Aplicar dinâmicas de jogos a atividades cotidianas pode, por um lado, aumentar a motivação e a produtividade das pessoas, mas, por outro,pode se tornar instrumento de fuga e dominação.
Você já se imaginou dentro de um jogo? Já se equilibrou andando pelo meio-fio, se esforçando para não cair, enquanto imaginava que o chão estava tomado de lava? Já competiu com amigos para ver quem tira a nota mais alta numa prova ou completa determinada atividade primeiro?
Nos últimos anos, tornou-se muito popular a aplicação de algumas mecânicas e dinâmicas de jogos a atividades cotidianas, o que ganhou o nome de ‘gamificação’ (ou gamification). Os estudiosos dessa ferramenta alegam que ela pode ser usada para quase tudo, seja na educação, na saúde, no meio empresarial, seja nas próprias atividades do dia a dia. E os seus benefícios, já demonstrados até mesmo por estudos científicos, podem variar desde um pequeno aumento no engajamento e na motivação das pessoas ao realizarem determinada tarefa até um aumento substancial na eficiência e produtividade delas.
A lógica é simples: imagine que eu quero que as pessoas realizem uma atividade não muito agradável e motivante (como estudar, ou trabalhar, ou lavar louça ou se locomover até um determinado destino etc.). Para que essa atividade se torne uma experiência menos monótona e, consequentemente, motive mais as pessoas a desempenhá-la, eu posso criar um sistema que lhes dê uma pontuação de forma proporcional às suas eficiências. Além disso, a cada montante de pontos que uma pessoa receber, eu determino algumas recompensas que ela ganhará – como um distintivo, um nível acima do que está, um título, etc. À medida que as pessoas vão subindo de nível, elas vão sendo alocadas em um ranking, o que proporcionará competição e incentivará os participantes a aumentarem sua eficiência naquela atividade.
Ranking social
A série britânica Black Mirror ilustrou muito bem uma possível aplicação dessa ferramenta em sua terceira temporada, mais especificamente no primeiro episódio, chamado ‘Queda-livre’. Desenvolveu-se uma tecnologia por meio da qual seus usuários podem dar notas uns aos outros (algo similar ao que fazemos em aplicativos de transporte). Quanto maior a nota de uma pessoa, mais benefícios sociais ela tem, como maior facilidade para empréstimos, filas preferenciais, além de possuir também um maior status social. Se a pontuação dessa pessoa vai diminuindo, o seu prestígio social também declina e as outras pessoas vão se afastando dela.