Dormir, acordar, comer. Todo dia, nós, humanos, repetimos essas e outras atividades, aproximadamente, nos mesmos horários. Esse comportamento vai muito além do poder do hábito, é regulado por um mecanismo de controle do tempo presente em todos os seres vivos conhecido popularmente como relógio biológico. Esse sistema é estudado pela cronobiologia, área da biologia dedicada pesquisar a organização temporal da matéria viva.
Caracterizada como disciplina científica desde os anos 1960, a cronobiologia ainda não está nos currículos e livros didáticos de biologia do ensino médio. Mas tratar do tema é importante para discutir assuntos relacionados a nutrição, digestão, hábitos mais saudáveis de sono, entre outros. É difícil mudar esse tipo de comportamentos, mas informar é um bom começo.
Essencial para a sobrevivência, essa capacidade de sincronizar os ritmos biológicos com os ciclos ambientais envolve conjuntos de estruturas de genes, células, órgãos e tecidos. Os seres vivos apresentam um controle fisiológico que os leva a se comportar de forma recorrente e periódica diante dos ciclos diários de claro e escuro num período aproximado de 24 horas. Trata-se do ciclo circadiano. A luz é o principal sinal ambiental desse ciclo, pois ativa a sincronização dos nossos ritmos de secreção hormonal, metabolismo, produção enzimática, expressão gênica, influenciando diretamente a rotina. Permite, por exemplo, que acordemos todos os dias, aproximadamente, no mesmo horário.
Nos mamíferos, a principal responsável pelo ritmo biológico é a região do hipotálamo, capaz de receber um sinal direto da retina, que é transmitido para todo o organismo. Mas pode-se considerar que todas as células, os tecidos e os órgãos são relógios biológicos periféricos. O desafio é fazer com que tudo esteja sincronizado. Quando isso não acontece, há danos à saúde.
Mesmo com tanta compreensão sobre a cronobiologia e o funcionamento do nosso ritmo biológico, não podemos afirmar que o nosso corpo “saiba” a hora de dormir. Porém, os neurônios hipotalâmicos entendem se é dia ou noite, e isso possibilita que os nossos relógios biológicos se antecipem e se organizem o dia todo para que o sono aconteça.
O organismo precisa fazer com que as oscilações durante as 24 horas estejam sincronizadas ao claro e ao escuro, ou seja, que o corpo comece a produzir mais cortisol no início da manhã, promovendo a vigília, e melatonina ao anoitecer, preparando para o sono.
Existe uma sequência de eventos que fazem com que o organismo se expresse dessa maneira. São eventos ordenados no tempo, oscilações que andam junto com os ciclos ambientais. Não são conceitos simples e, por isso, lançamos mão de uma metáfora do relógio biológico, um despertador que ative alguns genes que são expressos durante o dia e outros durante a noite, desencadeando um mecanismo de eventos fisiológicos que ativa uma área cerebral que promove a alternância do sono/vigília.
Essa alternância entre o claro e o escuro foi uma pressão evolutiva importante para a seleção natural. Não se conhece nenhum ser vivo que conseguiu sobreviver, ao longo da evolução, sem esses mecanismos de temporização que, no entanto, atuam de formas diferentes: há animais que concentram suas atividades durante o dia; outros estão ativos ao longo da noite, e existem aqueles que são crepusculares.
No caso dos humanos, a dessincronização dos relógios biológicos pode ocorrer principalmente por conta de horários de trabalho e estudo inadequados. Passar semanas ou meses dormindo menos horas do que o necessário tem consequências cognitivas, no humor, na capacidade de atenção, na memória etc. Tudo isso pode reduzir o desempenho acadêmico ou profissional, além de ter efeitos emocionais. Podem ocorrer também inúmeras alterações metabólicas, que levam à maior predisposição a diabetes tipo 2, problemas cardiovasculares, aumento de peso e outras doenças correlacionadas.
A espécie humana é diurna, mas os indivíduos tendem a ter diferentes manifestações comportamentais dos ritmos circadianos. Esse perfil é chamado de cronotipo, que é a propensão de cada pessoa para dormir em determinados horários e atingir melhores desempenhos e produtividade em outros momentos do período de 24 horas. Os indivíduos podem ser classificados em três cronotipos (matutino, vespertino e intermediário).
Estudos comprovam que adolescentes apresentam tendência vespertina devido ao amadurecimento hormonal na puberdade, o que promove tendência de atraso no início e do final do sono. Alunos com cronotipo vespertinos podem ter comprometimentos no estado de alerta nas primeiras horas da manhã e apresentar prejuízos no processo de aprendizagem.
Há benefício emocional, social e cognitivo quando o aluno do ensino médio identifica o seu cronotipo, pois entende que as dificuldades em acordar cedo e em desempenhar funções matinais não são preguiça ou doença, mas uma característica individual. Desse modo, o aluno pode realizar escolhas e procurar horários mais compatíveis, escolas com entrada mais tardia ou turno vespertino. É importante respeitar essas diferenças porque repercutem na produtividade. Há empresas que adotam horários flexíveis por perceberem que isso melhora o desempenho. As escolas precisam considerar essas ideias.
A cronobiologia pode ser um tema gerador de muitas discussões, mas é claro que, para isso, é fundamental que os professores tenham um mapa conceitual da relação do sono com o sistema nervoso, o sistema endócrino e a genética para viabilizar esses percursos e fazer essas conexões durante as aulas.
Este tema não integra somente conteúdos de ciências e biologia. Permite discutir ritmos circadianos de 24 horas, mas também ritmos sazonais, o que gera uma integração com a geografia, o conhecimento sobre os movimentos da Terra de rotação e translação. A cronobiologia é uma ciência essencialmente interdisciplinar, que pode ser integrada não apenas à geografia, mas a história, matemática, física, química e outras.
Marília Gonçalves Madureira,
aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)
*Artigo resultante de entrevista com o pesquisador Fernando Mazzilli Louzada, da Universidade Federal do Paraná
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