O único caminho a seguir na COP30

Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Rede Ressoa Oceano

Um histórico das mudanças climáticas, suas consequências e das negociações das conferências do clima

CRÉDITO: ADOBE STOCK

Em um mundo cada vez mais antropizado – em 200 anos a população humana passou de 1 bilhão para 8 bilhões –, as transformações ambientais pressionam os limites planetários em uma escala e velocidade sem precedentes. Para obter recursos, a humanidade impacta o meio, e por viver no meio, também é impactada, principalmente por desigualdade social, segurança alimentar, degradação ambiental e crise climática. Este último impacto é sobretudo um dos maiores problemas da contemporaneidade, afetando de norte a sul e leste a oeste do planeta, interferindo no equilíbrio da natureza, em todas as formas de vida que habitam a Terra.

O planeta naturalmente se aquece graças ao Sol, sua principal fonte de energia, que em parte é absorvida por solo, água e atmosfera, e outra parte é refletida de volta ao espaço. Além disso, gases presentes na atmosfera, como dióxido de carbono (CO₂) e metano (CH₄), e variações naturais na órbita e inclinação da Terra influenciam a quantidade de energia recebida. Porém, nas últimas décadas, por meio de diversas ações diárias, a humanidade passou a interferir significativamente na quantidade de gases de efeito estufa (GEE). 

Entre essas ações, as mais expressivas são i) geração de energia por meio de combustíveis fósseis (carvão, petróleo ou gás); ii) produção industrial desde coisas simples como roupas a complexas como um computador; iii) desmatamento de milhões de hectares de florestas ao ano que, além de liberar o carbono armazenado nas árvores, diminui a quantidade de florestas que absorvem o CO₂; iv) transporte de coisas ou pessoas, a grande maioria movida por combustíveis fósseis; v) produção de alimentos em larga escala causando desmatamento para pastos e plantações, uso de transporte, produção de metano pelos animais; vi) consumismo que estabelece um estilo de vida impactante, sendo que o 1% mais rico da população mundial emite mais GEE do que os 50% mais pobres.

As mudanças climáticas são inequívocas

A reconstrução da temperatura da Terra ao longo de milhões de anos foi possível graças a avanços em paleoclimatologia, que indicam que o clima já mudou diversas vezes ao longo da história. Conforme um estudo publicado na revista Science em 2024, a temperatura média global variou entre 11°C e 36°C nos últimos 485 milhões de anos, com fortes correlações entre níveis de CO₂ e aquecimento. Em um período da história mais recente, a partir da Revolução Industrial, a Terra tem esquentado significativamente.

O consenso científico sobre as mudanças climáticas se consolidou nas últimas décadas. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), tem como objetivo fornecer avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima, produzindo diversos estudos científicos. O Sexto Relatório de Avaliação (AR6), o último a ser publicado, afirma, com alta confiança, que o aquecimento global é causado pelas atividades humanas, e traz ao longo de quase oito mil páginas, as consequências devastadoras do aumento das emissões de GEE. 

Alguns exemplos recentes dessas consequências são: temperaturas mais altas (o ano de 2024 foi o mais quente já registrado), tempestades mais severas (como as que atingiram cerca de 90% do estado do Rio Grande do Sul, deixando cidades submersas, rodovias intransitáveis e comunidades isoladas), aumento da seca (como episódios na bacia amazônica, que em algumas áreas, como o Rio Negro, chegou a registrar a pior seca da história); escassez de alimentos (interferência no ciclo das plantações com estresse térmico e escassez hídrica); problemas de saúde (provocando condições que aumentam a incidência de doenças); pobreza e deslocamento (na última década, entre 2010–2019, em média, cerca de 23 milhões de pessoas por ano se deslocaram devido a eventos relacionados ao clima); extinção (um milhão de espécies estão em risco de desaparecerem nas próximas décadas, como o urso‑polar e o pinguim‑das‑galápagos); oceano de extremos (todos os ambientes são afetados, mas o oceano é o principal sumidouro do CO₂). 

O oceano: aliado e afetado

Para além de outros impactos antrópicos, como a poluição e a sobrepesca, o oceano tem hoje como um dos seus maiores vilões as mudanças climáticas. Resumidamente, a crise climática oferece uma tríplice ameaça ao ambiente marinho: 1) aquecimento, 2) acidificação e 3) desoxigenação. 

