Mergulhar no mar, se divertir na praia, passear de barco… Costumamos associar a palavra ‘oceanos’ a imagens que nos trazem alegria. Mas os oceanos oferecem aos humanos outros benefícios. Para tratar desse tema, é preciso navegar também para além da zona costeira, e se envolver em uma rede socioambiental, cultural e econômica que está atrelada à nossa vida cotidiana(figura 1). Compreender isso nos transforma em cidadãos dispostos a defender os oceanos e o uso sustentável de seus recursos. Por isso, a Organização das Nações Unidas(ONU) proclamou os anos de 2021 a 2030 a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Década dos Oceanos. Mas qual a relação disso tudo com nosso cotidiano? É disso que vamos tratar a partir daqui.
Os cinco oceanos (Atlântico, Pacífico, Índico, Antártico e Ártico) cobrem juntos mais de 70% da superfície da Terra. Apesar dessa divisão geopolítica, o oceano, termo que adotaremos daqui em diante, é único e contínuo, abriga diferentes ambientes e ecossistemas e conecta todas as regiões globais.
As águas rasas na zona costeira possuem elevada biodiversidade, distribuída em ecossistemas como as praias arenosas, manguezais, estuários, costões rochosos, recifes de corais, dunas, restingas e fundos arenosos que se expandem pela plataforma continental, em profundidades que chegam até 200 metros(figura 2). Esses são os ambientes que a população (inclusive os cientistas) mais conhece e de onde obtém a maior parte dos recursos.
Entretanto, a maior parte do oceano possui profundidades maiores, em média de 3.688 metros, e com regiões abissais ainda mais profundas, chegando a 11.000 metros. Essas regiões são ainda menos conhecidas e exploradas, desafiando a ciência.
Para se ter uma ideia, mais humanos estiveram na Lua do que no ponto mais profundo do oceano, a Fossa das Marianas, no Pacífico. Somente três pessoas conseguiram chegar lá, entre elas, o diretor de cinema James Cameron, que realizou a façanha em 2012.
A vida começou na água. O oceano abriga a maior biodiversidade do planeta e vem dele a maior parte dos recursos para o nosso modo de vida atual, os chamados serviços ecossistêmicos(figura 3). Alguns deles são diretos e mais conhecidos, como pesca, lazer, esportes, navegação, atividades portuárias e extração de recursos minerais, petróleo, gás e, mais recentemente, energias renováveis e produtos biotecnológicos (figura 4).
Outros serviços ecossistêmicos são indiretos e nem sempre tão perceptíveis. Por exemplo, pesquisas mostram que estar próximo ao mar previne doenças e promove o bem-estar. Além disso, o oceano é um dos maiores responsáveis pela regulação do clima no planeta, não só da zona costeira, mas também das áreas continentais.
São alterações nas condições oceano-climáticas, que ocorrem em mar aberto, que impactam as populações humanas com os chamados eventos extremos, ciclones, ressacas marinhas, inundações, variações de temperatura e até o aumento dos períodos de seca ou de chuvas intensas nos continentes. Essa regulação climática influencia diretamente agricultura, pecuária, volume de água dos reservatórios naturais e bem-estar humano, com efeitos ambientais e socioeconômicos.
Quando reconhecemos a variedade de serviços ecossistêmicos marinhos, vemos de forma mais evidente como somos beneficiados pelo oceano. Entretanto, nosso uso e exploração desses serviços nem sempre se dá de forma sustentável, e impactos acumulados têm levado a perdas na estrutura, na função e nos serviços desses ecossistemas.
O lixo no mar mostra como as ações humanas podem degradar o ambiente(figura 5). Mas, infelizmente, essa é só a ponta do iceberg: o oceano vive hoje sob influência de múltiplos impactos que ocorrem paralelamente, muitas vezes, de forma sinérgica. A poluição marinha vai além do lixo e inclui tudo que descartamos no esgoto, quando este não é tratado devidamente, como remédios, detergentes, produtos de limpeza; além do derramamento de óleo e outros efluentes químicos da indústria petroquímica e dos portos. A esse cenário, somam-se diversos outros impactos, como a sobrepesca comercial, a ocupação irregular da região costeira, a destruição dos hábitats e o turismo desordenado.
E não podemos deixar de falar das mudanças climáticas. Apesar de ser um tema que causa discussão, os efeitos das mudanças climáticas são facilmente observados, seja pelo aumento do nível do mar, pela acidificação dos oceanos ou pelo aumento dos eventos climáticos extremos. Considerando que a maior parte da população mundial vive na zona costeira e dado o aumento populacional esperado para as próximas décadas, fica fácil entender o sinal de alerta que a ONU nos traz neste momento: precisamos urgentemente refletir sobre nossa relação com o oceano.
