Rio de Janeiro

FÍSICA

Um prêmio ao obscuro

Por Martín Makler, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)

Buracos negros são objetos esquisitos, oriundos de uma teoria relativamente complexa, mas que fazem parte do imaginário popular há anos. Por que, em 2020, foram premiadas duas pesquisas sobre o tema?

Da esquerda para a direita, Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez
Crédito: Niklas Elmehed. © Nobel Media.

Os buracos negros surgem como uma solução (possível) da teoria da relatividade geral, formulada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955), em 1915. A finalidade era explicar a gravidade, mas essa teoria representou uma revolução do conceito de espaço e de tempo, que, além de andarem juntos, formando uma estrutura chamada espaço-tempo, apresentam uma espécie de maleabilidade – daí o apelido de “tecido do espaço-tempo”. Essa solução foi obtida em 1916 e representa o campo gravitacional de um objeto muito compacto. A partir de certa distância ao centro, denominada horizonte de eventos, nada do que cai no buraco pode sair, nem a luz, por isso o nome. Outra propriedade intrigante é que, perto do buraco negro, o tempo passa de forma bem diferente: mais devagar para quem o vê de longe. Não se sabe o que há dentro de um buraco negro. A princípio, seria uma densidade infinita de matéria no centro. Independentemente do que formou esse objeto, um observador externo só pode saber a sua massa e rotação.

Durante muito tempo considerou-se que esses objetos misteriosos fossem apenas uma curiosidade matemática da relatividade geral. Essa tal “solução” poderia não existir na natureza. É aí que entra o trabalho do físico britânico Roger Penrose, realizado na década de 1960. Ele mostrou que, sob condições bastante gerais, esse tipo de objeto exótico poderia, sim, ser formado no mundo real. Mais do que isso, ele mostrou que a formação de buracos negros era simplesmente inevitável em algumas situações. Se os resultados de Penrose deram realidade e credibilidade aos buracos negros, ainda era um resultado teórico, uma demonstração matemática usando a teoria de Einstein. Naquela mesma época, foram detectados objetos extremamente energéticos em galáxias distantes, os quasares. Uma explicação para a sua fonte de energia seria matéria caindo em um buraco negro com massa milhões ou até bilhões de vezes maiores que a massa do Sol.

No entanto, não havia nenhuma evidência direta da existência desses buracos negros ditos supermassivos. É aí que entram os trabalhos da astrônoma estadunidense Andrea Ghez e do astrofísico alemão Reinhard Genzel (e de colaboradores de ambos), nas décadas de 1990 e 2000. Eles estudaram, de forma independente e ao longo de vários anos, o movimento de estrelas próximo do centro de nossa galáxia. Ao analisarem as órbitas dessas estrelas, constataram que única explicação para o seu movimento era elas revolverem ao redor de um objeto, escuro, com uma massa de cerca de quatro milhões de vezes a massa do Sol.

A inferência da existência desse objeto no centro de nossa galáxia era uma evidência bastante forte para a existência dos buracos negros. Mas as “tacadas” finais vieram muito mais recentemente. Em 2015, foram detectadas as primeiras ondas gravitacionais produzidas pelas fusão de dois buracos negros, um sinal praticamente inquestionável de sua existência. Desde então, já foram detectadas dezenas de fusões de buracos negros. Finalmente, em 2019, foi divulgada a primeira ‘imagem’ de um buraco-negro: um anel de luz que é a assinatura inequívoca da presença de um horizonte de eventos, quase que a própria definição de buraco negro. E era em um buraco-negro supermassivo no centro de uma galáxia próxima.

Provavelmente foi o argumento que faltava ao comitê do prêmio Nobel para se convencer da realidade desses objetos e finalmente conceder a Penrose o prêmio pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta de teoria da relatividade geral e a Genzel e Ghez pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia.

Diga-se de passagem, Andrea é apenas a quarta mulher na história a ganhar um prêmio Nobel de física. Aliás, além de mulher é mãe, provando que ‘quem engravida’ pode ser tão ou mais competente que seus colegas masculinos.

QUÍMICA

A era CRISPR e a revolução na ciência

Por Camilla Pires, Programa de Pós-Graduação em Bioquímica, Universidade Federal do Rio de Janeiro
e Maria Alice Zarur Coelho, Departamento de Engenharia Bioquímica, Universidade Federal do Rio de Janeiro

Da esquerda para a direita, Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna
Crédito: Niklas Elmehed. © Nobel Media.

