Maquiando os transgênicos

Instituto de Química
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mostarda mais palatável que alface? Indústria alimentícia usa técnica premiada com o Nobel para tornar alimentos mais atrativos e tentar quebrar resistência de parte dos consumidores

CRÉDITO: IMAGEM ADOBE STOCK

Conta a história que uma das grandes qualidades do notório cientista Albert Einstein (1879-1955) era sua habilidade inconfundível de contextualizar ideias complexas com base em cenários da vida cotidiana, em uma prática que ele chamava de gedankenexperiments, uma palavra em alemão que pode ser traduzida como “experimentos mentais”. Entusiasmado com o que vou contar, inicio meu diálogo apropriando-me da técnica do gigante. Vamos juntos: experimento mental.

Você sai para fazer compras em um mercado próximo à sua casa. Ao entrar, se depara com uma nova seção repleta de frutas, legumes e vegetais, com formas e cores um pouco diferentes das que você está habituado a ver. Tudo está muito limpo e bem organizado, jatos borrifam água cristalina sobre as verduras, que permanecem com cor viva e aspecto suculento. Já os tomates estão empilhados com uma simetria de fazer inveja à pirâmide de Quéops. Na entrada da seção, uma placa de madeira, o verniz, cuidadosamente escolhido, dá um tom vintage, como nos portais de uma antiga fazenda. Em letras verdes, lê-se: “ALIMENTOS TRANSGÊNICOS”.

Isso mesmo, em letras garrafais, e não em rótulos estratégicos e de difícil leitura. Qual seria sua impressão, prezado leitor? Considerando todo o peso e o aspecto pejorativo que o termo ganhou nos últimos anos, eu diria que até o mais ferrenho dos agroboys ficaria com um de seus pés, munido de bota, atrás.

As modificações vão desde a melhoria dos valores nutricionais até a criação de alimentos esteticamente mais atraentes, seja pela cor, pela forma ou por apresentarem um sabor mais palatável

De forma não menos explícita, a indústria alimentícia tem buscado estratégias para atrair o interesse do consumidor por alimentos transgênicos. Historicamente, o desenvolvimento de transgênicos teve como objetivo principal aumentar a produção, introduzindo modificações genéticas que conferissem maior resistência a pragas e agrotóxicos. Porém, para a nova geração de organismos geneticamente modificados (OGMs), a estratégia mudou, e a indústria alimentícia quer atrair também os consumidores e não apenas os produtores. As modificações vão desde a melhoria dos valores nutricionais até a criação de alimentos esteticamente mais atraentes, seja pela cor, pela forma ou por apresentarem um sabor mais palatável.

O primeiro protótipo tem previsão de lançamento no mercado ainda em 2025, uma folha de mostarda geneticamente modificada para remover sua pungência. A proposta foi originalmente desenvolvida pela startup de tecnologia agrícola Pairwise, que firmou um acordo exclusivo de licenciamento de produto com a Bayer, para desenvolver e comercializar o vegetal. De acordo com as empresas, o vegetal geneticamente modificado possui sabor melhorado e maior valor nutricional em comparação com a alface.

As modificações foram feitas a partir da técnica CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats — Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), a mesma que, em 2020, rendeu às pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna o Prêmio Nobel de Química. A partir dela, é possível modificar o DNA de animais, plantas e microrganismos com alta precisão.

A CRISPR funciona como uma espécie de tesoura molecular, que pode cortar seletivamente pedaços da fita de DNA. Basicamente, os pesquisadores removeram do DNA da mostarda os genes responsáveis pela produção de uma enzima chamada mirosinase tipo 1. Essa enzima promove a transformação química (por meio de reações de hidrólise) de compostos vegetais chamados glucosinolatos, formando outras substâncias que contribuem para o sabor desagradável, conhecido como “bomba de mostarda”, que é ativado ao se mastigar a planta. Vale ressaltar que, na natureza, esse é um mecanismo importante de defesa da planta contra predadores (Para mais detalhes ler o artigo “Making genetically engineered food palatable, da revista Chemistry World).

Voltando ao nosso gedankenexperiment: qual vegetal você escolheria? Eu, particularmente, gosto do sabor pungente da mostarda.

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