Por mais de 100 anos desde a descoberta do selênio, a química desse elemento foi muito pouco explorada. Embora os sintomas característicos de sua toxicidade para rebanhos diversos tivessem sido descritos já no século 16, a comprovação de que o solo rico em selênio era a origem de um distúrbio crônico fatal – que foi chamado selenose – só ocorreu nos anos 1930. Nas duas décadas seguintes, sua importância foi revisitada, até ser definido, em 1957, como um micronutriente essencial. O que se sabe hoje é que o selênio possui funções muito importantes para a saúde humana, mas permanece controverso, por ser um dos elementos que apresenta a faixa mais estreita entre a concentração essencial à vida e os efeitos tóxicos.
O selênio é um dos calcogênios na tabela periódica, pertence ao grupo 16, assim como oxigênio, enxofre e telúrio, elementos com quem compartilha diversas propriedades. É fundamental para o organismo humano, uma vez que sua carência pode causar de dores musculares a doenças cardíacas e alguns tipos de câncer. Foi descoberto em 1817, pelos químicos suecos Jons Jakob Berzelius (1779-1848) e Johan Gottlieb Gahn (1745-1818). Esse período foi considerado a época dourada do descobrimento de elementos. Berzelius, por exemplo, descreveu pela primeira vez o tório (Th), o cério (Ce) e o silício (Si), além de ter sido responsável por cunhar o termo ‘proteína’, originado da expressão grega para ‘importância primária’. Gahn descobriu o manganês (Mn).
A identificação do selênio começou na fábrica em que Berzelius e Gahn produziam ácido sulfúrico em Gripsholm, na Suécia, e que utilizava o método inventado meio século antes pelo industrial britânico John Roebuck (1718-1794), empregando uma câmara de chumbo no lugar das câmaras de vidro. Nessa câmara, o dióxido de enxofre era pulverizado com vapor d’água e dióxido de nitrogênio (um catalisador). Para a produção do dióxido de enxofre, queimavam enxofre na presença de pirita (FeS2). A pirita era originária de uma mina próxima na Suécia, a mina de Falun, uma das maiores produtoras de cobre e de outros minerais.
O lodo da câmara formava um precipitado vermelho que se pensava ser de arsênio, mas o contato com esse material resultava em uma doença até então desconhecida. Estudando os resíduos, Berzelius e Gahn perceberam que naquele lodo existia uma substância diferente das que já haviam sido relatadas. Realizaram diversos estudos químicos, caracterizaram e identificaram o novo elemento e logo perceberam que tinha características muito semelhantes às do telúrio. Nomearam o novo elemento em referência à Selene, deusa da lua, na cultura grega (o telúrio havia recebido seu nome em referência à Tellus, deusa da terra). O selênio ainda é obtido industrialmente como subproduto da produção de ácido sulfúrico, mas principalmente na mineração, no refino de cobre e de chumbo e níquel, junto ao enxofre.
O selênio é um elemento essencial para a nossa saúde, devendo ser consumido diariamente em quantidade pequenas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo podem ter deficiência desse micronutriente, cujas fontes nutricionais são carnes (31%) peixes (20%), amiláceos como arroz (12%) e cereais (11%). Em frutas e vegetais, a concentração é relativamente baixa. Exemplos de espécies hiperacumuladoras são a cebola, o alho e o alho-poró e as brássicas (couve, nabo e mostarda). A forma de processar e preparar os alimentos também influencia o teor de selênio, com redução à metade de sua quantidade em alimentos fervidos.
A castanha do Brasil (nacionalmente chamada do Amazonas, do Pará ou da Amazônia) é o alimento com o maior teor de selênio, com média de 30 μg/kg. Diversos estados brasileiros já ocuparam a posição de principais exportadores mundiais, mas atualmente a produção local diminuiu, e a Bolívia ocupa esse lugar, sendo a Inglaterra o maior importador. O nome castanha da Amazônia parece ser o mais adequado, uma vez que a espécie ocorre em toda a Amazônia.
