O que sabemos sobre Alzheimer?

Laboratório de Biologia do Envelhecimento (Laben)
Departamento de Gerontologia
Universidade Federal de São Carlos (SP)

No mundo, mais de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência – o Brasil contribui com 2,7 milhões desse total. O Alzheimer – que responde globalmente por cerca de 70% a 80% desses quadros – segue sem cura. Mas a ciência traz boas notícias: ela aponta que os riscos para o surgimento dessa doença podem ser evitados ou minimizados com base em hábitos de vida e acesso ao sistema de saúde. Mais: exames de imagem e sangue para o diagnóstico precoce ganharam alta precisão, e novos medicamentos já estão disponíveis.

CRÉDITO: ADOBE STOCK

Figura 1. População residente no Brasil (%), segundo sexo e grupos de idade, em 2010 e 2022

CRÉDITO: CENSO DEMOGRÁFICO/IBGE

O Brasil não é mais um país predominantemente de jovens. Nossa população está envelhecendo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já há hoje, em nosso país, mais pessoas idosas do que crianças e adolescentes com até 14 anos. Isso significa que, cada vez mais, teremos pessoas mais velhas vivendo entre nós (figura 1).

Com o envelhecimento da população, aumenta a chance de surgirem doenças como câncer, diabetes, problemas do coração e demências. Estas últimas, são, na verdade, vários tipos diferentes de condições. Por exemplo, há a demência de Parkinson, a vascular, a com corpos de Lewy, a frontotemporal, entre outras.

Você, talvez, esteja mais familiarizado com esses tipos de demência por causa das notícias de pessoas famosas vivendo com elas. O ator norte-americano Robin Williams (1951-2014) foi diagnosticado com demência por corpos de Lewy após sua morte. Outro ator norte-americano, Bruce Willis, vive hoje com demência frontotemporal. O músico Ozzy Osbourne (1948-2025) lutou contra o Parkinson até sua morte recente. 

No mundo, mais de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência. No Brasil, estima-se que esse número chegue a mais de 2,7 milhões.

Mas os casos mais comuns de demência – que representam cerca de 70% a 80% deles – são aqueles relacionados à doença de Alzheimer. Há tipos diferentes desse quadro: i) o genético (ou familiar) está relacionado a alterações em genes específicos e representa de 1% a 3% dos casos; ii) o chamado Alzheimer esporádico (o tipo mais frequente) responde por cerca de 97% a 99% dos casos.

No Alzheimer genético, os primeiros sintomas, como a perda de memória, aparecem por volta dos 45 anos de idade. No esporádico, eles surgem só depois dos 60 anos.

Especialistas dividem o Alzheimer esporádico em dois subtipos: o biológico e o clínico. Vamos entender. No cérebro, a doença começa principalmente pelo acúmulo de duas substâncias: o beta-amiloide, que forma placas entre os neurônios, e a tau, que se ‘embola’ dentro das células. 

Fragmento de uma proteína maior, o beta-amiloide, em condições normais, é eliminado pelo organismo. Mas, quando ocorre um desequilíbrio em sua produção ou remoção, esses fragmentos se acumulam e se agregam, formando placas que interferem na comunicação entre os neurônios (células cerebrais). 

Já a proteína tau tem a função de estabilizar os microtúbulos, estruturas fundamentais para o transporte de nutrientes e outras substâncias no cérebro. No Alzheimer, a tau sofre alterações químicas, como a adição de muitas moléculas de fosfato – processo denominado hiperfosforilação. Com isso, ela começa a se agrupar, formando emaranhados neurofibrilares dentro dos neurônios.

O acúmulo dessas duas moléculas tóxicas (beta-amiloide e tau) compromete progressivamente a comunicação entre os neurônios, provoca inflamação e problemas na ‘conexão’ (sinapse) entre os neurônios, causando a morte dessas células (figura 2). Como os neurônios são fundamentais para a memória, linguagem, o raciocínio e outras funções cognitivas, essas alterações levam, ao longo do tempo, aos sintomas clínicos da demência de Alzheimer. 

