O desenvolvimento de determinadas substâncias para uso na agricultura pretendia combater a fome ou criar mercados lucrativos para uma indústria emergente?
O desenvolvimento de determinadas substâncias para uso na agricultura pretendia combater a fome ou criar mercados lucrativos para uma indústria emergente?
CRÉDITO: FOTO ADOBE STOCK
Em maio de 2024, o noticiário mundial destacou a acusação dos Estados Unidos contra a Rússia pelo suposto uso de cloropicrina como arma química na guerra da Ucrânia. Descoberta em 1848 pelo químico escocês John Stenhouse (1809-1880), a cloropicrina foi patenteada como pesticida, em 1908. Durante a Primeira Guerra Mundial, no entanto, sua aplicação tomou outro rumo, sendo amplamente utilizada como agente químico sufocante. Embora menos letal que outros compostos da mesma categoria, a cloropicrina induz náuseas, forçando as vítimas a removerem seus equipamentos de proteção para vomitar, deixando-as vulneráveis a outros agentes mais perigosos. Embora seu uso como arma química seja proibido atualmente, a substância continua sendo amplamente empregada como pesticida, especialmente para a desinfecção de solos.
A Primeira Guerra Mundial marcou um ponto de inflexão na relação entre guerras e o uso de pesticidas. No início do conflito, a Alemanha já contava com uma indústria química diversificada e avançada, em grande parte graças às contribuições de cientistas renomados como Walther Nernst (1864-1941) e Fritz Haber (1868-1934). Sob incentivo direto do Kaiser, eles desempenharam papéis fundamentais na consolidação da guerra química. Haber, em particular, é reconhecido como o idealizador do primeiro ataque com uma arma de destruição em massa da história, quando 150 toneladas de gás cloro foram lançadas sobre o campo de batalha em Ypres, na Bélgica. Enquanto isso, do outro lado das trincheiras, os Estados Unidos ainda apresentavam um setor químico incipiente, produzindo apenas compostos químicos simples, muitas vezes com matérias-primas importadas da Alemanha.
A Primeira Guerra Mundial marcou um ponto de inflexão na relação entre guerras e o uso de pesticidas
Na época, a produção alemã de compostos químicos superava a estadunidense em 21 vezes. Mas logo aconteceria uma transformação drástica nesse cenário: enquanto a Alemanha emergiu devastada e empobrecida pela Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos aproveitaram a oportunidade para impulsionar o desenvolvimento de sua indústria química. Em 1917, começaram a fabricar corantes para preencher o vácuo deixado pelo colapso da indústria alemã. As empresas DuPont e a National Aniline & Chemical (posteriormente renomeada como Allied Chemical) se tornaram líderes de mercado. Já a Hooker Company, que inicialmente produzia apenas água sanitária e soda cáustica, diversificou significativamente seu portfólio até o final da guerra, assumindo a liderança na produção de clorobenzeno, composto essencial para a fabricação de corantes, explosivos e armas químicas. Poucos meses após o final da guerra, os EUA produziam uma quantidade de gases tóxicos suficiente para despejar diariamente 200 toneladas dessas substâncias no campo de batalha.
A pesquisa impulsionada pelo avanço industrial levou ao desenvolvimento do primeiro pesticida orgânico sintético. Aqui, alguns leitores devem estar se perguntando: “como assim pesticida orgânico, se alface orgânico é justamente aquele produzido livre de pesticidas?”. Bem, na química, compostos orgânicos são aqueles formados por cadeias de carbono, e a química orgânica é a área que estuda esses compostos.
Então, voltando aos pesticidas, ao longo da Primeira Guerra, indústrias químicas produziram grandes quantidades de ácido pícrico, usado em explosivos. Como subproduto da sua fabricação, formava-se o para-diclorobenzeno (PDB), cuja toxicidade foi testada frente a diferentes insetos, obtendo-se resultados promissores. Rapidamente o PDB conquistou seu lugar no mercado de pesticidas e, nas décadas seguintes, toneladas dessa substância foram comercializadas. Armas químicas também passaram a ser estudadas para esses fins. Cientistas testaram, por exemplo, diferentes agentes frente ao piolho do corpo, vetor responsável pela transmissão do tifo. O objetivo era desenvolver um gás que pudesse ser liberado em uma câmara de desinfecção, sendo letal para os piolhos, mas seguro para seres humanos equipados com máscaras de proteção.
Nessa época, já estava consolidado o paradigma do uso de substâncias químicas para a eliminação do “outro”, fosse esse outro um inimigo no campo de batalha ou um inseto capaz de destruir plantações e transmitir doenças. Em ambos os contextos, a produção dessas substâncias estava alinhada aos interesses de um mercado em expansão e altamente lucrativo. Assim, empregar determinados compostos como armas químicas em tempos de guerra e como pesticidas em tempos de paz era considerado uma possibilidade bastante lógica.
Nessa época, já estava consolidado o paradigma do uso de substâncias químicas para a eliminação do “outro”, fosse esse outro um inimigo no campo de batalha ou um inseto capaz de destruir plantações e transmitir doenças
No livro The Chemical Age: How chemists fought famine and disease, killed millions, and changed our relationship with the Earth, o biólogo Frank Hippel destaca uma visão emblemática de William Sibert (1860-1935), o primeiro diretor do Serviço Norte-Americano de Armas Químicas. Sibert foi categórico ao afirmar que um empreendimento eficaz de guerra nunca deveria ser abandonado até que se tornasse obsoleto. Além disso, defendia que a “genialidade e o patriotismo” demonstrados por químicos e engenheiros durante os tempos de conflito não deveriam ser desperdiçados em períodos de paz. Em outras palavras, enquanto fosse possível encontrar aplicações para as substâncias químicas desenvolvidas durante a guerra, essas inovações deveriam ser aproveitadas.
Deixo claro que meu intuito não é demonizar o uso de substâncias químicas na agricultura. A necessidade do uso de agrotóxicos é um debate aberto e extremamente complexo. Entretanto, essas histórias nos levam a refletir: será que o uso de determinadas substâncias na agricultura foi inicialmente motivado pela necessidade de resolver o problema da fome, que afeta muitos, ou serviu principalmente para criar mercados lucrativos para uma indústria emergente, beneficiando o enriquecimento de poucos?
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