As concentrações de selênio na castanha variam grandemente por região, dependendo das características do solo. Em uma pesquisa conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) em parceria com a Embrapa, observou-se variações do selênio em amostras coletadas no Acre (0,5 a 3,5 μg/kg); Mato Grosso (0,5 a 2 μg/kg); Amapá (20 a 82 μg/kg); e Amazonas (11 a 98 μg/kg).
As principais moléculas orgânicas presentes na alimentação que fornecem selênio são a selenocisteína e a selenometionina, aminoácidos semelhantes aos que são encontrados nas nossas proteínas (cisteína e metionina), mas com o selênio substituindo o enxofre. A selenometionina é produzida por diversas plantas que a sintetizam a partir do selênio inorgânico que retiram do solo. É incorporada às proteínas e transformada também em selenocisteína. Dada a alta reatividade da selenocisteína, as células a degradam e armazenam selênio na forma de seleneto de hidrogênio (H2Se).
As nossas necessidades de selênio visam a atender principalmente a um pequeno grupo de 25 proteínas que contém um desses dois aminoácidos, chamadas de selenoproteínas. Suas funções são relacionadas ao equilíbrio de oxirredução (ação antioxidante), com ações em reações essenciais na regulação e defesa do organismo, na formação e regulação de hormônios da tireoide, na produção de espermatozoides e na resposta imunológica. Dada a necessidade fisiológica do selênio, sua carência acarreta uma série de disfunções no organismo, como as mialgias (dores musculares), e, em casos mais graves, doenças cardíacas e alguns tipos de câncer.
A necessidade de suplementação com selênio está associada aos processos antioxidantes em que as selenoproteínas estão relacionadas. Entretanto, há muitas divergências sobre a dosagem ideal, pois quantidades pouco maiores ou menores do que a ideal podem provocar prejuízos para a saúde. A Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) sugere 60 μg/dia e 76 μg/dia para mulheres e homens adultos, enquanto a OMS sugere uma ingestão diária de 26 μg/dia e 34 μg/dia para mulheres e homens adultos, respectivamente. Entretanto, a quantidade necessária para cada pessoa pode variar muito de acordo com sua característica genética, o padrão de consumo e a presença de outros metais.
Diferentes padrões nutricionais e comportamentais influenciam os níveis de selênio, como o fumo, o consumo de produtos lácteos, cereais, álcool e café. Algumas pesquisas apontam que os valores ideais poderiam ser de apenas 2 μg/dia. Ao mesmo tempo, estudos recentes mostram populações no Canadá, nos EUA, no México e na Venezuela com consumo maior que 200 μg/dia. Os valores mais elevados são relatados na província de Enshi, na China, com consumo médio maior que 5 mil μg/dia. Na Europa, o consumo médio diário tem sido estimado em 40 μg/dia.
Os valores ideais têm sido buscados em função da necessidade de selenoproteína. Ainda assim, não existe consenso se os valores necessários a uma única selenoproteína (a selenoproteína P tem sido indicada por estar relacionada de forma independente a diferentes tipos de formas químicas do selênio) poderiam ser transformados em padrão ideal. Ou se várias delas deveriam ser consideradas e se, nesse caso, os valores expressariam o total de selênio necessário, independentemente da dieta. Não há consenso sobre a resposta e se fatores relacionados e não relacionados à dieta poderiam ter influência direta.
As selenoses foram reconhecidas muitos anos antes da identificação da importância do elemento como micronutriente essencial, especialmente na pecuária, nas pastagens com solos mais ricos em selênio que provocavam desordens dermatológicas e neurológicas nos animais. Os efeitos crônicos foram também reconhecidos no consumo de amêndoas e grãos.
Um sintoma bem característico da intoxicação por selênio é o odor de alho na respiração, ocasionado por sua eliminação pelo corpo sob a forma de dimetilseleneto. São reportadas dores abdominais e, em casos de intoxicação severa, em concentrações sanguíneas (plasmáticas) entre 300 e 3 mil μg/L, já foram registrados problemas cardíacos e pulmonares que podem levar à morte. Os valores considerados normais são de 100 μg/L, mas são relatados casos de intoxicação sem morte em indivíduos com ingestão de doses 20 vezes maiores, variando muito pouco em relação ao tipo de derivado de selênio ingerido.
