentes ao preconizar infraestrutura adequada, gestão eficaz e boas práticas laboratoriais, a bioproteção foca em evitar o uso mal-intencionado de agentes biológicos, incluindo o bioterrorismo.

O aumento global no número dessas estruturas tem suscitado questões relevantes, como: a real necessidade da construção de novos laboratórios de alta e máxima contenção biológica; a adequação das políticas e regulamentos que orientam sua construção e operação no Brasil; e a definição dos órgãos responsáveis por garantir biossegurança e bioproteção adequadas dessas instalações.

Normas internacionais, como as da Organização Mundial da Saúde, oferecem diretrizes consolidadas para boas práticas em biossegurança e bioproteção. No entanto, sua aplicação requer um arcabouço legal nacional que assegure a conformidade de todas as etapas para implantação, operação e desativação dos laboratórios.

No Brasil, a legislação relacionada à biossegurança apresenta lacunas significativas. A Lei nº 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança, foca exclusivamente em organismos geneticamente modificados (OGMs), negligenciando microrganismos patogênicos não modificados. Além disso, legislações do Ministério da Saúde (MS) – como a Portaria MS nº 3.204/2010, que trata da biossegurança dos laboratórios de saúde pública – e do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) – como a Instrução Normativa SDA/Mapa nº 05/2012, voltada para a manipulação do vírus da febre aftosa – carecem de atualização.

Outras limitações incluem a falta de obrigatoriedade de registro ou certificação de laboratórios que lidam com agentes de alto e máximo risco biológico, o que gera falta de informações sobre sua quantidade, localização e operação. Também faltam mecanismos de governança e supervisão para laboratórios fora da esfera do MS e do Mapa ou que não trabalham com OGMs.

Outra preocupação é a ausência de padrões claros para design, construção e operação de laboratórios de alta e máxima contenção. Além disso, não existem diretrizes específicas para governança e monitoramento de pesquisas de uso dual, que podem gerar tanto avanços científicos quanto potenciais riscos, como desenvolvimento de armas biológicas, aumento da virulência e alteração dos hospedeiros de determinados microrganismos e resistência a terapias e vacinas.

Diante dessas fragilidades, torna-se urgente desenvolver uma Política Nacional de Biossegurança e Bioproteção. Essa política deve ser abrangente, atualizada e alinhada às normas internacionais e precisa incluir um sistema centralizado de registro e certificação para laboratórios NB-3 e NB-4, além de auditorias regulares e capacitação contínua, para garantir o funcionamento seguro dos laboratórios e mitigar riscos à saúde e ao meio ambiente.

Diante dessas fragilidades, torna-se urgente desenvolver uma Política Nacional de Biossegurança e Bioproteção, que seja abrangente, atualizada e alinhada às normas internacionais

A partir da publicação dessa política, será necessário implementar regulamentações, incluindo a definição de requisitos construtivos mínimos para laboratórios NB-3 e NB-4, a sistemática de supervisão desses laboratórios pelos respectivos órgãos reguladores e o monitoramento das pesquisas de uso dual.

Além disso, essa política deve prever um marco legal que contemple o financiamento sustentável dessas instalações, reconhecendo seu elevado custo operacional, que pode incluir funcionamento ininterrupto por décadas.

Essa necessidade é ainda mais evidente com o aumento do número de laboratórios de alta contenção biológica no Brasil e a construção do primeiro laboratório de máxima contenção biológica em território nacional, que adota uma tecnologia ainda não validada quanto à segurança biológica nesses ambientes.

Regulações e normas de biossegurança e bioproteção adotadas em outros países podem servir como importantes referências, oferecendo um valioso ponto de partida para o fortalecimento e aprimoramento do arcabouço jurídico brasileiro.

Fortalecer as normas para laboratórios NB-3 e NB-4 é essencial para posicionar o Brasil na vanguarda da pesquisa em saúde pública e defesa agropecuária. Uma regulação sólida não apenas mitiga riscos, mas também fomenta inovação e desenvolvimento sustentável. Ao equilibrar biossegurança, bioproteção e progresso científico, contribuímos para um ambiente mais seguro e que estimule soluções inovadoras e eficazes.

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