O oceano absorve cerca de 90% do calor adicional gerado pelas emissões de GEE, resultando em um aquecimento sem precedentes, em todas as profundidades. As temperaturas da superfície do mar têm atingido recordes, conforme mostra o gráfico da temperatura diária da superfície do mar, produzido com dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, da sigla em inglês). Esse cenário tem causado o branqueamento massivo de corais, como na Grande Barreira de Corais da Austrália, que sofreu em 2024 o maior declínio já registrado na história, em algumas áreas os recifes perderam até 70% de corais. A elevação da temperatura interfere nas correntes oceânicas, como a Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC, da sigla em inglês), a principal corrente oceânica que regula o clima do planeta, que combina correntes superficiais quentes que se direcionam ao norte com correntes profundas frias que se direcionam para o sul. Além disso, a elevação do nível do mar mais que dobrou nos últimos 30 anos: passou de 2,13 mm por ano (entre 1993 e 2002) para 4,77 mm por ano entre 2014 e 2023, segundo relatório State of the Global Climate 2023. A princípio parece pouco, mas o aumento vertical de um centímetro no nível do mar pode resultar em uma perda horizontal de aproximadamente um metro de linha de costa, ou até mais, dependendo da inclinação local da costa. 

O oceano absorve cerca de 30% do CO₂ liberado na atmosfera. À medida que os níveis de CO₂ atmosférico aumentam a quantidade de CO₂ absorvida pelo oceano também aumenta, resultando no aumento da concentração de íons de hidrogênio, o que reduz o pH da água, tornando o ambiente mais ácido, afetando organismos que formam conchas ou esqueletos de carbonato de cálcio como corais e moluscos. Conforme um estudo do NOAA, quando conchas de pterópodes ou “borboleta-do-mar” – minúsculo caracol marinho do tamanho de uma ervilha – foram colocadas em água do mar com níveis de pH e carbonato projetados para o ano de 2100, as conchas se dissolveram lentamente após 45 dias.

O oceano está perdendo o fôlego, pois o aumento da temperatura diminui a solubilidade do oxigênio e altera a estratificação da água, reduzindo o oxigênio dissolvido em muitas zonas, prejudicando incontáveis formas de vida. Conforme o artigo “Ocean Deoxygenation: A Primer”, publicado em 2020, desde meados do século 20 o oceano perdeu cerca de 1% a 2% do seu oxigênio total, e mais de 700 zonas costeiras já apresentam níveis críticos de oxigênio, expandindo as Zonas de Mínimo Oxigênio (OMZs, da sigla em inglês), afetando o ciclo de vida de espécies marinhas, e alterando as cadeias alimentares.

COP: decisões atitudinais

À medida que a frequência e a intensidade dos eventos extremos aumentam, nunca foi tão urgente agir em sinergia e com responsabilidades compartilhadas, sejam em ações de prevenção, mitigação ou adaptação frente aos desdobramentos das mudanças climáticas. 

Só no ano de 2024, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foram emitidos 3.620 alertas de desastres no Brasil (53% associados a riscos geológicos, como deslizamentos de terra, e os demais 47% associados a riscos hidrológicos, como enxurradas e transbordamentos de rios e córregos). Segundo a plataforma AdaptaBrasil, 2.801 dos 5.570 municípios brasileiros já estão em situação de alta ou muito alta vulnerabilidade climática. Mas é bom lembrar que os eventos climáticos destrutivos não têm data marcada, limite de impacto ou região específica para acontecerem. 

Em 2025, o evento mundial mais importante sobre clima completa 30 anos. A Conferência das Partes (COP, da sigla em inglês) organizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, da sigla em inglês), assinada em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), em que delegações de 175 países (atualmente com 198) iniciaram as discussões sobre o aquecimento global, envolvendo diferentes atores da sociedade, como governantes, cientistas, ativistas, empresários, ambientalistas e jornalistas. 

Em um panorama geral, a COP1 (Berlim, 1995), deu início às negociações para metas de redução de emissões de GEE. A COP3 (Kyoto, 1997), estabeleceu o primeiro acordo global com metas obrigatórias de redução de emissões GEE voltado aos países desenvolvidos (Protocolo de Kyoto), mas que demorou para entrar em vigor – apenas em 2005. A COP21 (Paris, 2015), teve como marco a assinatura do Acordo de Paris, com objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, além de estabelecer as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, da sigla em inglês), em que cada país estabelece ações frente às mudanças climáticas. A COP29 (Baku, 2024), propôs que países ricos disponham US$ 300 bilhões anuais para ações contra a crise climática em países em desenvolvimento. E pela primeira vez, a COP será no Brasil, em Belém, Pará, de 10 a 21 de novembro de 2025.

