Os corais são seres vivos exclusivamente marinhos, parentes das águas-vivas e anêmonas. Vivem principalmente em regiões tropicais do mundo onde a água é quente, clara e pobre em nutrientes, permitindo uma boa penetração da luz. Ao mesmo tempo em que estão entre os animais mais simples do planeta, por apresentarem apenas uma fina camada de tecidos recobrindo um esqueleto de carbonato de cálcio, são também bastante sofisticados e, muitas vezes, sensíveis a mudanças ambientais.
Uma das sofisticações mais interessantes dos corais é seu modo de alimentação. Alguns corais podem obter energia a partir do consumo de pequenos animais que vivem na coluna d´água, conhecidos como plâncton, mas também por meio de uma associação de benefício mútuo com microalgas que vivem em seus tecidos. Essa associação é conhecida como simbiose: enquanto a microalga ganha abrigo nos tecidos do coral e recebe as condições necessárias para fazer a fotossíntese, ela provê ao coral hospedeiro açúcares produzidos durante a fotossíntese.
Mudanças ambientais podem desencadear respostas de estresse, em que os corais expulsam essas microalgas dos seus tecidos. Como a cor dos corais muitas vezes depende dos pigmentos dessas algas, ao expulsá-las, o coral perde a cor, e seu esqueleto branco abaixo do seu tecido transparente torna-se visível. Por isso, essa resposta ao estresse é conhecida como branqueamento de corais, processo que deixa os animais mais susceptíveis a doenças, podendo, inclusive, causar a sua morte
A hipótese fisiológica para explicar esse fenômeno é baseada no estresse oxidativo. O aumento de temperatura estimula a reprodução das algas, que se tornam mais numerosas nos tecidos dos corais, e a alta incidência de luz aumenta a taxa de fotossíntese. Como um dos produtos da fotossíntese é o oxigênio, ocorre uma maior liberação dessa molécula nos tecidos dos corais, o que lhes causa irritação, e o excesso de oxigênio funciona como um gatilho para a expulsão das microalgas. Além disso, a competição com outros organismos, como macroalgas, eventos de soterramento, salinidade reduzida e infecções por organismos que causam doenças (patógenos), também podem resultar em branqueamento.
Com mais de 7 bilhões de pessoas vivendo no planeta, a atividade humana tem causado fenômenos de branqueamento de corais com uma frequência e intensidade jamais vistas. Em 2016, por exemplo, o branqueamento chegou a atingir 80% dos corais na Austrália, trazendo consequências que vão muito além da morte desses organismos. Recifes de coral inteiros branquearam em poucos meses e morreram em menos de um ano.
Com a morte dos corais, os recifes perdem complexidade estrutural e deixam de ser abrigos importantes para peixes e outros organismos, resultando em uma enorme perda de diversidade(figura 4). Além das espécies, perdem-se também os benefícios que elas proveem à humanidade, como segurança alimentar, turismo e proteção costeira.
Desde a industrialização, passamos a emitir enormes quantidades de gases que aumentam a intensidade do efeito estufa na atmosfera, provocando o aquecimento da terra e dos oceanos. É como se esses gases formassem um enorme cobertor sobre o planeta que retém o calor, processo popularmente conhecido como aquecimento global.
Um dos principais gases causadores desse fenômeno é o dióxido de carbono, que, além de aumentar o efeito estufa, se dissolve na água do mar, tornando-a mais ácida. Esse processo, conhecido como acidificação dos oceanos, prejudica o crescimento dos corais, devido ao seu esqueleto de carbonato de cálcio, e pode ter efeitos negativos também sobre outros animais, como os moluscos que fazem conchas.
Além de sofrerem os impactos globais derivados da emissão de gases estufa na atmosfera, os corais ainda estão sob forte pressão de atividades humanas em escala local. Entre elas, estão a coleta ilegal, o turismo desordenado e a poluição por resíduos sólidos e químicos, como no caso do simples uso de um protetor solar.
