Pegasus, o famoso cavalo com asas, é mito ou realidade? Você, provavelmente, está pensando “mito, claro”. Mas sabe explicar por quê? O que a natureza tem a nos ensinar sobre isso? A resposta para esse e outros enigmas está na Biologia Evolutiva do Desenvolvimento, conhecida pela sigla Evo-Devo.
Para chegar à resposta sobre o cavalo alado, precisamos sobrevoar a história da biologia. O ponto de partida é lembrar que todos os seres vivos têm características gerais que nos permitem classificá-los e diferenciá-los, que são chamadas de fenotípicas e, porque se estabelecem a partir da expressão de genes durante o desenvolvimento, são hereditárias. Mas não é só isso. Nem toda a programação para a formação de um indivíduo está contida nos genes. Há a influência de fatores ambientais e comportamentais, que se integram com a informação contida no código genético. O estudo desse processo de desenvolvimento (ontogenia) e sua comparação entre diferentes espécies pode evidenciar as conexões de ancestralidade entre os seres vivos. Esse é o campo da Evo-Devo.
Essa ramificação da biologia do desenvolvimento começou a ganhar forma em discussões científicas no século 19, em debates sobre embriologia comparada. Portanto, mais de um século antes do lançamento do elucidativo livro Princípios evolutivos, de Peter Calow, em 1983, muitos estudiosos apresentaram informações cruciais para esse campo. Inspirado por Charles Darwin (1809-1882), que propôs uma análise comparativa para o desenvolvimento embrionário dos vertebrados, o zoólogo alemão Ernst Haeckel (1834-1919) apresentou, em 1866, a ‘teoria da recapitulação’, fundamental para a Evo-Devo, na qual defendia que “a ontogênese recapitula a
filogênese”. Simplificando, quer dizer que as etapas do desenvolvimento embrionário dos animais que surgiram mais recentemente apresentam características semelhantes às observadas em outras espécies com origem mais antiga, de forma que os estágios ontogenéticos (fases que indicam o estágio do desenvolvimento de embriões) recordam (recapitulam) as relações de parentesco entre grupos de seres vivos (filogênese). As noções de recapitulação, conforme Stephen Jay Gould, já apareciam na obra de Aristóteles.
Ernst Haeckel utilizou ideias anteriores ao seu tempo e próximas também, como os estudos de Darwin e Wallace. Ele afirmou que no desenvolvimento de um embrião é possível enxergar estruturas de espécies já extintas (na época, denominadas “inferiores”). Assim, foi proposto que o desenvolvimento de características fenotípicas no embrião está relacionado com fatores hereditários em cada espécie, mas também reflete as trajetórias evolutivas e relações de parentesco dentro de conjuntos de espécies.
Desde as observações dos fenômenos naturais, na antiguidade grega, até as contribuições de Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829), a hereditariedade foi colocada como principal fator de transmissão das características entre indivíduos de uma mesma espécie ao longo das gerações. Darwin e Alfred Russel Wallace (1823-1913) acrescentaram a essa ideia a seleção natural, que evidencia as relações entre o meio ambiente e os seres vivos.
A partir de então, o fenótipo manifestado por um dado genótipo passa a ser substrato para ação da seleção natural. Essa ideia, devidamente agregada aos conceitos identificados por Gregor Johan Mendel (1822-1884), permitiram que William Bateson (1861-1926), em 1906, identificasse as relações de dominância entre genes alelos cunhando os termos homozigótico e heterozigótico, e que Walter Stanboroug Sutton (1877-1916) determinasse a existência dos cromossomos a partir de estudos de células reprodutoras de gafanhotos.
Finalmente, o elo que conecta a hereditariedade e a ação ambiental foi materializado na descrição dos cromossomos, e estudos dos mecanismos evolutivos entraram em cena, revelando a relação de ancestralidade entre espécies, estudada por diferentes gerações de cientistas.
Uma das diversas características que nos permitem aproximar ou diferenciar seres vivos, como os animais, é a estruturação do plano corporal em segmentos, ou regiões, como cabeça, tórax e abdômen. Mas, afinal, o que tudo isso tem a ver com Pegasus? É o desenvolvimento desses segmentos ou regiões que nos permite discutir se o cavalo alado é mito ou realidade.
