Hanseníase: novas perspectivas para uma doença antiga

Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS)
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto Oswaldo Cruz
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Embora ainda existam lacunas no conhecimento da hanseníase, avanços recentes podem contribuir para o desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico e tratamento

CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK

A hanseníase é uma das doenças mais antigas conhecidas pela humanidade. Causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a doença persiste nos dias atuais, e o Brasil tristemente ocupa posição de destaque nesse cenário: é o segundo país em número de novos casos por ano e é responsável por 90% de todos as ocorrências no continente americano.

As manifestações mais comuns da hanseníase são lesões cutâneas e alterações de sensibilidade térmica, da dor e tátil. É amplamente aceito e difundido que a via de transmissão do M. leprae é respiratória, por meio do contato prolongado com pessoas infectadas, especialmente aquelas que vivem no mesmo domicílio, mas esse processo ainda não foi totalmente elucidado. Ao contrário do que muitos acreditam, o contato breve com um doente, como um toque, não transmite hanseníase.

O estigma em torno da doença, que permanece ainda hoje, é alimentado por séculos de exclusão social de pacientes e familiares – prática que só deixou de existir nos anos 1940, com a introdução do tratamento com um composto químico chamado sulfona. Na década de 1980, foi iniciada a poliquimioterapia, que levou a uma diminuição contínua dos casos de hanseníase no mundo. Esse tratamento, que dura de 6 a 24 meses e consiste na administração de três antibióticos, torna a bactéria M. leprae inviável, porém não reverte os danos neurológicos causados pela infecção instalada nos nervos periféricos.

O diagnóstico precoce e o rápido início do tratamento são fundamentais para evitar as incapacidades físicas permanentes decorrentes da hanseníase. Pensando em melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados pela doença, foi desenvolvido um assistente de diagnóstico com inteligência artificial baseado em imagens, o AI4Leprosy, ainda em fase de testes. E, recentemente, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária o primeiro kit de diagnóstico molecular para hanseníase, denominado NAT HANS, já disponível no sistema público de saúde brasileiro.

Por muitos anos, acreditou-se que a hanseníase era exclusiva de seres humanos, mas tatus, esquilos vermelhos e primatas não humanos também podem ser hospedeiros naturais da M. leprae e apresentam manifestações de pele e neurológicas semelhantes. Essa descoberta sugere a possibilidade de transmissão zoonótica (de animais para humanos).

O tatu de nove bandas (Dasypus novemcinctus) é um modelo experimental de hanseníase utilizado em pesquisas básicas e tem o potencial de ser utilizado em pesquisas translacionais e estudos-piloto de novos testes diagnósticos e intervenções terapêuticas. Um estudo recente observou que a infecção por M. leprae promove a proliferação de células hepáticas de tatus, o que abre perspectiva para o uso desse modelo na medicina regenerativa.

Muitas lacunas de conhecimento sobre a hanseníase ainda persistem nos dias atuais, pois, além de não termos modelos animais amplamente acessíveis, é impossível cultivar M. leprae em laboratório. Assim, muitos achados baseiam-se em pesquisas clínicas observacionais em grupos de pacientes com hanseníase e seus contatos domiciliares e sociais. Por meio de estudos na área das chamadas ciências ‘ômicas’, que visam caracterizar conjuntos de moléculas presentes em sistemas biológicos – por exemplo, genes (genômica), proteínas (proteômica) e produtos do metabolismo (metabolômica) –, muitos avanços estão sendo obtidos, como a identificação de genes que predispõem ao risco de contrair hanseníase e de vias metabólicas, imunológicas e inflamatórias que são alteradas pela infecção no ser humano.

Muitas lacunas de conhecimento sobre a hanseníase ainda persistem nos dias atuais, pois, além de não termos modelos animais amplamente acessíveis, é impossível cultivar M. leprae em laboratório

Com essas informações, é possível desenvolver novos métodos de diagnóstico. Além disso, conhecendo as vias metabólicas alteradas pela infecção, é possível buscar drogas que atuem nessas vias, em uma abordagem conhecida como terapia direcionada ao hospedeiro, ajudando, assim, a aumentar a efetividade da poliquimioterapia e reduzir a duração do tratamento.

Uma vacina eficaz capaz de interromper a transmissão entre pessoas em maior risco e, ao mesmo tempo, ser um adjuvante à poliquimioterapia pode ser um elemento-chave no controle da hanseníase, visando atingir a meta global de eliminação da doença. Existem vacinas para hanseníase em ensaios clínicos de fases 1, 2 e 3. A maioria delas utiliza micobactérias inteiras vivas ou mortas, mas, até o momento, esse tipo de vacina não teve resultados promissores em termos de eficácia. Por outro lado, existe atualmente uma vacina composta por uma proteína (e não a bactéria inteira) e um adjuvante (estímulo necessário para induzir respostas imunes) que já foi testada com sucesso nos Estados Unidos em um estudo de fase 1, o que pode trazer esperança para milhares de pessoas atingidas pela hanseníase.

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