Massacre de Manguinhos
Arbítrio e violência contra a ciência brasileira

Em um dos episódios mais sombrios da história da ciência no Brasil, dez renomados cientistas do então Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (RJ), foram aposentados compulsoriamente e tiveram seus direitos cassados pela ditadura cívico-militar, na fase de maior repressão política do regime. Esse episódio, por seu impacto para a instituição, ganhou o nome ‘Massacre de Manguinhos’.

De início, é imprescindível um esclarecimento. O título do artigo não faz menção a grande morticínio, chacina ou outro sinônimo possível para o termo ‘massacre’. Com frequência, nos deparamos, na mídia tradicional ou eletrônica, com informações sobre assassinatos sem chance de defesa para as vítimas – por vezes, cometidos por agentes do estado. Exemplos não faltam: massacre de Vigário Geral, massacre do Carandiru, massacre da Candelária, massacre de Eldorado dos Carajás, massacre de Realengo, massacre de Suzano e, mais recentemente, o massacre do Jacarezinho, ocorrido em maio deste ano no Rio de Janeiro (RJ).

Mas o massacre tema deste artigo nada tem a ver com mortes, homicídios e crimes correlatos. Trata-se de sentido figurado da palavra ‘massacre’, como ação para desestabilizar mentalmente alguém, apoquentar, afligir, estafar.

Em O Massacre de Manguinhos, livro publicado em 1978 – em 2019, uma edição ampliada tornou-se o primeiro volume da coleção Memória Viva, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (RJ) –, o entomólogo Herman Lent (1911-2004) apresenta suas memórias sobre os eventos vividos por ele e seus colegas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) desde o alvorecer da ditadura civil-militar à cassação de seus respectivos direitos políticos, em 1970.

Presidente Castello Branco em inauguração do Biotério do IOC acompanhado por Francisco de Paula Rocha Lagoa, Raimundo de Moura Britto, então ministro da Saúde, general Adalberto Pereira dos Santos e Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar. Acervo da Casa de Oswaldo Cruz. Fundo IOC. Cód. BR RJCOC 02-10-20-30.

Publicado em contexto de maior abertura política no Brasil, o propósito do depoimento de Lent era “deixar documentos sobre um período sombrio de nossa história”. A partir de então, a expressão “Massacre de Manguinhos” passou a ser adotada pela comunidade científica para expressar o desmantelamento, pelo regime militar, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) entre 1964 e 1970.

Tão logo se tornou ministro da Saúde, em 24 de abril de 1964, o médico Raimundo de Moura Britto (1909-1988) exigiu a entrega das funções de chefia por parte dos pesquisadores – à época, sete dos dez cientistas que viriam a ser cassados anos mais tarde foram afastados das chefias de divisão e de seção.

Em seu discurso de posse, o político do partido União Democrática Nacional (UDN) afirmou desejar que “as ideias exóticas que em Manguinhos foram infiltradas serão banidas definitivamente” e que “Manguinhos de amanhã será uma colmeia de trabalho e não um foco de ideias subversivas”, segundo reportagem do diário Correio da Manhã, de 24 de abril de 1964.

Diante disso, solicitou que a Comissão Geral de Investigações, criada pelo decreto 53.897, de 27 de abril de 1964, formasse uma subcomissão e instaurasse inquérito civil, a cargo de Olympio da Fonseca Filho (1895-1978), ex-diretor do IOC. O objetivo era investigar pesquisadores e funcionários do instituto, por supostas ações subversivas e desvios administrativos.

Paralelamente ao inquérito civil, um Inquérito Policial Militar (IPM), na esfera militar, limitou-se a apurar a ocorrência de atividades subversivas na instituição.

Daniel Guimarães Elian dos Santos
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

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