Genes, agrupados em conjuntos formando uma “caixa de ferramentas”, atuam em diferentes momentos da vida embrionária. O grupo de genes da família Hox (homoeóticos), também chamado homeobox, nos permite entender como é codificada a identidade de cada segmento do corpo de um animal, que é conservada tanto em vertebrados como invertebrados. Esses genes dão orientações personalizadas para a formação de cada segmento do corpo para que se desenvolvam em seu devido lugar.
A mosquinha das frutas, Drosophila melanogaster, ajudou a ciência a desvendar muitos segredos da genética, fornecendo instrumentos úteis para a Evo-Devo. Esse inseto contribuiu para entendermos como estruturas complexas, a exemplo do olho, se desenvolvem. Primeiro os cientistas descobriram que o gene Hox chamado eyeless na Drosophila é homólogo ao gene Pax6 de camundongos, evidenciando que vertebrados e invertebrados se diversificaram a partir de um ramo ancestral comum. As moscas mutantes para eyeless não têm olho, enquanto seres humanos mutantes para Pax6 tem glaucoma.
Por essas semelhanças, esses genes poderiam compartilhar a mesma função na formação do olho durante o desenvolvimento? Para responder a essa pergunta, cientistas introduziram o gene Pax6 de camundongos no embrião de moscas cegas. Será que as moscas ganharam olhos de ratos ao nascer? Não, desenvolveram olhos de moscas. Esse experimento fascinante nos mostra não somente conexões de ancestralidade entre os seres vivos, como também de que forma o ambiente celular regula o comportamento dos genes.
A natureza nem sempre precisa criar novos genes para gerar formas específicas. A conservação de um conjunto deles garante que a natureza se encarregue de promover variação a partir das combinações de genes existentes, nas diferentes espécies.
Mas, e quanto a Pégasus? É mito, pois cavalos não possuem nem a identidade de segmento para o código homeobox que regula o surgimento de um terceiro par de apêndices (asas), nem o sinal molecular para o desenvolvimento dessas estruturas. Mas, e se fôssemos capazes de modificar o código de genes homeobox do embrião de um cavalo e inserir nele o código molecular equivalente às asas de uma ave com a informação para um terceiro par de apêndices? A Evo-Devo dá asas à nossa imaginação!
A gaveta dos fenômenos embrionários, no entanto, não está separada do restante. Tudo está em interação constante. Mas isso não é abordado no ensino de ciências e biologia. O biólogo norte-americano Sean B. Carrol usa o termo ‘divórcio’ para tratar desse assunto. Os currículos realizam uma separação litigiosa, restringindo a discussão evolutiva aos fenômenos que a caracterizam e limitando as imagens que comparam a embriogênese de vertebrados aos conceitos de homologia (o estudo das semelhanças entre diferentes organismos) e analogia (semelhanças morfológicas entre estruturas), deixando homologia profunda (deep homology) para o ensino superior.
Se a escola investir em discussões sobre ambiente e saúde, genética e características dos seres vivos, desenvolvimento e controle da expressão gênica, e os postulados de evolução em caráter indissociável da modulação gênica regida pelos fatores abióticos, a Eco-Evo-Devo será contemplada em sua essência e poderá estar presente em todo o ciclo do ensino médio, quiçá do ensino fundamental II.
Adeilson Batista Lins
Mestrado Profissional em Ensino de Biologia em Rede Nacional (ProfBio)
*Artigo resultante de entrevista com Tiana Kohlsdorf, pesquisadora da Universidade de São Paulo. Com revisão científica de Kátia Carneiro, Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Vários potinhos contêm bolinhas de gude, alguns com bolinhas verdadeiras, outros com bolinhas falsas, um pouco mais pesadas. Usando lógica, aritmética e uma balança digital, descobrimos onde estão as falsas. Um exemplo simpático do que chamamos de algoritmo.
Um novo dinossauro do Brasil demonstra que um grupo de formas carnívoras, os celurossauros basais, antes restritos a América do Norte e China, eram mais diversificados do que se supunha. O exemplar estava no Museu Nacional, mas não foi afetado pelo grande incêndio de 2018.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |
Elio Pithon Sarno Filho
Tudo que existe em nosso mundo tem Forma e Função. A forma (anatomia) determina a função (fisiologia) e vice-versa. Estão interrelacionadas. A necessidade de adaptação a novas condições de PH, temperatura, salinidade e outros fatores condicionadores da vida, durante o processo de evolução do planeta, determinaram transformações formais e funcionais dos seres vivos.