Talvez, o leitor nunca tenha ouvido falar sobre o ITER, acrônimo, em inglês, para ‘Reator Experimental Termonuclear Internacional’. Mas esse é um dos projetos mais ambiciosos em andamento, que poderá ser o primeiro passo para resolver o problema energético do mundo.

Usinas nucleares convencionais usam como combustível o urânio 235, isto é, o elemento químico cujo núcleo tem 92 prótons e 143 nêutrons. Ao ser bombardeado com nêutrons, o urânio 235 se parte em núcleos mais leves, que se movem rapidamente. Essa energia de movimento acaba sendo usada para aquecer a água de um reservatório, que, por sua vez, move turbinas, gerando energia elétrica.

Apesar de a energia nuclear já ser responsável por mais de 10% da matriz energética mundial, há o perigo de acidentes graves, e os resíduos radioativos deixados ao final do processo são um problema constante.

Ao contrário de usinas nucleares convencionais, o ITER espera extrair energia da fusão de núcleos leves – mais precisamente, de dois isótopos do hidrogênio: o dêuteron (próton mais nêutron) e o trítio (próton mais dois nêutrons). Ambos são relativamente abundantes na natureza. O dêuteron, por exemplo, pode ser extraído da água do mar.

Quando o dêuteron e o trítio se fundem, são gerados um núcleo de hélio (dois prótons e dois nêutrons) e um nêutron. Nesse processo, por volta de 0,4% das massas do dêuteron e trítio se converte em energia. Pode parecer pouco, mas isso é o triplo do que se obtém em usinas nucleares convencionais, que já são milhões de vezes mais eficientes que termoelétricas, as quais queimam combustíveis fósseis gerando gás carbônico (CO2). Por sua vez, as usinas de fusão liberarão hélio, que é um gás inofensivo.


As partes da máquina estão sendo construídas em diferentes países, incluindo Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Rússia, Itália e Alemanha. (foto: © ITER Organization)

Em resumo, o ITER seria o primeiro passo rumo a uma fonte de energia limpa e abundante. O grande desafio é que, para que a fusão aconteça, o ITER terá que aquecer os isótopos do hidrogênio a temperaturas de 150 milhões de graus Celsius, ou seja, uns 10% da temperatura no centro do Sol. Esse plasma infernal, formando uma ‘sopa’ quentíssima de partículas, terá que ser mantido longe de tudo, por meio de campos magnéticos megapotentes. Não devemos subestimar os desafios tecnológicos envolvidos na fusão, mas eles podem ser superados.

O ITER é encabeçado pela União Europeia, China, Coreia do Sul, pelos EUA, pela Índia, pelo Japão e pela Rússia desde 2006. À época, o valor estimado para a construção foi de 5 bilhões de euros (hoje, cerca de R$ 18 bilhões), e o tempo para sua conclusão era de 10 anos.

Infelizmente, o projeto está atrasado em uma década. Contudo, as coisas começaram a melhorar desde o fim do ano passado, quando o gerenciamento do projeto passou para as mãos do francês Bernard Bigot. Mesmo assim, Bigot estima que a máquina não estará concluída antes de 2025, e que, depois disso, ainda serão necessários vários anos para que o objetivo original de gerar energia pela fusão de dêuterons e trítios seja alcançado.

A nova estimativa de custo quase que duplicou, passando a ser de 9,6 bilhões de euros (cerca de R$ 35 bilhões), o que levou o Departamento de Energia dos EUA a não garantir seu apoio ao projeto além de 2018 – mas esperemos que essa ajuda continue até o final. Dez bilhões de euros é o que custa um porta­aviões. Se podemos construir vários desses para nos matar, será que não podemos construir um ITER para (ajudar a) nos salvar? 

 

George Matsas
Instituto de Física Teórica
Universidade Estadual Paulista

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