No início do século 19, era comum utilizar esqueletos de coral na construção civil, fosse para obter cal dos seus esqueletos ou para uso direto na construção de paredes e muros. Mesmo que esse costume tenha sido praticamente extinto no Brasil, a coleta ilegal de corais para aquarismo ou fins decorativos ainda é um problema. Já imaginou o que aconteceria se todo mundo resolvesse levar um coral para decorar sua casa? Além de causar a morte da colônia coletada, essa atividade resultaria na diminuição da complexidade estrutural dos recifes, prejudicando diversos organismos que dela dependem.
Embora o turismo possa ser um grande aliado da conservação marinha, quando é feito de maneira desordenada pode gerar danos severos aos corais e espécies que vivem nos recifes. Os corais têm um tecido muito fino sobre um esqueleto duro, e um turista desavisado pode facilmente confundi-lo com uma pedra. Às vezes, um simples toque já é suficiente para causar lesão no tecido do coral, deixando-o mais susceptível a doenças e à morte.
Existem alguns bons exemplos de ordenamento de turismo em ambientes recifais no Brasil, onde condutores são capacitados para orientar os turistas a não tocarem ou pisarem nos corais. Há outros locais onde o turismo ocorre em áreas menos sensíveis, ou onde o uso de nadadeiras é restrito. O turismo de mergulho autônomo, quando mal ou pouco orientado, também pode causar toque e revolvimento do fundo, podendo trazer consequências negativas não apenas aos corais, mas ao recife como um todo. Portanto, a melhor saída para evitar esses impactos é a conscientização. Existem evidências científicas de que uma explicação clara antes da atividade de turismo aquático e mergulho reduz a quantidade de toques nos organismos e melhora significativamente a conduta dos mergulhadores embaixo d’água.
Outra questão relacionada com o turismo e que frequentemente vem à tona em discussões é a relacionada ao uso de protetor solar. Algumas substâncias presentes nesses produtos podem causar branqueamento, afetar a formação e o desenvolvimento das larvas dos corais, e até provocar alterações no DNA do animal, reduzindo seu tempo de vida e comprometendo seu desenvolvimento e reprodução. Os protetores que contêm oxibenzeno foram indicados como os mais nocivos aos corais. O curioso é que a maior parte das evidências para o efeito negativo do protetor solar e de seus componentes químicos sobre a saúde dos corais vem de experimentos em laboratório. A grande questão agora é determinar qual é a concentração necessária desses compostos na água para que eles tenham tantos efeitos negativos sobre os corais. Onde e como atingimos essa concentração em situação natural? Ou seja, quantos banhistas cobertos de protetor solar seriam necessários para atingir a concentração que prejudica esses animais?
Enquanto os cientistas buscam respostas para essas perguntas, o melhor a fazer é escolher as marcas menos tóxicas disponíveis no mercado e evitar usar protetor solar quando entrar em pequenas poças ou piscinas de maré, comuns em diversas praias do Nordeste, por exemplo. Se a quantidade de água for muito pequena, o efeito negativo sobre os corais pode ser mais intenso e rápido. Existem camisetas, calças e bonés com ótima proteção solar para usar nessas ocasiões, em vez de abusar desses produtos.
Os corais também podem ser afetados por resíduos sólidos, como o agora famoso microplástico. Apesar de ainda ser uma área de pesquisa em desenvolvimento, há evidências de que a maioria dos corais pode ingerir microplásticos, sendo que alguns ficam tentando digeri-los por algum tempo, enquanto outros rapidamente rejeitam essas partículas por reconhecerem sua indigestibilidade.
Outras espécies, quando entram em contato com microplástico, mas sem ingeri-lo, aumentam sua produção de muco, como forma de limpeza dos seus tecidos. O fato é que, na maior parte dos casos, os corais que tiveram contato com microplásticos exibiram branqueamento pontual ou necrose de tecido.
