A expressão ‘sequestro de carbono’ desperta curiosidade imediata. Se o carbono é um dos elementos químicos mais importantes para a manutenção da vida, que existe em equilíbrio no nosso planeta há alguns bilhões de anos, por que falamos, agora, em sequestrá-lo? A resposta é simples: para recolocar cada coisa no seu lugar.
Para entender, é preciso lembrar que os elementos químicos que constam na tabela periódica ocorrem em diferentes partes da Terra (atmosfera, solo, água, seres vivos, rocha), mas seu tempo de permanência em cada um desses ambientes depende dos processos dos quais participam. Essas permanências e transferências formam seus ciclos biogeoquímicos.
Alguns exemplos: o carbono que está presente em nosso corpo já foi parte da berinjela da última refeição, que, por sua vez, contou com o CO2 assimilado da atmosfera durante a fotossíntese. Antes disso, esse mesmo CO2 poderia ter resultado da respiração de um simples peixinho, ou da decomposição de algum organismo morto, como uma árvore. Se o tempo de vida dessa árvore foi de 100 anos, o carbono presente em seu tronco permaneceu ali imobilizado por esse tempo. Da mesma forma, o carbono que compõe as reservas de petróleo atuais já foi parte do corpo de algum organismo vivo há milhões de anos.
Mas o ciclo biogeoquímico do carbono foi alterado (e continua sendo) por atividades humanas, o que colocou em risco nossa vida na Terra. Daí a necessidade do tão falado sequestro (ou captura) do carbono. A intervenção da humanidade nesse ciclo aumentou a emissão de CO2 para a atmosfera. As causas são a queima de combustíveis fósseis, a conversão de florestas em terras para outros tipos de usos, como sistemas agrícolas (culturas como soja, milho ou outros vegetais utilizados como alimento) e pastagens, entre muitas outras.
As mudanças climáticas globais não se resumem ao aquecimento global em decorrência do efeito estufa. Incluem também fenômenos como o aumento do nível do mar, ilhas de calor, inundações, escassez de água e alimentos, acidificação dos oceanos e eventos extremos como chuvas torrenciais e secas prolongadas.
É preciso reverter com urgência essa condição, concordam os países que assinaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CNUMC), os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) e os ambientalistas. Nesse sentido, o Acordo de Paris foi um compromisso assumido por 195 países na 21º Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP 21), em 2015, para empenhar esforços com o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais.
Mas o que fazer? Tomar ações imediatas, fundamentadas cientificamente. Em 2007, Al Gore, vice-presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2001 e protagonista do documentário Uma verdade inconveniente, que alerta para as mudanças climáticas, disse em entrevista ao jornal colombiano El Tiempo: “Temos tudo o que necessitamos para começar a resolver a crise climática, exceto, talvez, a vontade política”. O alerta foi dado da mesma forma, em 2013, nos resultados da COP 19, em Varsóvia: “As soluções para as mudanças climáticas já são claras, e o mundo tem o dinheiro e a tecnologia, o conhecimento e os modelos de sucesso.”
Existe uma gama de alternativas para combater a crise climática, com diferentes tecnologias e em diferentes níveis, por meio do sequestro de carbono e da redução de suas emissões. Dentre elas, estão: a intensificação das práticas de florestamento e reflorestamento; o uso de bioenergia, com captura e armazenamento de carbono; o sequestro de carbono marinho por fertilização dos oceanos; o sequestro geológico por injeção de gás carbônico em espaços subterrâneos; o aumento da alcalinidade dos oceanos; a produção e dispersão nos solos de biocarvão (biochar); o uso de energia solar, eólica e das marés e de lâmpadas mais eficientes (de LED) e carros elétricos; a adoção da agricultura de baixo carbono (baixa emissão), o emprego de sistemas agroflorestais; o uso de biocombustíveis.
É preciso ponderar a vantagem de cada uma dessas estratégias, lembrando que a causa do problema que se pretende solucionar, a mudança climática global, foi a própria magnitude das intervenções humanas no planeta, que alterou seu funcionamento natural. Pela primeira vez na história da Terra, uma era geológica – o antropoceno – está sendo definida pela ação humana e não apenas por processos físicos, como nas eras anteriores.
Deveríamos então atuar da mesma forma, intervindo na natureza? Algumas tecnologias poderão substituir outras de forma simples, procurando melhorar a eficiência dos equipamentos que hoje são utilizados, enquanto outras, mais complexas e que operam em maior escala, podem trazer sérios riscos à humanidade.
É o caso da geoengenharia, a manipulação dos sistemas naturais da Terra por meio, por exemplo, da remoção dos gases do efeito estufa ou do gerenciamento da radiação solar. Se, por um lado, esses esforços possibilitariam alta magnitude de absorção de CO2 e imobilização das mudanças climáticas por um longo período (alguns pesquisadores chegam a afirmar que seria “para sempre”), por outro, suas incertezas e riscos são pouco estudados.
Essas soluções mais complexas estão cercadas por muitas incertezas e ainda estão em fase de pesquisa, além de dependerem de políticas para sua implementação. Outra questão é que várias dessas tecnologias têm efeitos colaterais negativos e precisam de tempo e elevados investimentos para serem efetivamente aplicadas de modo eficiente.