COP30, além dos discursos

Sediar a COP30 é uma oportunidade histórica, mas também implica uma responsabilidade enorme. O Brasil vive uma janela de oportunidade diplomática e estratégica diante de temas que ultrapassam fronteiras, como a proteção da Amazônia, a transição energética, a agropecuária sustentável e a justiça climática. No entanto, sejamos francos: para estar à altura desse papel, o país precisa fortalecer sua governança e agir de forma transversal, integrando todos os setores. E mais, integrar saberes científicos, tecnológicos, tradicionais, pois os desafios são múltiplos, desde locais a globais, exigindo esforço coletivo em todas as escalas.

Por exemplo, o setor agropecuário, em vez de ser apenas parte do problema deve se tornar parte da solução, com práticas regenerativas e sequestro de carbono. Na infraestrutura urbana, é fundamental apoiar populações vulneráveis reduzindo riscos e aumentando a resiliência, além de incorporar Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Na economia, é preciso destravar o mercado regulado de carbono, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), criado em 2024. 

Conforme aponta o governo brasileiro, os objetivos estratégicos para a COP30 são reforçar o protagonismo do país de diferentes atores públicos na agenda climática; dar visibilidade à ciência amazônica, aos povos indígenas e às comunidades locais; mostrar ao mundo as soluções climáticas do setor privado brasileiro; garantir a participação ampla da sociedade civil na COP; e sensibilizar e engajar a população de Belém, fortalecendo o vínculo entre território e agenda climática. 

A conferência será dividida em duas áreas principais: Zona Azul (Blue Zone): espaço técnico e normativo, onde ocorrerão negociações oficiais entre delegações, chefes de Estado e observadores. Zona Verde (Green Zone): espaço aberto à sociedade civil, com exposições, oficinas, debates e eventos culturais, promovendo engajamento democrático e transparência. 

Além de abordagens de mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação, é esperado que a COP30 dê destaque para outros temas transversais, como povos indígenas e oceanos. Este último, como já dito, é o ambiente que mais tem sofrido efeitos com as mudanças climáticas, por isso, espera-se, por exemplo, incentivos para implementar políticas eficazes de proteção aos ecossistemas marinhos vulneráveis como recifes de corais e zonas costeiras; além de desenvolver planos de adaptação para as comunidades costeiras, incluindo infraestrutura resiliente e estratégias de mitigação de riscos.

Sob à luz dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) lançados pela ONU em 2015, que direcionam o mundo para um futuro plausível, sem um esforço conjunto e contínuo de todos os países, no final, todos perdem – mas alguns mais que outros. Por isso, no caso das mudanças climáticas, é necessário ter justiça climática, ou seja, reconhecer que países em desenvolvimento, regiões vulneráveis e populações fragilizadas sofrem primeiro e mais intensamente, e devem receber subsídios e estratégias para o enfrentamento com efetividade.

Há pelo menos 30 anos se debate a urgência da redução de GEE. Contudo, se mantida a trajetória global de emissões, o aquecimento será bem acima de 1,5 °C (cerca de 3 °C ou mais). Então que rota seguir? Não há resposta fácil. Estamos em um momento de ecoansiedade, definida como medo crônico da catástrofe ambiental, que na verdade, não é só ambiental, mas econômica e social. Por exemplo, no litoral do Ceará, afetado pela erosão costeira, tem sofrido com o desaparecimento de trechos de praias, destruição de ruas e casas.

Estamos em um ponto de inflexão que exige mais do que intenções ou declarações — é hora de agir para realmente mudar a trajetória das diferentes projeções alarmantes. Atualizar metas ou renovar promessas já não basta. Está claro que o único caminho viável é o da transição energética, que deve considerar o tempo, os recursos disponíveis, a vontade política, a justiça social, os diferentes saberes e a integração entre setores. Só assim será possível uma ação global orientada por um propósito comum. No entanto, é evidente que estamos falhando nesse esforço — e há poucos paradoxos tão reveladores quanto o fato de um dos maiores responsáveis pela crise climática, os Estados Unidos, estar ausente da COP.

A COP30 pode representar o início de uma verdadeira equidade diante dos limites planetários, sustentada pela convicção de que deixar para amanhã ações urgentes, que precisam ser feitas hoje (somadas com as que já eram para ontem) implica assumir riscos extremamente elevados.

*A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo e com o Projeto Ressoa Oceano, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

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