Para entender o objetivo da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, é preciso relacioná-la a dois grandes conceitos: ciência e desenvolvimento sustentável. Esses são conceitos fundamentais para todas as medidas mais práticas esperadas entre os anos de 2021 e 2030.
Pensar na oceanografia e em outras ciências como suporte para os governantes trabalharem no desenvolvimento sustentável é reconhecer o papel fundamental da ciência para a tomada de decisão. E esse papel precisa estar cada vez mais claro para todos os setores envolvidos: pesquisadores, tomadores de decisões, sociedade civil, empresários e cidadãos.
A pesquisa, muitas vezes reconhecida apenas como geração de conhecimento e disseminada na comunidade científica, tem o papel fundamental de subsidiar políticas públicas e formação de cidadãos conscientes. Para isso, precisamos entender o método científico, suas etapas, seu rigor e a validação pelos pares. Essa etapa é realizada pela publicação em revistas científicas de ampla divulgação internacional, permitindo que a comunidade acadêmica mundial possa interagir.
No entanto, precisamos ir além, fortalecendo as publicações científicas como um meio e não como o fim da produção do conhecimento. A ciência precisa estar diretamente ligada tanto às lacunas de conhecimento quanto às demandas que subsidiem estratégias de adaptação e formulação de políticas públicas. A comunicação entre pesquisadores e tomadores de decisões precisa ser ampliada. Os artigos científicos, essenciais para o desenvolvimento da ciência, devem embasar documentos de linguagem clara e acessível que deem suporte às políticas públicas globais.
A mesma lógica da interface entre ciência e tomada de decisão se aplica aos demais setores da sociedade. A comunicação científica vai além da publicação dos artigos e, portanto, o público-alvo vai além dos pesquisadores. É necessário retornar para a sociedade os avanços obtidos por meio da pesquisa, bem como torná-la parte de um processo participativo de geração de conhecimento.
Engajar ciência, políticas públicas e sociedade é uma meta dos órgãos de fomento e agências intergovernamentais, e a Década dos Oceanos é uma oportunidade única de trabalharmos de forma ativa nessa integração. Pensar esse formato de produção de conhecimento se alinha diretamente com o segundo conceito essencial para entender a Década dos Oceanos: o desenvolvimento sustentável.
A compreensão científica da dinâmica oceanográfica e suas respostas sobre como gerir esses recursos e enfrentar as ameaças existentes são fundamentais para o desenvolvimento sustentável, que nada mais é do que a capacidade de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a sobrevivência de gerações futuras.
Para transformar nossa relação com o oceano, a próxima década se alicerça ao redor de seis objetivos primordiais:
Para tanto, deve-se ir além da dicotomia entre economia e conservação e englobar todas as características socioculturais, econômicas e ambientais que sejam sustentáveis no tempo e no espaço. Hoje, as metas globais para o desenvolvimento sustentável estão representadas na Agenda 2030, em 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS colocam a todos nós oportunidades de contribuir para um futuro melhor. O ODS 14, ‘vida na água’, foi escolhido como símbolo para uma discussão ampla sobre toda a Agenda 2030, lançando luz sobre o oceano, seus serviços ecossistêmicos e os desafios de governança frente aos impactos humanos.
Temos uma oportunidade de entender a complexa rede socioambiental-cultural-econômica da relação entre ser humano e oceano, nos comprometendo com uma mudança de comportamento que gere benefícios para todos os eixos da Agenda 2030, desde o combate às mudanças climáticas (ODS 13) aos esforços pela igualdade de gêneros (ODS 5). Trabalhar por esses benefícios é mais do que discutir metas de governos e agências intergovernamentais. É agir localmente por um mundo melhor. É acreditar na mudança local que beneficie o meio ambiente, as populações vulneráveis, a igualdade. É compreender que um impacto efetivo depende de que todos nós possamos aplicar em escala local aquilo que foi definido em comum acordo entre os países signatários.
Foi nesse contexto que a Assembleia Geral da ONU indicou a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para coordenar o processo preparatório (2018-2020) da Década dos Oceanos, engajando a sociedade do planeta para planejar os próximos dez anos em ciência e tecnologia do mar e entregar, juntos, ‘o oceano de que precisamos para o futuro que queremos’, meta que se tornou o lema da Década dos Oceanos.