O Brasil, a partir de 2016, se comprometeu diante da Convenção do Clima, por meio do documento Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês), a reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa em 37% em relação aos níveis de 2005 e chegar à redução de 43% até 2030. Para isso, segundo a página do Ministério do Meio Ambiente na internet, o país planeja aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para, aproximadamente, 18% até 2030, além de alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética e restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas.
Para atingirmos esses objetivos, é preciso manter os níveis de desmatamento baixos (como aconteceu de 2009 a 2018) e avançar nas reduções de emissões relacionadas a indústria, transporte e agropecuária (figura 1). Sobre as indústrias, é necessário aumentar as fontes energéticas não relacionadas aos combustíveis fósseis e melhorar os processos industriais com vistas à adoção de tecnologias menos poluentes. Já em relação aos transportes, deve haver a substituição dos combustíveis fósseis (gasolina, GNV, diesel e outros) por formas de energia mais adequadas (com o uso de biocombustíveis e veículos elétricos movidos a energia solar e eólica), além da priorização do transporte coletivo em detrimento do individual.
Na agropecuária, serão necessárias formas de produção que preservem a fertilidade do solo (com menor necessidade de insumos como fertilizantes), o que promoverá taxas menores de desmatamento. A redução do consumo de carne, tanto no Brasil como em outros países – já que nosso país é grande exportador do produto – parece ser inevitável, uma vez que o gado bovino para corte representa uma grande fonte de gases de efeito estufa.
O reflorestamento e a manutenção das florestas existentes são essencialmente importantes, tanto no ‘sequestro’ como na conservação de vastos reservatórios de carbono. As florestas representam e fornecem importantes serviços essenciais à população. Esses ‘serviços ambientais’ – como são conhecidos – vão desde o fornecimento de água potável e de boa qualidade para cidades, agricultura e indústrias até a manutenção de um clima regional mais fresco e úmido.
As florestas fornecem diversos produtos, entre eles, alimentos como açaí, palmito, castanhas, látex e diversos óleos, resinas, frutos, folhas e cascas, e conservam uma das maiores biodiversidades do planeta, que pode originar potenciais medicamentos. Além disso, são fonte de comida e outros recursos para diversas populações tradicionais, como caiçaras, indígenas e uma vasta população rural de agricultores e moradores das áreas rurais.
Uma floresta madura (com mais de 80 anos) é capaz de estocar cerca de 150 toneladas de carbono por hectare, o que equivale à absorção de 550 kg de CO2 da atmosfera, valor correspondente às emissões anuais de 80 brasileiros (segundo o Sistemas de Estimativas de Emissões e de Remoções dos Gases do Efeito Estufa – SEEG, 2018). Uma área reflorestada com 5 a 10 anos pode absorver até 25 toneladas de CO2 por hectare anualmente, o que significa neutralizar as emissões anuais de 3 brasileiros. Essas seriam as soluções mais simples e naturais.
É preciso lembrar, porém, que as florestas não são apenas carbono e que, por isso, não faz sentido ecológico compensar emissões com plantio de espécies exóticas, ou definir prioridades de conservação de biomas em função de sua capacidade de estocar carbono. Pode parecer estranho, mas essa abordagem vem sendo considerada por alguns cientistas, governos, organizações não governamentais e empresas patrocinadoras de projetos verdes. Infelizmente, o conceito de hot spot de biodiversidade (áreas que são celeiro da diversidade no planeta), importante na década de 1990, tem cedido lugar para o termo hot spot de carbono na atualidade.
Portanto, é preciso ter cuidado para que a questão das mudanças climáticas globais não seja reduzida a apenas uma contabilidade de carbono. Tal redução justificaria assumir os riscos de uma tecnologia com muitas incertezas ou substituir ecossistemas ou criar políticas que desconsiderem os diferentes modos de vida das populações. Comunidades tradicionais de diferentes países relatam a existência de propostas de sequestrar carbono que limitam suas ações em seu território e desrespeitam seus modos de ser, ainda que promovam o crescimento sustentável e o combate à pobreza. A demarcação de terras indígenas e quilombolas e a criação de unidades de conservação poderiam, por si só, ter mais peso como ação efetiva para conter as mudanças climáticas.
Por fim, uma reflexão sobre sequestrar carbono em tempos de antropoceno diz respeito à própria forma de produzir conhecimento científico, de ser cientista. Um artigo publicado na renomada revista Nature Climate Change, em 2014, por 22 cientistas de 24 instituições de diferentes países, alerta para a necessidade de mudança no clima intelectual. Para esses autores, não se trata apenas de colocar cada coisa em seu lugar, em termos de carbono, mas de repensarmos nosso modo de intervenção no planeta. Para eles, é preciso abrir espaço para que as humanidades científicas tenham mais presença no debate, para que mudem o foco das perguntas, para que a diversidade de modos de vida possa trazer novas saídas para o problema das mudanças climáticas globais.
Viviane Fernandez e Kenny Tanizaki
Departamento de Análise Geoambiental,
Instituto de Geociências,
Universidade Federal Fluminense
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