Mas estudos mostram que essas substâncias podem começar a se acumular no cérebro já por volta dos 40 anos de idade. É essa etapa inicial que denominamos ‘Alzheimer biológico’. Ou seja, a doença pode começar cerca de 20 a 30 anos antes de os sintomas aparecerem, ainda na meia-idade, quando a maioria das pessoas está na fase mais produtiva de suas vidas e nem está pensando nisso. 

Só mais tarde, quando idosas, é que surgem os sinais clínicos, como esquecimentos frequentes, dificuldade para planejar atividades e, numa fase mais avançada, mudanças de comportamento. Nessa fase, ocorre o chamado ‘Alzheimer clínico’, no qual são detectados os sintomas típicos do quadro.

Figura 2. Marcos patológicos do Alzheimer: processo de formação das placas de betaamiloide e dos emaranhados neurofibrilares

CRÉDITO: CEDIDO PELA AUTORA

No mundo, mais de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência. No Brasil, estima-se que esse número chegue a mais de 2,7 milhões

Riscos e diagnósticos

Mas por que é importante saber disso? Porque desde a infância e a juventude podemos adotar hábitos que diminuem muito o risco de ter demência na velhice. Estudo publicado ano passado, na revista britânica The Lancet, mostrou que, se conseguíssemos combater 14 fatores de risco, poderíamos ter cerca de 45% menos casos de demência no mundo. 

Estudo semelhante feito no Brasil, apresentado em um dos encontros mais importantes da área (Conferência Internacional da Associação de Alzheimer), no final deste mês de julho, no Canadá, mostrou que, no Brasil, combater esses fatores de risco poderia evitar cerca de 60% das demências.

Os 14 fatores de risco que devemos combater são baixa escolaridade; altas taxas do colesterol do tipo LDL; perda de audição e visão não tratadas; depressão; traumatismos cranianos; pouca atividade física; diabetes; tabagismo; pressão alta; obesidade; consumo excessivo de álcool; solidão; e até poluição do ar. 

Note que parte desses fatores de risco podem ser diminuídos com base em escolhas e cuidados pessoais ao longo da vida. Mas alguns deles só podem ser enfrentados de forma eficaz com apoio de políticas públicas, investimentos em saúde e educação, bem como ambientes mais seguros e saudáveis. Por isso, a prevenção das demências é uma responsabilidade compartilhada entre as pessoas, as famílias, a sociedade e os governos.

Outro ponto importante nesse cenário é o diagnóstico. Cientistas desenvolveram biomarcadores para diagnosticar o Alzheimer. Eles são sinais biológicos capazes de indicar se a doença está presente no organismo. 

Alguns exames de imagem conseguem mostrar se o cérebro da pessoa já apresenta depósitos de beta-amiloide e tau. Outros exames analisam o líquor (líquido que envolve o cérebro e a medula espinhal) para detectar a presença de depósitos dessas duas moléculas tóxicas.

Mais recentemente, os pesquisadores criaram métodos tão sensíveis que já é possível identificar essas alterações no sangue. Embora o acúmulo do beta-amiloide e tau ocorra no cérebro, parte dessas moléculas pode circular em baixíssimas quantidades no sangue, depois de serem liberadas no líquor. 

Hoje, com novas tecnologias, como a imunodetecção de alta sensibilidade e a espectrometria de massa, é possível medir a presença dessas substâncias no sangue com grande precisão. Esses testes detectam, por exemplo, formas alteradas da proteína tau (como a p-tau217) e mudanças na proporção do beta-amiloide, permitindo identificar sinais precoces da doença no sangue mesmo antes dos sintomas.

Isso representa um avanço importante, porque o exame é menos invasivo do que a coleta do líquor e mais acessível que exames de imagem, como a tomografia de emissão de pósitrons (PET). 

Mas, no Brasil, esses testes ainda são caros e pouco disponíveis fora dos grandes centros urbanos e do sistema privado de saúde. Assim, eles precisam se tornar mais acessíveis para a população como um todo. Isso porque, se conseguirmos medir esses biomarcadores no sangue ainda na fase do Alzheimer biológico, teremos uma oportunidade de prevenção muito maior. 

Seria algo parecido com o que já acontece com as doenças do coração. Quando uma pessoa descobre que tem colesterol alto, pode adotar uma vida mais saudável ou começar a tomar remédios que evitam o acúmulo de gordura nas artérias, prevenindo infartos no futuro. 

Na área das demências, os pesquisadores estão buscando justamente esse avanço, identificando a doença no tempo adequado, ou seja, no começo do Alzheimer biológico. Assim, será possível desenvolver tratamentos capazes de impedir que o beta-amiloide e tau continuem se acumulando no cérebro. Com isso, seria possível evitar ou adiar o aparecimento da fase clínica da doença e seus sintomas.

Atualmente, ainda não há cura para o Alzheimer, mas existem importantes ações que podemos tomar para sua prevenção. Essas abordagens incluem combater todos os fatores de risco dos quais já falamos. Outras opções podem ajudar (e muito): estimulação cognitiva, fisioterapia, acompanhamento psicológico e atividades que estimulem a memória e autonomia.

Mas estudos mostram que essas substâncias podem começar a se acumular no cérebro já por volta dos 40 anos de idade

Novos medicamentos

Há também medicamentos que podem ajudar a controlar alguns sintomas do Alzheimer e, assim, melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com esse quadro. Esses medicamentos atuam sobre neurotransmissores, ajudando a manter a comunicação entre os neurônios por mais tempo. 

Neurotransmissores são substâncias químicas que transmitem sinais entre os neurônios. Um dos principais alvos desse tipo de medicamento para Alzheimer é a acetilcolina, neurotransmissor essencial para a memória e o aprendizado. 

No Alzheimer, os níveis de acetilcolina diminuem, porque o beta-amiloide e tau causam a morte dos neurônios que produzem esse neurotransmissor. Para compensar essa perda, há os inibidores da acetilcolinesterase (como donepezila, rivastigmina e galantamina), que bloqueiam a enzima responsável por degradar a acetilcolina, aumentando, com isso, sua disponibilidade no cérebro e mantendo a comunicação entre os neurônios por mais tempo. 

Esses medicamentos podem aliviar temporariamente sintomas como perda de memória, desorientação e alterações de comportamento, especialmente nas fases leve e moderada da doença. Mas é importante destacar que eles não interrompem a progressão do Alzheimer; só amenizam seus efeitos por período limitado.

Mais recentemente, alguns países (Brasil, inclusive) aprovaram novos tratamentos que atuam diretamente nas placas de beta-amiloide. São medicamentos chamados anticorpos monoclonais, que se ligam a essa molécula e ajudam o organismo a removê-la. Os exemplos mais conhecidos são o lecanemabe e o donanemabe. 

Mas eles só podem ser usados em fases muito iniciais da doença, quando os sintomas ainda são leves e com evidências claras do acúmulo de beta-amiloide no cérebro. Além disso, precisam ser administrados em centros especializados; requerem acompanhamento rigoroso por causa do risco de efeitos colaterais; e têm custo muito alto, o que torna seu uso em larga escala bastante difícil. 

Mesmo assim, essas novas terapias representam um avanço importante, porque mostram que é possível interferir nos processos biológicos do Alzheimer. 

No final das contas, o que acontece atualmente com o tratamento do Alzheimer é parecido com o que vem acontecendo com o do câncer. Mesmo sabendo que a quimioterapia pode causar efeitos colaterais importantes e ter custos elevados, ela se tornou uma opção fundamental, porque consegue, em muitos casos, mudar a história da doença e aumentar as chances de sobrevida. 