A Década dos Oceanos busca redefinir a ciência como uma produção de conhecimento por todos e para todos. Assim, empresas, organizações não-governamentais, associações, setores público e privado e membros da sociedade civil estão convidados para liderar ações que possam nos ajudar a promover grandes mudanças. O Brasil já se posicionou como importante ator na construção da Década, sinalizando que convidará representantes dos governos e especialistas de todos os países do Atlântico para uma grande consulta, no 2º semestre de 2019, sobre as prioridades e necessidades da comunidade atlântica em termos de ciências do oceano, sustentabilidade, mobilização de recursos e ativação de parcerias para atingir os objetivos da Década.
Mas isso também inclui todos e cada um de nós, independentemente de sua área de conhecimento e atuação.Uma das linhas de frente será o ensino sobre oceanos e suas relações com o cotidiano, OceanLiteracy, liderado pela Unesco como uma ferramenta de conscientização, dentro e fora das escolas. Precisamos estimular a curiosidade e fortalecer as ações educacionais curriculares, envolver as secretarias de educação e o Ministério da Educação para incluir a discussão sobre oceanos no currículo e aumentar as ações na educação não-formal.
Organizações não-governamentais podem atuar em suas áreas fortalecendo temáticas importantes, como igualdade de gênero, redução das desigualdades, erradicação da pobreza e conservação, e entendendo as relações entre essas temáticas e os oceanos. Empresas podem capacitar suas equipes e desenvolver produtos e processos sustentáveis.
Quanto a nós, cidadãos, podemos buscar como nossa profissão ou nossas ações no dia a dia podem ajudar a atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e, mais ainda, aprender e contribuir com os ensinamentos sobre o oceano e seus serviços ecossistêmicos ao longo de nossa história.
Devemos usar criatividade, conhecimento e desejo de um futuro melhor para pensar em ideias e soluções inovadoras e, principalmente, mudanças de comportamento. Quando somadas, nossas pequenas ações locais – como consumir só o que precisamos, descartar o lixo corretamente, respeitar o meio ambiente – vão gerar mudanças em escalas nacionais e globais. Devemos propor e acompanhar as mudanças, assegurar junto aos governantes a garantia da segurança do meio ambiente e do bem-estar humano. Podemos somar forças e, juntos, garantir o oceano que precisamos para o futuro que queremos.
Ronaldo Christofoletti
Departamento de Ciências do Mar,
Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista
Vinicius Grunberg Lindoso
Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI),
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
Malu Nunes
Fundação Grupo Boticário
Doença causada pelo parasita Toxoplasma gondii atinge milhões de brasileiros, com consequências graves para a saúde pública. Pesquisadores estão propondo alternativas de tratamento para acelerar o processo de descoberta de novos medicamentos e assim beneficiar os pacientes.
A exploração do espaço voltou a ganhar momento, com a entrada em cena não só de novas agências espaciais, mas também de empresas que exploram comercialmente essa atividade. A tensão ideológica que marcou esse campo foi substituída pela cooperação
O mercado de sementes modificadas e dependentes de pesticidas tóxicos à saúde e ao ambiente está cada vez mais concentrado em algumas poucas megaempresas. É essencial visibilizar as formas de produção por trás do que comemos para alcançar alternativas saudáveis e justas
Há 50 anos, o lançamento do satélite Landsat-1 transformou nosso olhar sobre a superfície terrestre. Hoje, as técnicas de machine learning e deep learning promovem uma nova revolução, desta vez na “visão” dos computadores e no sensoriamento remoto do planeta
Um lagarto sul-americano guarda um fato peculiar: em sua fase reprodutiva, o organismo desse réptil é capaz de aumentar a geração de calor interno – fenômeno raro para um animal que depende da radiação solar como fonte de energia. Bem-vindos aos ‘mistérios’ dos teiús.
Milhares de anos depois de os ímãs terem sido descobertos, o estudo do magnetismo segue como uma das áreas mais pujantes da física. De lá para cá, novos fenômenos foram descobertos. Entre eles, um em que materiais magnéticos se comportam como líquidos.
Sem dúvida, rodovias trazem progresso. Mas elas têm efeitos nocivos para o meio ambiente: poluição, perda e degradação de vegetação nativa, bem como fragmentação da paisagem. Há outro problema (talvez, ainda mais preocupante): a morte de animais por colisão com veículos.
A forma líquida do mercúrio sempre intrigou as pessoas. Conhecido há milênios, esse metal passou da religião para a medicina e a indústria. A ciência mostrou que ele é tóxico. Mas seus efeitos nocivos para o ambiente e a saúde seguem até hoje – inclusive no Brasil
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |