Estudo revela que a maior parte dos acidentes com serpentes em Minas Gerais ocorre nos meses mais quentes, em regiões com alta atividade agropecuária, e homens são as principais vítimas
Estudo revela que a maior parte dos acidentes com serpentes em Minas Gerais ocorre nos meses mais quentes, em regiões com alta atividade agropecuária, e homens são as principais vítimas
Jararaca (Bothrops jararaca). CRÉDITO: FILIPE GOMES DE ALMEIDA.
Os acidentes ofídicos (quando uma pessoa é picada por uma serpente) são considerados um problema de saúde pública mundial. O Brasil está entre os três países com mais registros: cerca de 30 mil por ano, atrás apenas da Índia e do Sri Lanka. Entretanto, há explicações para esse elevado número de acidentes ofídicos em nosso país. Primeiramente, o Brasil é um dos países com maior biodiversidade do mundo e existem cerca de 430 espécies de serpente em nosso território, das quais 70 são peçonhentas de interesse médico, isto é, causam acidentes classificados entre moderados e graves pela medicina. Além disso, é cada vez mais comum a presença de serpentes em áreas urbanas – aumentando as chances de acidentes –, possivelmente em consequência da ação humana, que vem reduzindo ambientes naturais com queimadas e desmatamento.
Entender melhor o contexto dos acidentes ofídicos é, portanto, importante para a elaboração de políticas de saúde pública. E uma ferramenta importante é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde. Foi a partir de dados dos anos de 2007 a 2019 disponíveis no SINAN que um grupo de seis pesquisadores, entre os quais me incluo, apresentou um panorama dos acidentes por serpentes no estado de Minas Gerais. A pesquisa, intitulada “Padrões espaço-temporais dos acidentes ofídicos no estado de Minas Gerais, Brasil”, foi publicada no Journal of Environmental Analysis and Progress, em 2022.
Estatística das picadas em MG
As serpentes que apresentam maior número de acidentes no estado de Minas Gerais são as do gênero Bothrops (jararaca), com cerca de 2.340 acidentes por ano; seguida por Crotalus (cascavel), com cerca 570 ocorrências por ano.
As mesorregiões que registram maiores taxas de acidentes ofídicos per capita são: Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Norte de Minas, Vale do Mucuri, Jequitinhonha, Central Mineira, Vale do Rio Doce e Noroeste de Minas. Todas essas regiões têm em comum maior proporção de habitantes na zona rural e maior contribuição da atividade agropecuária no Produto Interno Bruto. Em termos de cidades, o ranking de registros de acidentes com serpentes tem liderança de Passabem, Água Comprida e Machaladis, com 26%, 22% e 13%, respectivamente.
Cascavel (Crotalus durissus). CRÉDITO: VICTOR GOMES DE ALMEIDA.
As análises revelaram que a maioria dos acidentes ofídicos em Minas Gerais ocorre no verão e são causados por jararacas (diversas espécies do gênero Bothrops) e pela cascavel (Crotalus durissus). Esses resultados estão em concordância com o padrão observado na maior parte do Brasil. Durante os meses mais quentes do ano as serpentes apresentam maior atividade, uma vez que a oferta de alimento é maior e também por ser o período de acasalamento para a maioria das espécies. Portanto, as chances de se deparar com uma serpente entre os meses de setembro e abril aumentam.
Durante os meses mais quentes do ano as serpentes apresentam maior atividade, uma vez que a oferta de alimento é maior e também por ser o período de acasalamento
Há ainda a constatação de que trabalhadores rurais, especialmente homens com idade entre 20 e 60 anos, apresentam maiores índices de acidentes, assim como áreas que possuem uma contribuição maior da agropecuária em seu Produto Interno Bruto. Isso pode ser explicada pelo fato de que as serpentes são mais comuns em áreas rurais que em áreas urbanas e porque, possivelmente, os homens nesta faixa etária constituem a maior parte dos empregados rurais executando atividades de campo.
O bote como defesa
As serpentes não são vilãs. Elas prestam um importante papel nos ecossistemas, como presas e predadoras e é importante conhecermos um pouco do seu comportamento defensivo antes de culpá-las como as únicas responsáveis por um acidente.
Quando as serpentes se sentem acuadas, uma estratégia defensiva de muitas espécies é se enrodilhar e dar o bote caso a ameaça não se afaste. Entretanto, mantendo-se a uma distância segura e afastando-se do animal, uma pessoa pode evitar um acidente e a serpente provavelmente irá fugir.
Quando as serpentes se sentem acuadas, uma estratégia defensiva de muitas espécies é se enrodilhar e dar o bote caso a ameaça não se afaste
Em ambientes rurais é essencial que trabalhadores usem equipamentos de proteção individual como botas e perneiras – uma vez que a maioria das picadas por serpentes ocorre nos pés e pernas – e redobrem a sua atenção, especialmente nos meses mais quentes.
ALMEIDA, Filipe G. e colaboradores. Padrões espaço-temporais dos acidentes ofídicos no estado de Minas Gerais, Brasil. Journal of Environmental Analysis and Progress, 2022.
BERNARDES, Paulo Sérgio. Serpentes Peçonhentas e acidentes ofídicos no Brasil. Anolis Books, São Paulo. 2014.
MARQUES, Otávio Augusto; Medeiros, Carlos R. Nossas incríveis Serpentes: caracterização biologia, acidentes e conservação. Ponto A Editora, Cotia, 2019.