A era dos fármacos de RNA

Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Eles vão além das estratégias terapêuticas convencionais e podem ser promissores no tratamento de diversas condições de saúde graves, como Alzheimer e doenças genéticas raras

CRÉDITO: IMAGEM ADOBE STOCK

Ao longo da história da humanidade, a farmacologia baseou-se, principalmente, no uso de pequenas moléculas orgânicas. Encontradas na natureza ou produzidas em laboratório, elas ainda são as protagonistas da maioria dos medicamentos. Mas, nos últimos anos, fármacos baseados em RNA, macromoléculas essenciais à vida, vêm se consolidando como grandes promessas para terapias voltadas a condições ainda sem cura. 

Popularizadas como imunizantes durante a pandemia de covid-19, moléculas de RNA têm sido aprovadas não apenas para a prevenção, mas também para o tratamento de enfermidades. Suas principais perspectivas incluem tratamentos para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer e doenças genéticas raras.

Por que o RNA?

Os fármacos tradicionais atuam, em geral, modulando a função de proteínas presentes nos organismos vivos. Por exemplo: a atorvastatina, usada no controle do colesterol, inibe uma enzima chamada HMG-CoA redutase, que participa da produção dessa substância no corpo humano. 

Com o avanço do Projeto Genoma Humano, a expectativa era descobrir uma ampla gama de novos alvos terapêuticos. Mas constatou-se que mais de 98% do nosso genoma não são codificantes. Em outras palavras, apenas cerca de 2% do DNA expressa proteínas que poderiam servir como alvos para fármacos, algo em torno de 25 mil proteínas. Embora o número seja expressivo, atualmente menos de 700 proteínas são alvo de todos os fármacos disponíveis no mercado.

Além disso, um número crescente de condições de saúde tem origem na porção não codificante do genoma, o que indica que aqueles outros 98% também podem ser utilizados em novas abordagens terapêuticas. Sob essa perspectiva, até o momento, exploramos não mais do que 0,05% do genoma humano. Eis o grande diferencial dos fármacos à base de RNA: eles atuam não apenas sobre proteínas, como nos tratamentos convencionais, mas também podem regular a transcrição genética, expandindo de forma inédita o leque de estratégias terapêuticas.

Desafios à vista

Além dos tipos mais conhecidos de RNA – mensageiro, transportador e ribossômico –, a descoberta e caracterização de variantes ampliaram consideravelmente o campo. No entanto, por mais inovadoras que sejam, essas moléculas ainda estão sujeitas a limitações impostas pelas leis fundamentais da natureza. O primeiro desafio está no tamanho: o peso molecular dos RNAs é gigantesco perto da maioria dos fármacos existentes no mercado.

Para exercerem efeito terapêutico, as substâncias precisam atravessar membranas celulares. Moléculas pequenas e com boa afinidade por gorduras (lipofílicas) o fazem com relativa facilidade. Já os RNAs, além de grandes, são pouco lipofílicos. Para complicar ainda mais, mesmo após atravessar a membrana, o RNA continua enfrentando dificuldades, porque enzimas intracelulares podem promover sua degradação.

Duas abordagens têm se destacado para contornar essas barreiras: modificações químicas na estrutura do RNA e uso de sistemas de liberação controlada. No primeiro caso, substituições como a troca de átomos de oxigênio por enxofre, a introdução de átomos de flúor ou de grupos contendo carbono são frequentes. 

Essa estratégia foi utilizada, por exemplo, para o desenvolvimento da Tofersena, fármaco utilizado no tratamento da esclerose lateral amiotrófica (ELA), sendo o primeiro tratamento que tem como alvo uma causa genética da doença. Aprovado nos Estados Unidos e na Europa, seu registro está sob avaliação da Anvisa, para liberação no Brasil.

Já na liberação controlada, a nanotecnologia tem desempenhado papel crucial. Nanopartículas lipídicas e poliméricas surgem como alternativas promissoras e economicamente viáveis. As moléculas de RNA podem ser encapsuladas nessas estruturas, facilitando seu percurso no organismo e dificultando sua degradação.

Popularizadas como imunizantes durante a pandemia de covid-19, moléculas de RNA têm sido aprovadas não apenas para a prevenção, mas também para o tratamento de enfermidades

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