De onde virão os novos antibióticos?

Instituto Oswaldo Cruz
Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Fundação Oswaldo Cruz

Para combater a resistência bacteriana, pesquisadores buscam novos compostos naturais provenientes de microrganismos que habitam o solo, o ambiente marinho e até o corpo humano

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

A descoberta dos antibióticos revolucionou a medicina. Doenças anteriormente vistas como grandes desafios poderiam ser tratadas com remédios seguros e eficazes e com altíssima taxa de sucesso. Os antibióticos têm como alvo processos fundamentais para a multiplicação microbiana, o que pode resultar no adormecimento das bactérias, permitindo que o sistema imune as elimine, ou na sua morte propriamente dita.

Ao longo das décadas, o desenvolvimento de novos tipos e classes desses fármacos fez com que os mais otimistas acreditassem que muitas doenças infecciosas causadas por bactérias seriam facilmente eliminadas. Antibióticos passaram então a ser prescritos com enorme frequência, sendo inclusive mais tarde utilizados como promotores de crescimento em animais de abate. O uso inadequado desses fármacos também se tornou comum. Médicos passaram a receitar antibióticos para doenças que não são causadas por bactérias, como infecções virais respiratórias. Além disso, a falta de fiscalização e de controle na dispensação desses medicamentos facilitou a automedicação.

O uso amplo e inadequado de antibióticos exerce uma pressão seletiva sobre a população bacteriana, favorecendo uma pequena parcela de bactérias naturalmente mais resistente a alguns desses fármacos, que fica livre para se multiplicar e dominar a população. Esse cenário fez com que o fenômeno natural da resistência bacteriana aos antibióticos se alastrasse cada vez mais rapidamente, e hoje muitos desses fármacos já não são mais tão úteis na clínica.

Mas como podemos combater esse fenômeno? Além de controlar o uso de antibióticos, é necessário descobrir novos fármacos, de preferência com mecanismos de ação diferentes dos atuais, de modo que os mecanismos de resistência já existentes não afetem a eficácia dos novos compostos. Porém, novos antibióticos têm surgido em velocidade muito inferior à do espalhamento da resistência, colocando a sociedade em posição delicada. Estima-se que, até 2050, a resistência a antibióticos matará mais do que o câncer, dado que mostra a magnitude desse problema.

Mas como descobrir novos antibióticos? Grande parte dos primeiros antibióticos descobertos eram produtos naturais provenientes de culturas de microrganismos. Historicamente, microrganismos que habitam o solo, como os actinomicetos, têm sido as maiores fontes de moléculas ativas. Estima-se que cerca de 64% dos antibióticos naturais conhecidos sejam produzidos por esse grupo de microrganismos. Mais recentemente, a busca por novos compostos bioativos voltou-se para outras possíveis fontes, como microrganismos marinhos, em particular aqueles associados a invertebrados, como esponjas. Mas seriam esses os únicos hábitats promissores?

Outro caminho para a busca por novos antibióticos pode estar no corpo humano. Ele é habitado por muitos microrganismos inócuos ou benéficos, que formam uma comunidade microbiana complexa denominada microbiota. Essa microbiota tem várias funções essenciais para a saúde humana, como o desenvolvimento do sistema imunológico, a extração de energia dos alimentos e a proteção contra patógenos invasores. Os mecanismos por meio dos quais a microbiota nos protege de invasores ainda são, em grande parte, desconhecidos, mas imagina-se que envolvam a produção de compostos que antagonizem bactérias patogênicas. De fato, alguns compostos com atividade antibiótica já foram isolados da microbiota humana. A lugdunina foi identificada em culturas de Staphylococcus lugdunensis, bactéria que habita pacificamente nossas narinas e pele. Já a lactocilina foi isolada do Lactobacillus gasseri, presente na microbiota vaginal humana.

Além dos antibióticos, outra categoria de moléculas bioativas surge como potencial ferramenta para combater a resistência bacteriana: as moléculas antivirulência. Essas moléculas não matam os microrganismos-alvo, mas desligam a maquinaria usada por bactérias patogênicas para causar danos ao hospedeiro. Por não matarem as bactérias – e, assim, não gerarem pressão seletiva sobre elas –, tais moléculas seriam menos suscetíveis ao desenvolvimento de resistência.

Estudos recentes do nosso grupo de pesquisa mostraram que a microbiota intestinal humana produz moléculas com atividade antivirulência contra Salmonella enterica e Vibrio cholerae, dois importantes patógenos humanos. Em ambos os casos, a espécie produtora foi Enterocloster citroniae, bactéria sobre a qual ainda se sabe pouquíssimo.

O sequenciamento e a análise do DNA de amostras da microbiota de diversas partes do corpo humano demonstraram a presença de vários genes envolvidos na síntese de moléculas bioativas, incluindo antibióticos. A enorme diversidade genética e química da microbiota humana certamente servirá de base para a descoberta e o desenvolvimento de fármacos com propriedades interessantes, como antibióticos, anti-inflamatórios e até moléculas anticâncer. Esse é mais um exemplo da ciência básica alimentando de possibilidades a ciência translacional e o repertório terapêutico usado para garantir a saúde e o bem-estar humanos.

O sequenciamento e a análise do DNA de amostras da microbiota de diversas partes do corpo humano demonstraram a presença de vários genes envolvidos na síntese de moléculas bioativas, incluindo antibióticos

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