Outras ameaças de maior escala, como a exploração de petróleo ou a construção de portos nas proximidades de bancos coralíneos, também trazem bastante preocupação. Recentemente, a liberação do leilão de áreas de exploração de petróleo no entorno do banco dos Abrolhos, arquipélago do oceano Atlântico, no sul da Bahia, causou apreensão, uma vez que potenciais acidentes de derramamento afetariam diretamente o maior banco de corais do Atlântico Sul.
De maneira similar, a construção de portos exige uma grande modificação do hábitat, podendo gerar sérios danos aos corais e ambientes recifais no entorno desses empreendimentos. A melhor solução é um bom planejamento, que leve em conta impactos e benefícios ambientais, sociais e econômicos desses empreendimentos em zonas marinhas e costeiras.
Será que um coral consegue se recuperar depois de um evento de branqueamento? A resistência a esses eventos e a recuperação dos corais dependem muito da intensidade e da frequência dos impactos, mas também de quantos impactos simultâneos os corais estão sofrendo.
Se há, por exemplo, um aumento brusco de temperatura por um período curto em um local protegido de poluição, os corais provavelmente terão uma boa chance de resistir, ou mesmo de se recuperar após um branqueamento. Mas, se além do estresse de temperatura, os corais ainda estiverem sob influência de poluição intensa, isso pode reduzir bastante tais possibilidades. Ou seja, a recuperação após o branqueamento é ainda viável se conseguirmos controlar os demais impactos em escala local.
Trabalhos científicos apontam que, embora tenha havido um grande evento de branqueamento em Abrolhos em 2016, a mortalidade foi relativamente baixa, indicando que os corais podem se recuperar dentro de uma área protegida, como é o caso desse parque nacional. Mesmo na Austrália, diversos recifes conseguiram se recuperar após um evento de branqueamento massivo.
Apesar da boa resposta desses casos, é importante ressaltar que, se a frequência e intensidade dos impactos aumentarem, os corais podem passar a não reagir tão bem. Então, o que podemos fazer efetivamente é reduzir impactos locais, como esgoto, poluição, pisoteio, coleta, sobrepesca etc., além de diminuir nossas emissões de gases estufa. Essas ações darão pelo menos uma chance melhor aos corais.
Por outro lado, a ciência já está correndo em paralelo, criando técnicas, por exemplo, para remediar o branqueamento de corais por meio de probióticos que auxiliam na recuperação, ou por meio da reprodução de corais mais resistentes. Embora promissoras, essas ações ainda estão um pouco distantes de se concretizar. Precisamos agir agora.
Existem esforços e tratados internacionais, como o Acordo de Paris, em que diversos países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases estufa. O Brasil, por exemplo, se comprometeu a reduzir, até 2025, as emissões a níveis 37% menores do que aqueles que tínhamos em 2005. Para isso, os países devem adotar práticas de produção mais sustentáveis, como reduzir o uso de combustível fóssil, mudando a matriz energética. É um longo caminho, mas possível e necessário.
Todos os dias, milhares de pessoas estão em contato com o mar e observam corais ao longo de toda a costa brasileira. Já imaginou quanta informação seria gerada se essas pessoas pudessem compartilhar o que viram com cientistas? Pois hoje elas podem! Basta compartilhar as fotos ou vídeos dos corais nas redes sociais, indicando a data e localização da foto e marcando #DeOlhoNosCorais.
Essas fotos são compiladas pela nossa equipe, que faz a identificação da espécie e um diagnóstico de saúde do coral. Com a data e o local da foto, conseguimos também acessar dados oceanográficos de temperatura da água, por exemplo. Esses registros passam a fazer parte de um banco de dados que nos permite avaliar a saúde dos corais em toda a costa brasileira e, praticamente, em tempo real!
Temos recebido informações de branqueamento em diversos estados (RN, PB, PE, AL, SE, BA, RJ, SP, PR e SC). Agora, além do branqueamento, o projeto #DeOlhoNosCorais está focado também em encontrar e registrar histórias de recuperação da saúde dos corais. E você? Já compartilhou sua foto com a gente?
Guilherme Ortigara Longo
Departamento de Oceanografia e Limnologia,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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