Essas correções severas no sistema de publicações foram sendo incorporadas como dimensão essencial da integridade científica, ganhando maior atenção na academia, incluindo não só pesquisadores, mas também financiadores.
Gradativamente, investigações mais detalhadas sobre os motivos das retratações, nem sempre claros, foram revelando proporção crescente de casos envolvendo má conduta científica.
Em um dos estudos mais amplos que conduzimos, foram analisadas 1.623 retratações registradas entre 2013 e 2015, discutidas no Retraction Watch, o maior observatório mundial sobre retratações na literatura científica.
Essas retratações, representando, naquele período, fração significativa do total registrado delas na base de artigos PubMed, foram categorizadas por motivo, área do conhecimento e país do autor correspondente.
Os dados indicaram que 15 países classificados entre os de maior produção científica no Scimago Journal & Country Rank, portal público de dados de produção científica em diferentes áreas e países, foram responsáveis por 85% dos casos registrados.
Embora em menor número, as retratações por erro honesto são especialmente significativas do ponto de vista da integridade científica. Elas revelam proatividade da comunidade de pesquisa para corrigir, de forma voluntária e transparente, erros que comprometam os resultados publicados.
Nesse sentido, destaca-se a proatividade de uma das ganhadoras do Nobel de Química em 2018: a norte-americana Frances Arnold, pesquisadora da área de engenharia química, bioengenharia e bioquímica, no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos.
Em 2 de janeiro de 2020, menos de um ano após publicar artigo no periódico Science sobre evolução dirigida de enzimas, tema associado à sua pesquisa que lhe rendeu o Nobel, Arnold fez postagem incomum no Twitter (hoje, X).
Ela comunicava a solicitação de retratação daquele artigo à editoria da Science. Essa exposição pública se deu em um momento de grande atenção mundial às redes sociais, quando se iniciavam as preocupações com os casos de covid-19.
Na postagem, Arnold expressou frustração por não ter cumprido, com o devido rigor, seu papel de cientista responsável pelo trabalho, atribuindo o problema a excesso de atividades à época da publicação: “É doloroso admitir, mas é importante fazê-lo. Peço desculpas a todos. Eu estava um pouco ocupada quando o trabalho foi enviado e não fiz meu trabalho direito” […] “Neste meu primeiro tuíte, relacionado ao trabalho de 2020, estou muito chateada em anunciar que solicitamos a retratação de um artigo do ano passado sobre a síntese enzimática de beta-lactamas. O trabalho não foi reproduzido.”
No dia seguinte à postagem de Arnold, foi publicado texto, na própria Science, com o título ‘Uma retratação muito pública. Ótimo’. Nela, o autor, Derek Lowe, comentou: “Para ser honesto, fico feliz em ver admissão tão direta e gostaria que mais pessoas seguissem o exemplo. Chefes de laboratório que estão dispostos a vir a público assim deveriam ser aplaudidos. Ver isso acontecer no grupo de pesquisa de uma ganhadora do Nobel deveria ser mais um exemplo do porquê de a Royal Society estar certa em ter como lema Nullius in verba (em latim, ‘Nas palavras de ninguém’)” – a expressão pode ser entendida como alerta para não se aceitarem afirmações sem verificação experimental.
A retratação do artigo solicitada por Arnold foi publicada na Science poucos dias depois de seu compartilhamento público sobre o problema detectado. A nota de retratação associada ao artigo informava que “[o]s esforços empregados para reproduzir o trabalho demonstraram que as enzimas não catalisam as reações com as atividades e seletividades reivindicadas. A análise do caderno de laboratório da primeira autora revelou ausência de registros e dados brutos essenciais”.
A atitude de Arnold não comprometeu sua credibilidade e foi amplamente elogiada nas redes sociais e em mídias jornalísticas de vários países. O jornal britânico The Guardian comentou ao fim de sua matéria: “Infelizmente, não existem prêmios Nobel para bons pedidos de desculpas. Mas a resposta de Frances deveria servir de exemplo para todos nós em 2020: quando estiver errado, admita seu erro, peça desculpas e prometa melhorar”.
Entre as centenas de manifestações sobre a retratação, destacamos a do então doutorando Anmol Kulkarni, colaborador de Arnold: “Ver um laureado com o Nobel tuitar sobre a retratação de um artigo ensina como é importante para os cientistas serem honestos com seus dados. Para alguém como eu, que está começando agora na pesquisa, essa atitude transmite uma lição fundamental”.