O isolamento imposto pela pandemia de coronavírus tem colocado muitos desafios para o nosso corpo e a nossa mente. Ficar em casa tem sido uma tarefa heroica de resistência. Já que adoramos falar de super-heróis nesta coluna, vamos falar de um que está lutando bravamente durante esse período: o nosso cérebro!
O cérebro é uma máquina feita para buscar respostas e perceber padrões. O tempo todo, esse órgão que controla tudo que você faz e pensa está analisando o mundo e as coisas ao seu redor, na tentativa de encontrar esses padrões e, com isso, prever o que vai acontecer.
Imagine, por exemplo, uma partida de futebol. Neymar está com a bola e tem um adversário à sua frente. Para decidir o que fazer, o cérebro do atacante vai analisar várias coisas: a distância do adversário, o quão bem o adversário joga, a presença de outros jogadores do seu time, a distância que ele está do gol, o seu nível de cansaço etc. Essas informações vão ajudar o cérebro do Neymar a prever o que pode acontecer em cada uma das suas possíveis escolhas. E é a partir dessas previsões que uma decisão será tomada.
Esse processamento de informações ocorre no cérebro o tempo todo e em frações de segundo! Então, quanto mais informações o cérebro processa, mais bem fundamentadas serão as decisões, certo? Não exatamente. Imagine se o cérebro do Neymar decidisse analisar também a cor do cabelo do adversário, a vaia de alguém que está na torcida, uma borboleta que passou voando… Essas informações não serão nada úteis para a previsão específica da sua próxima jogada. Elas só irão dar mais trabalho para o cérebro e dificultar a tomada de uma decisão.
Em momentos de incerteza, como o que estamos vivendo, não é fácil para o cérebro saber quais informações são relevantes para as suas previsões: Devo prestar atenção nas notícias de saúde? Ou devo me preocupar mais com as notícias da economia? Preciso saber como o coronavírus funciona? Ou posso mesmo só entender que lavar as mãos ajuda? Esse excesso de informações deixa o nosso cérebro perdido, sem saber como fazer suas previsões.
Quando isso acontece e o cérebro não consegue mais montar padrões, ele aciona uma espécie de alarme interno para avisar que está sendo sobrecarregado e que algo precisa ser feito. Esse sentimento, que chamamos de ansiedade, nos paralisa, porque exige que toda nossa atenção e energia se voltem para resolver o problema.
Para evitar que esse alarme seja acionado, é uma boa ideia adotar estratégias que tragam uma maior sensação de controle para o cérebro.
Imagine que o cérebro funcione como um liquidificador. Se você colocar 300 tipos de frutas de vários tamanhos e formatos dentro dele para fazer um suco, obviamente ele não vai conseguir triturar tudo e ainda vai transbordar.
Assim é o cérebro com as informações. Por isso, é preciso escolher um número pequeno de informações essenciais e se expor apenas a elas. Dessa forma, o cérebro vai conseguir digerir essas informações com calma e formar os padrões de que ele precisa sem se sentir bombardeado.
Mas como saber qual informação consumir? Basta pensar o seguinte: a maioria de nós não vai descobrir sozinho a vacina para o coronavírus e nem a melhor política pública para lidar com essa pandemia. Foque em informações que dizem respeito diretamente a você, e foque em fontes seguras, precisas, confiáveis e que não te deixem em pânico.
Existem vários aspectos nessa situação que não estão sob nosso controle: a composição genética do vírus, a sua letalidade, a maneira como ele ataca as nossas células. E isso é ruim para o cérebro, já que ele é um tanto controlador. Então que tal focarmos mais em coisas que podemos controlar? Você deve saber que o coronavírus precisa de uma carona para chegar ao nosso sistema respiratório e alcançar outras pessoas. Carona das nossas mãos, do nosso corpo, da nossa saliva, do nosso espirro. E essa carona é uma das coisas que podemos controlar. Como garantem os cientistas em todo o mundo, o ato de se isolar fisicamente é uma ótima forma de não dar carona para o vírus.
Ficar em casa é uma ação que dificulta o trabalho do coronavírus de se espalhar e chegar às pessoas mais vulneráveis. Nesse sentido, ficar em casa (para as pessoas que podem) é um ato heroico, principalmente para o cérebro, que não encara muito bem essa história de isolamento físico.
Nosso cérebro é, por natureza, um órgão que precisa das interações sociais. Como ajudá-lo a se acostumar com o isolamento físico? A resposta é: criando hábitos e rotina.
Estamos o tempo inteiro criando hábitos e rotinas no nosso dia a dia. E isso é bom. Hábito é uma forma que o cérebro encontra de economizar energia nas coisas que faz. É como se ele colocasse certas ações no piloto automático e usasse a energia que sobra para fazer outras coisas. Só tem um problema: uma vez que um comportamento entra no piloto automático, é muito difícil interrompê-lo. Se você tem o hábito de entrar no Twitter a cada cinco minutos, quebrar esse hábito será extremamente difícil. Mas como nosso cérebro sabe criar novos hábitos com facilidade, a melhor forma de acabar com um hábito é criar outro em seu lugar.
Crie hábitos bons que substituam hábitos que te fazem mal. Modificar seu ambiente pode facilitar a criação desse novo hábito. Não adianta querer diminuir o acesso a alguma rede social se ela fica a um clique de distância de você.
E, para contribuir com a sensação de controle tão importante para o nosso cérebro, você pode criar pequenas rotinas no seu dia a dia. Ficar em casa o dia todo sem hora definida para as atividades é como estar em um barquinho no meio do oceano, sem ir para lado algum.
Se você precisa estudar durante o isolamento, é importante avisar seu cérebro da hora do estudo. Para isso, você pode criar uma rotina que envolva se arrumar como se estivesse indo para a escola; definir um lugar para estudar e se sentar sempre lá, como se fosse o seu lugar na sala de aula; e se comportar nesse lugar como você se comportaria na escola. Estabeleça a hora de começar, de fazer um intervalo e de acabar. A criação de uma rotina como essa faz com que seu cérebro entenda e se prepare para esse momento. Isso não apenas vai dar a ele uma sensação de controle, como também vai te ajudar a se organizar e separar um tempo para fazer as coisas que são importantes para você.
É importante lembrar que o isolamento necessário para conter a pandemia é um isolamento físico, não social. O nosso cérebro é cheio de neurônios, que são células que estão o tempo todo se comunicando umas com as outras. É assim que as informações são processadas. Essa comunicação entre neurônios tem muitos estímulos, mas o principal é a interação social. Como estamos o tempo todo conversando uns com os outros, trocando ideias, emoções e experiências, os nossos neurônios ficam em constante contato para processar todas essas informações.
Quando nos isolamos socialmente, perdemos esses estímulos, e os neurônios vão parando de se comunicar uns com os outros. Sem essas conexões entre os neurônios, todo o nosso processamento cognitivo fica pior.
Por isso, precisamos manter o contato social constante, conversando com os amigos, rindo, brincando e explorando novas ideias e emoções. Isso vai manter nosso cérebro ativo e fazendo o que ele faz de melhor: processar informações, montar padrões, prever o que vai acontecer e, no caso do Neymar, ajudá-lo a fazer gols.
André L. Souza
Neurocientista e divulgador de ciência
www.twitter.com/andrelesouza
Lucas Miranda
Editor do blogue Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Eduarda Costa
Eduarda Costa e Amanda Vargas