Fui uma criança que encontrou, nos livros, caminhos para andar a vida. Nasci na capital federal, em 1978, em uma família negra, de mãe mineira, professora, e pai sergipano, operador de computadores na Universidade de Brasília (UnB). Cresci na Ceilândia, periferia proletária. Só vi asfalto na minha rua aos 10 anos de idade, mas eu corria o mundo com os olhos, subindo o telhado para admirar o céu e a linha do horizonte, e lendo vorazmente, desde pequena, o que meus pais compravam e o que estava disponível na escola pública em que minha mãe lecionava.
Ela, a primeira pessoa da família a entrar em uma universidade, no curso de Pedagogia (o meu nome se deve ao fato de ela adorar o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau – 1712-1778), sempre me levava às suas aulas, e pedia que eu não fosse professora! Desabafava que a profissão é muito desvalorizada, e não queria que eu tivesse o sonho de formar pessoas e fosse desprezada. Mas saiba que eu sou teimosa.
Literatura, filosofia, ciência, pouco do humano me era estranho, exceto o preconceito. Desde cedo fui discriminada por ser uma criança tida como inteligente, porém desafeita aos esportes, sensível e afeminada. Conheci a hipocrisia cedo, no centro educacional em que eu estudava, por responder aos 12 anos, quando questionada por “coleguinhas”, se eu era gay. O que nunca foi vergonha para uma criança que lia de mitologia grega a Shakespeare, da Enciclopédia Universo a guias sobre sexualidade, tornou-se motivo de perseguição durante todo o ensino fundamental. Mas sobrevivi, criei estratégias para enfrentar aquilo, sem apoio da direção da escola, que fingia não ver nada.
Em 1995 passei no vestibular da UnB e ingressei no curso de Química. Minha primeira opção era Filosofia, porém minha mãe me convenceu que seria mais sensato fazer primeiro um curso que “desse dinheiro”, e depois o que eu realmente gostasse. Entretanto, eu não precisei olhar muito longe para ver o Instituto de Psicologia logo na frente. Em 1997 me tornei caloura dele, já tendo cursado disciplinas como aluna especial.
Foi na disciplina psicologia social que entrei em contato com as pesquisas sobre cultura, os conceitos de identidade social, atitudes, estereótipos, poder, influência social e atribuição de causalidade, entre outros, e diversas metodologias de pesquisa social.
As aulas de sociologia e antropologia me permitiram conhecer os movimentos sociais, primeiro como objetos de estudo, depois, na prática, quando tomei conhecimento da ONG EstruturAção, por meio de um colega que fez o seu trabalho sobre o movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, os LGBT.
Em função dessa aproximação, aprofundei minha reflexão sobre gênero e sexualidade para além da dicotomia tradicional homens/mulheres. Eu me tornaria presidente daquele grupo, sairia dele e fundaria outro, ainda na graduação, com foco em pesquisa, chamado Ações Cidadãs em Orientação Sexual – ACOS.
Entendo, desde então, que estudar os grupos sociais e suas realidades é uma tarefa fundamental para o conhecimento e a transformação da realidade, na qual demandas sociais requerem a produção de conhecimentos científicos. Nessa conjuntura, as contribuições acadêmicas podem ser entendidas como um compromisso ético.
Comecei a estudar gestão da diversidade, cuja teoria propunha ações a partir de um modelo científico multidimensional e interdisciplinar de compreensão e de avaliação; inseria a análise no contexto de cada cultura local e nacional, e do sistema econômico contemporâneo, e relacionava-se com a questão da globalização.
Esse conhecimento se tornou política institucional em 2004, quando eu, psicóloga atuando na própria UnB, enquanto cursava o mestrado em Psicologia, no qual eu pesquisava as representações sociais do trabalho escravo contemporâneo, apresentei à reitoria da universidade um projeto de gestão do recém-criado Sistema de Cotas para Negras e Negros, assim me tornando a sua primeira gestora.
Em 2005 ingressei no doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da UnB. Meu propósito era pesquisar um assunto que mobilizasse a sociedade, enfocando questões de gênero, mas sem o peso afetivo que o meu objeto de estudo no mestrado, a escravidão, trazia. A ânsia por aprofundar estudos de gênero e sexualidade tão presentes na graduação era uma constante. Investiguei política e identidade nas paradas do orgulho LGBT. As quais, de forma indireta, mantinham relação com um conceito sobre o qual eu refletira na pesquisa acerca do trabalho escravo: a liberdade como ação política.
Nesse período eu tive o que, tecnicamente, denomino “epifania”, ao me reconhecer como uma mulher trans. Desde então tenho investigado intensamente sobre identidade de gênero e feminismo, tendo inclusive organizado o primeiro livro em língua portuguesa sobre transfeminismo.
Concluí um pós-doutorado em Ciências Sociais na Escola Superior de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, na qual pesquisei a relação entre a categoria trabalho e movimentos sociais, e em 2016 me tornei professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), no campus Belford Roxo, na Baixada Fluminense, voltado à economia criativa, no qual leciono disciplinas como “trabalho e felicidade” e “psicologia da moda”; coordeno o Núcleo de Diversidade – NDIVAS Marielle Franco e sou pesquisadora-líder do ODARA – Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade.
Atualmente, desenvolvo uma pesquisa sobre saúde mental de minorias sexuais e de gênero em seis países: Brasil, Cambodja, El Salvador, Índia, Quênia e Vietnã, em parceria com o Centro para Pesquisa em Política de Saúde e Desigualdades da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Concluímos o estudo-piloto e agora estamos aguardando financiamento para uma segunda etapa.
Se, quando criança, encontrei meus caminhos nos livros, hoje sigo com eles e, também, com a ciência e o ativismo para trilhar muitos outros.
Jaqueline Gomes de Jesus
Instituto Federal do Rio de Janeiro
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