Esses novos medicamentos para Alzheimer marcam o início de uma era em que tratar a doença na fase inicial pode fazer diferença no futuro. Com mais pesquisas e investimentos, essas terapias podem se tornar mais seguras, eficientes e acessíveis, abrindo caminho para que, com o tempo, outras medicações ou tratamentos combinados ainda mais eficazes ajudem a modificar o curso da doença e a melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas.

Figura 3. Pesquisas mostram que certos hábitos ajudam a combater os fatores de risco

CRÉDITO: CEDIDO PELA AUTORA

Mas por que é importante saber disso? Porque desde a infância e juventude podemos adotar hábitos que diminuem muito o risco de ter demência na velhice

Combatendo o preconceito

Ainda há muito preconceito em falar sobre Alzheimer. Isso precisa mudar, e todos precisamos conhecer mais sobre a doença. O estigma contra as pessoas que vivem com essa condição não pode ser maior do que nossa empatia e disposição em apoiá-las. Informação, diálogo e compreensão são passos fundamentais para construir uma sociedade que acolha, respeite e valorize quem vive com o Alzheimer.

Pensando nisso, em nosso grupo de pesquisa, desenvolvemos o ‘EnvelheCiência’, projeto que leva informações sobre saúde do cérebro, envelhecimento e Alzheimer às escolas, por meio de um curso de formação de educadores. 

Tivemos essa ideia a partir da percepção de que a conscientização precisa começar cedo e envolver toda a comunidade escolar e as famílias. Ao preparar educadores para abordar esses temas, ajudamos a combater o estigma, promover o respeito às pessoas que vivem com demência e estimular uma cultura de cuidado e empatia desde a infância.

Por tudo isso que falamos aqui, é fundamental não só que saibamos a importância de cuidar de nossa saúde ao longo da vida, mas também que o Estado invista em educação em saúde, no diagnóstico precoce, na prevenção e em políticas públicas que assegurem o cuidado integral às pessoas que vivem com Alzheimer, além do apoio às suas famílias. 

Quanto mais conhecermos sobre o Alzheimer, suas formas de prevenção e os biomarcadores que ajudam a detectá-lo, maiores serão as chances de reduzir o impacto que a doença causa na vida de milhões de brasileiros.

Mais recentemente, alguns países (Brasil, inclusive) aprovaram novos tratamentos que atuam diretamente nas placas de beta-amiloide

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Dementia Fact Sheet, 2023. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dementia

MINISTÉRIO DA SAÚDE/UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO. Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil – Epidemiologia, (Re)conhecimento e Projeções Futuras, 2023. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_nacional_demencia_brasil.pdf  

VILLEMAGNE, V. L et al. Amyloid β deposition, neurodegeneration, and cognitive decline in sporadic Alzheimer’s disease: a prospective cohort study. The Lancet Neurology. v. 12, n. 4, pp. 357-67, 2013.

LIVINGSTON, G. et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2024 report of the Lancet standing Commission. The Lancet, v. 404, n. 10.452, pp. 572-628, 2024.

SUEMOTO, C. K. et al. Risk factors for dementia in Brazil: Differences by region and race. Alzheimer’s & Dementia, v. 19, n. 5, pp. 1.849-1.857, 2023.

Projeto EnvelheCiência. Disponível em: https://cursos.poca.ufscar.br/ (buscar por ‘envelheciência’ no mecanismo de busca da página)

Outros conteúdos desta edição

725_480 att-95345
725_480 att-95332
725_480 att-95058
725_480 att-95233
725_480 att-95312
725_480 att-95260
725_480 att-95168
725_480 att-95094
725_480 att-95082
725_480 att-95218
725_480 att-95078
725_480 att-95119
725_480 att-95173
725_480 att-95226
725_480 att-95200

Outros conteúdos nesta categoria

725_480 att-81551
725_480 att-79624
725_480 att-79058
725_480 att-79037
725_480 att-79219
725_480 att-96813
725_480 att-96531
725_480 att-96699
725_480 att-96650
725_480 att-96338
725_480 att-96191
725_480 att-96156
725_480 att-96109
725_480 att-95847
725_480 att-95770