Por um ato urgente de escuta

Kazuo Ishiguro é um escritor nascido no Japão, mas que vive na Inglaterra desde os cinco anos de idade. Esse breve histórico pessoal lhe trouxe a denominação de nipo-britânico, sinalizando para uma questão identitária importante em sua escrita. Romances, contos e roteiros para rádio e TV compõem uma obra celebrada com o Prêmio Nobel de Literatura no ano de 2017. Na ocasião, Ishiguro realizou um discurso potente sobre o ato de contar histórias que pode ser conferido na obra Minha noite no século vinte e outros pequenos avanços.

O livro gira em torno do processo de escrita por meio de relatos pessoais, descrições a respeito de métodos criativos e impressões acerca do panorama social contemporâneo. Por meio de um fala poética, alguns tópicos tomam destaque: a trajetória do autor enquanto um japonês crescido na Inglaterra, as inspirações e transformações literárias e a defesa de um otimismo em meio a um contexto marcado por racismo, movimentos de ultra direita, etc.

A princípio, o Japão seria um tema recorrente para o autor, mas os hábitos britânicos figurariam como importantes tópicos desenvolvidos. Quando mais jovem, Ishiguro ficava irritado ao lhe perguntarem sobre o Japão, país que havia deixado ainda criança. Mas, em certo momento da vida, se deu conta de que as imagens e memórias que tinha de suas origens deveriam ser preservadas no sentido de estabelecer uma compreensão de sua identidade de maneira mais segura.

Dentre outras inspirações literárias, o desejo de ultrapassar barreiras culturais e linguísticas teve como referência escritores como Salman Rushidie e V. S. Naipaul, representantes de uma escrita pós-colonial. Tal desejo levou Ishiguro a refletir sobre a rejeição em aceitar o outro enquanto ser humano que compartilha coisas em comum, relembrando uma ferida da história do século 20, marcada por genocídios.

O ato de contar histórias se tornaria uma ferramenta de diálogo com “qualquer pessoa”, visto que a literatura teria como essencial a comunicação de sentimentos, aquilo que compartilhamos em comum, superando barreiras de qualquer tipo. Em meio a um panorama tão difícil nas relações entre as pessoas, Ishiguro reforça o papel de diversificar a literatura em dois sentidos: primeiro, incluir outras vozes de fora da elite cultural do Primeiro Mundo e, segundo, ampliar a noção de boa literatura no sentido de valorizar novas e melhores narrativas. Nas palavras do autor: “Em uma época cuja polarização está aumentando perigosamente, precisamos escutar.”

Kazuo Ishiguro traz ao leitor reflexões sobre o processo criativo de escrita atrelado a sua trajetória pessoal, em uma potente defesa do otimismo no contexto contemporâneo mundial.

Minha noite no século vinte e outros pequenos avanços
Kazuo Ishiguro , Tradução: Antônio Xerxenesky.
São Paulo, Companhia das Letras, 64 p.
R$ 34,90; e-book: R$ 23,90

Jacques Ferreira Pinto

Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp – UFRJ)
Pós-graduando no curso de Especialização em Educação para as Relações Étnico-Raciais na Educação Básica pelo Colégio Pedro II (NEAB Cp2 – PROPGPEC – CPII)

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