A tecnologia CRISPR/Cas9, do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR)/CRISPR-associated protein 9 (Cas9), é um sistema chave de edição de genomas que ganhou a atenção da comunidade científica na última década e vem sendo extensivamente explorado como uma ferramenta revolucionária da biologia sintética. Com origem em mecanismos que conferem imunidade adaptativa a bactérias e arqueas, o seu modo de atuação foi totalmente adaptado pelas ganhadoras do prêmio Nobel de química 2020.  A bioquímica estadunidense Jennifer Doudna e a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier revolucionaram a genética molecular quando conseguiram unificar as duas sequências de RNA requeridas pela Cas9, simplificando extremamente os métodos tradicionais de manipulação genética. Isso permite produzir mutações, que podem levar a inserções, deleções ou substituições de alguns nucleotídeos ou, até mesmo, de genes e cromossomos inteiros.

Todas as células têm mecanismos de reparo quando o DNA é danificado, tentando reconectar as partes cortadas da molécula. Mas se uma sequência de bases foi removida, o resultado é um gene com defeito, não-funcional. Com CRISPR é possível cortar um pedaço específico de DNA, e ao mesmo tempo saturar a área com moldes de reparo, ou seja, sequências de DNA que se encaixam nas pontas das partes removidas. As versões da Cas9 encontram a sequência específica e, ao se prenderem nesse ponto, interferem com o processo de leitura da célula. Para todos os efeitos, o gene está desativado sem que o DNA seja danificado.

Com a nova técnica, é possível reprogramar diferentes células, permitindo tratar doenças de origem genética, como a anemia facilforme, ou desabilitar um cromossomo inteiro, como na Síndrome de Down. Mas não é apenas na medicina que encontramos exemplos de potenciais aplicações. Seja na biotecnologia industrial, através da obtenção de microrganismos superprodutores, ou na agricultura, através do controle de pragas, as aplicações são vastas. Ou seja, CRISPR é a técnica mais promissora para controlarmos o destino genético por nos permitir encontrar imediatamente um trecho em qualquer livro de uma biblioteca, mas estão todos escritos em um idioma que quase não entendemos.

As ganhadoras do prêmio Nobel reforçam que, além dos aspectos éticos, é muito cedo para pesquisas envolvendo humanos, pois sabemos muito pouco ainda sobre os detalhes e as consequências do CRISPR na estrutura genética de organismos e sua prole e, a complexidade de lidar com organismos inteiros talvez seja grande demais nesse momento.

MEDICINA

Uma descoberta que salva vidas

Por Livia Villar, Laboratório de Hepatites Virais, Instituto Oswaldo Cruz / Fiocruz

Da esquerda para a direita, Harvey J. Alter, Michael Houghton e Charles M. Rice
Crédito: Niklas Elmehed. © Nobel Media.

Até década de 1980, vários casos de hepatite transmitidos pelo sangue eram observados, mas sabia-se que não eram causados pelos vírus das hepatites A e B. Em 1989, um novo agente denominado vírus da hepatite C foi finalmente identificado. Três pesquisadores tiveram um papel fundamental nessa descoberta: Harvey J. Alter, Charles M. Rice e Michael Houghton. Em pesquisas independentes, eles verificaram que casos de hepatite transfusional eram causados por esse novo agente e realizaram o sequenciamento do genoma do vírus. A partir destes estudos, foi possível desenvolver métodos de diagnóstico e tratamento.

O prêmio Nobel de Medicina concedido a esses pesquisadores demonstra a importância da descoberta, que permitiu que milhões de indivíduos pudessem ser identificados e encaminhados ao tratamento. Hoje há 71 milhões de casos de hepatite C em todo mundo, e, em 2016, aproximadamente 399 mil pessoas morreram devido a complicações associadas a essa infecção crônica, tais como cirrose e câncer de fígado.

Atualmente, não há vacina disponível, porém os novos tratamentos possibilitam taxas de cura acima de 95%. Um dos grandes desafios é ampliar o acesso ao diagnóstico dessa infecção em grupos de alto risco (usuários de drogas intravenosas, por exemplo) e indivíduos em situação de pobreza ou vivendo em áreas remotas. O uso de amostras como saliva e sangue em seco papel de filtro pode ser uma alternativa à coleta de sangue por punção venosa e auxiliar na ampliação de acesso ao diagnóstico.  Deste modo, conhecer a biologia do vírus causador é essencial para que possamos alcançar a meta da agenda 2030 da Organização Mundial da Saúde que prevê a eliminação da hepatite C.

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