A arte quântica da comunicação
As mensagens dessa nova era tecnológica já estão chegando

Centro de Estudos em Telecomunicações
Departamento de Engenharia Elétrica
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

A física quântica, que lida com os fenômenos nas dimensões atômicas e subatômicas, promete revolucionar as comunicações. Ao transformar limitações em aliadas, essa teoria permite um novo tipo de criptografia inviolável, o teletransporte de informação e conexões globais por satélite. Este ano, em que comemoramos o Ano Internacional da Ciência e das Tecnologias Quânticas, a construção da internet quântica já é realidade. E o Brasil deve decidir se quer ser só espectador dessa nova era tecnológica ou agente ativo nesse cenário estratégico.

CRÉDITO: ADOBE STOCK

Figura 1. Polarização do fóton como qubit

CRÉDITO: HTTPS://AR5IV.LABS.ARXIV.ORG/HTML/0803.1554

Alice e Bob, após longo relacionamento, decidem se separar. Ambos compartilhavam a guarda de um cachorro. Portanto, decisão importante deve ser tomada: quem fica com o bichinho?

O razoável seria uma reunião presencial, mas isso é impossível: Alice não quer mais encontrar Bob – e vice-versa. Então, decidem resolver a situação de modo inusitado: jogando par ou ímpar… pelo telefone. 

Nesse jogo, bem popular, cada um dos dois jogadores escolhe previamente uma de duas opções: par ou ímpar. Depois, na versão presencial, mostram simultaneamente uma das mãos com certa quantidade de dedos. A soma deles (se par ou ímpar) indicará o vencedor.

Mas como fazer isso via chamada telefônica sem brechas para trapaças? – afinal, a confiança mútua do casal já se esgotou, mas os dois adoram o cachorro.

A resposta para a questão acima é curta e incisiva: esse modo inusitado de jogar permitiria que cada um deles tivesse 100% de sucesso em enganar o outro, caso a troca de informação entre o ex-casal fosse ‘clássica’ – ou seja, seguisse as leis da física que rege os fenômenos macroscópicos, de nosso dia a dia.

Mas e se Alice e Bob pudessem usar – para representar os números de dedos – sistemas quânticos, regidos pela física que lida com o diminuto universo molecular, atômico e subatômico? 

Nessa situação, algo surpreendente ocorreria: a probabilidade de qualquer uma das partes trapacear a outra poderia ser limitada a um valor abaixo de 75%. Soa estranho, mas isso é exatamente o que ocorreria se Alice e Bob seguissem um protocolo chamado ‘cara ou coroa quântico’ (em inglês, quantum coin tossing). 

Para nossos propósitos aqui, o que importa é que esse exemplo do ‘cara ou coroa quântico’ demonstra que as comunicações quânticas são capazes de criar soluções para problemas impraticáveis no campo das comunicações clássicas.

A informação é física

A comunicação quântica é uma das vertentes de uma grande área chamada informação quântica, campo de conhecimento multidisciplinar que vive na interseção da física quântica, da teoria da informação e da ciência da computação.

A essência da informação quântica pode ser sintetizada pela famosa frase do físico alemão Rolf Landauer (1927-1999): “Toda informação é física”. Ou seja, as leis de processamento da informação devem necessariamente se submeter às leis de física, e as leis da computação podem nos fornecer ideias inéditas sobre os princípios físicos fundamentais. 

A informação quântica envolve toda a área do conhecimento relacionada à codificação de informação no estado de uma única partícula – ou seja, em seu estado quântico. Diferentemente do caso clássico – em que a informação digital é representada por bits e pode assumir o valor ‘zero’ ou ‘um’ –, o caso quântico emprega um fenômeno denominado superposição, que permite que um bit de informação (no caso, um quantum bit ou simplesmente qubit) possa ter, simultaneamente, os valores ‘zero’ e ‘um’, em diferentes proporções.

Por causa da superposição – e do emaranhamento, como veremos adiante –, o processamento quântico de informação pode fazer tarefas que não têm análogo no mundo clássico.

Essa e outras capacidades únicas da informação quântica fazem com que essa área de pesquisa atraia cada vez mais investimentos públicos e privados, com promissoras aplicações que já começavam a se delinear na atualidade. Três exemplos: computação quântica, sensoriamento quântico e comunicação quântica. 

O último item acima é o estudo da transmissão de qubits de um local a outro. Para isso, empregam-se, em geral, fótons que carregam a informação a ser transmitida na forma de um propriedade específica dessas partículas de luz – por exemplo, o plano em que elas oscilam, propriedade denominada polarização.

Por exemplo, podemos atribuir aos planos de vibração (horizontal ou vertical) valores numéricos (zeros ou uns). Mas, como o fóton é uma entidade quântica, a polarização pode assumir um valor que é a superposição desses planos, representando ‘zeros’ e ‘uns’ simultaneamente. Portanto, um fóton polarizado pode atuar como um qubit (figura 1).

Nessa situação, algo surpreendente ocorreria: a probabilidade de qualquer uma das partes trapacear a outra poderia ser limitada a um valor abaixo de 75%

CONTEÚDO EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Para acessar este ou outros conteúdos exclusivos por favor faça Login ou Assine a Ciência Hoje.

Outros conteúdos desta edição

725_480 att-94245
725_480 att-94376
725_480 att-94337

Outros conteúdos nesta categoria

725_480 att-81551
725_480 att-79624
725_480 att-79058