Alternativas no combate a superbactérias

Reflexões resultantes do diálogo entre uma professora do Ensino Médio e um pesquisador na área de imunologia.

Algumas bactérias e fungos produzem substâncias químicas letais para outros microrganismos: são os antibióticos, secretados para eliminar concorrentes na disputa por nutrientes do meio em que vivem. Antibióticos sempre existiram na natureza, porém, seu uso como medicamento somente foi iniciado após 1928, com a descoberta da penicilina pelo médico e pesquisador britânico Alexander Fleming (1881-1955).Atualmente, algumas bactérias têm desenvolvido resistência a uma grande quantidade de antibióticos, e nós, humanos, somos um dos responsáveis diretos por esse processo. Isso se deve ao fato de que embora os antibióticos sejam tóxicos para as bactérias, algumas delas podem sofrer alterações no seu metabolismo, de forma a se tornarem capazes de destruir ou metabolizar o antibiótico, sobrepondo-se às demais bactérias do ambiente e gerando uma população resistente à droga em questão. Logo, quando uma pessoa usa antibióticos de maneira indiscriminada, bactérias que sofreram mutações espontâneas favoráveis podem ser selecionadas, levando ao surgimento de cepas resistentes aos medicamentos.

E como um assunto tão urgente não só para a ciência e a medicina, mas também para toda a população, pode ser abordado na graduação e no ensino básico? É necessário rever a prática docente não apenas para o aprendizado de bacteriologia e imunologia, mas, acima de tudo, para a formação de um cidadão crítico, criativo e determinado.

 

Como enfrentar as superbactérias?

Antes de pensar como este tema deve chegar aos estudantes, é importante avaliar alguns ângulos do problema. As bactérias resistentes já são consideradas um grande problema de saúde.  Estafilococos, enterococos, Acinetobacterbaumannii e Pseudomonas aeruginosa representam, aproximadamente, 40% das causas de infecção hospitalar no país.

Um caminho para evitara pressão de seleção causada pelo uso indiscriminado de antibióticos é seguir o princípio de toxicidade seletiva de Paul Ehrlich. Ou seja:o ideal seria o desenvolvimento de um antibiótico para cada patógeno, de forma que a eliminação ocorresse seletivamente – os chamados antibióticos de precisão. No entanto, os laboratórios farmacêuticos não estão investindo no desenvolvimento dessas drogas específicas, por seu alto custo e pela maior chance de não chegarem a ser aprovadas para comercialização, bem como pelo menor retorno financeiro. As empresas têm optado por modificar moléculas já conhecidas, como as cefalosporinas, na expectativa que estas combatam as superbactérias.

Por terapias inovadoras

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), terapias inovadoras são relevantes para o tratamento de bactérias multirresistentes. Nesse sentido, alguns pesquisadores de Bio-Manguinhos, da Fiocruz, vêm desenvolvendo anticorpos monoclonais (MAbs)para o tratamento de infecções causadas por bactérias multirresistentes, como MRSA (methicillinresistantS. aureus) e Acinetobacterbaumannii. Embora os anticorpos monoclonais sejam mais caros que a antibioticoterapia convencional, o tratamento com MAbs apresenta algumas características interessantes. Por exemplo: essas moléculas, quando utilizadas no formato IgG, que são a maioria dos anticorpos monoclonais comercializados, apresentam meia-vida plasmática longa, de aproximadamente três semanas – isso significa que, o custo mais alto é compensado pelo número de doses menor na comparação com os antibióticos.Outro aspecto importante a ser considerado é a utilização da imunoterapia passiva por MAbs somente para determinadas situações, como para o tratamento de patógenos multirresistentes, uma vez que para as cepas sensíveis os antibióticos comuns ainda podem ser utilizados com sucesso. As novas abordagens devem ser utilizadas para os problemas mais graves, e não para situações que as drogas convencionais ainda conseguem atuar.

A utilização de imunoterapia passiva associada à antibioticoterapia é outra aplicação que vem sendo investigada. Ela pode se dar da maneira convencional, ou seja, com a administração simultânea de anticorpo e antibiótico. No caso do grupo de BioManguinhos, que desenvolveu um MAbanti-MRSA,a associação com vancomicina apresentou excelentes resultados de proteção em ensaios em modelos animais.

O grupo de BioManguinhos também está investindo na associação de substâncias sintéticas do tipo anticorpo-droga (ADCs – antibodydrugconjugate), ou seja, a conjugação de um anticorpo com um antibiótico tradicional. A ideia é que o anticorpo se ligue especificamente a um alvo localizadona bactéria e faça a entregado antibiótico diretamente no local de ação, aumentando a eficiência do medicamento, reduzindo as doses de antibiótico e, consequentemente, sua toxicidade e efeitos colaterais.

Atualmente, os anticorpos monoclonais são um sucesso contra o câncer. Mas, com relação ao tratamento contra bactérias, ainda não foram aprovados produtos para o mercado por uma série de questões, que vão desde a escolha de alvos até o desenho dos ensaios clínicos.

 

Microrganismos e saúde

No Brasil, a microbiologia ensinada nas graduações pouco aborda a gnotoxenia, que é o estudo das interações bactéria-hospedeiro, em especial da microbiota (conjunto de microrganismos, inclusive bactérias ’amistosas‘do nosso corpo). Por meio dela, é possível concluir que cada um de nós é um ecossistema onde a interação bactérias-hospedeiro é essencial, e que a bactéria nem sempre é prejudicial. A interação entre bactérias da microbiota nos favorece muito mais do que prejudica.

Logo, o ser humano é um organismo complexo, que apresenta simbiose com uma grande variedade de outros seres vivos. Nesse contexto, entender melhor a dinâmica das relações ecológicas deste ecossistema pode promover melhores saídas, propostas e planos de ação, para a promoção da saúde do indivíduo e da qualidade de vida da população.

 

Biologia sem limites

O processo ensino-aprendizagem de biologia vai além de definições e conceitos. Um tema como este nos aponta a necessidade de ensinar a pensar, discutir criticamente, buscar estratégias, enxergar respostas possíveis, interagir com o mundo em que vivemos.Podemos considerar a inserção desse conteúdo com alunos do ensino médio, como forma de divulgar os avanços e evidenciar as possibilidades da imunologia aplicada ao nosso cotidiano.

Sarah Eliane de Matos Silva
aluna do Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)

*Artigo resultante de entrevista com o pesquisador José Procópio Moreno Senna, Fiocruz–RJ

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