Estudos recentes apontam que o consumo de selênio na infância seria importante para desenvolver uma microbiota intestinal capaz de excretar mais facilmente o excesso do metal e evitar os efeitos tóxicos. Interessantemente, as populações que lidam melhor com a elevada concentração de selênio sem efeitos tóxicos (e até benéficos) são aquelas em que outros elementos tóxicos estão presentes na alimentação, como o mercúrio em regiões da Groenlândia e da Amazônia (como nas calhas dos rios Negro e Tapajós).
Em outros exemplos do que seriam efeitos aparentemente contraditórios, as interações com alguns metais muito tóxicos, como o arsênio e o cádmio (especialmente tóxico aos rins), são antagônicas, fazendo com que as concentrações elevadas dos outros metais sejam mais toleradas por populações com elevado consumo de selênio, como na província chinesa de Enshi. A presença de polimorfismos em genes é apontada como uma das principais razões pelas quais algumas pessoas (e populações) são muito sensíveis e podem se intoxicar com pequenas quantidades do metal.
A forma do selênio também tem mostrado ter grande importância nos efeitos benéficos ou tóxicos. A forma orgânica (selenometionina), que é a mais comum nos alimentos, favorece os processos em que o selênio atua na prevenção de doenças (com absorção mais rápida e excreção mais lenta), enquanto o seleneto de sódio parece ser mais eficiente no tratamento em processos agudos, como em intoxicações. De forma geral, as indicações têm sido no sentido de não estimular o consumo em grandes quantidades nem por longos períodos, pois resultaria em acúmulo indesejado e toxicidade.
Um dos fatores mais importantes revelado com relação ao selênio nos últimos anos foi o efeito de concentração em ‘U’. Ou seja: para a maioria dos elementos a toxicidade é observada à medida que as concentrações aumentam. No selênio, há efeitos nocivos ao organismo tanto em concentrações baixas (surgimento de alguns tipos de câncer e ocorrência de processos inflamatórios), quanto em concentrações maiores (aterosclerose, hiperlipidemia, hiperinsulinemia e hiperglicemia).
Muitos compostos de selênio, em especial organoselênio, mostram atividades biológicas promissoras (como o ebselen, a selenazofurina, o selenotifeno e o sulfeto de selênio). Entre atividade e toxicidade, poucas moléculas empregando selênio têm caminhado no sentido da aprovação para o consumo. Os projetos acabam sendo interrompidos em etapas avançadas dos ensaios clínicos.
Mas sua importância biológica tem sido destacada na literatura com abrangência cada vez maior, podendo ter atuações em diversos processos inflamatórios (diminuindo a intensidade e tempo de duração), em diversas funções cerebrais (como neurotransmissores) e com papel importante no Mal de Alzheimer e Doença de Parkinson. Entre as pesquisas realizadas, diversas desmistificam atividades para as quais não existe evidência científica suficiente, como na melhora das funções cognitivas e na proteção contra câncer colorretal.
Em outras pesquisas, não foram encontrados efeitos protetores para câncer de pulmão e próstata. Em um exemplo da controvérsia relacionada à ação do selênio no câncer, vários estudos mostraram que as selenoproteínas podem proteger o dano oxidativo ao DNA e inibir o desenvolvimento de tumores em suas fases iniciais. Entretanto, em fases mais adiantadas, essas mesmas proteínas poderiam auxiliar seu crescimento e reduzir a probabilidade de sobrevivência.
Como todas essas controvérsias demonstram, o selênio ainda tem várias faces a serem desvendadas, destacando a importância da contínua pesquisa científica na área.
Valdir Florêncio da Veiga Junior, Leandro da Silva Nascimento e Filipe Kayodè Felisberto dos Santos
Departamento de Engenharia Química
Instituto Militar de Engenharia (IME)
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