Jogos africanos: ancestralidade e matemática

Departamento de Matemática
Universidade Federal da Bahia

A Lei n° 10.639/03, que definiu, em 2003, como obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental e médio – público e privado –, está longe de ser implementada em todas as redes educativas do país, mesmo depois de 20 anos de seu sancionamento. Neste artigo, apresentamos uma série de jogos africanos, que poderiam ser usados em aulas de matemática como forma de estabelecer um elo entre os alunos e a cultura e ciência desenvolvidas e/ou provenientes da África.

CRÉDITO: WIKIPEDIA/ CREATIVE COMMONS

Na bela canção Babá Alapalá, de Gilberto Gil, ouvimos:

 

                             Aganju, Xangô Alapalá, Alapalá, Alapalá, Xangô, Aganju

                             O filho perguntou pro pai: “Onde é que tá o meu avô, o meu avô, onde é que tá?”

                             O pai perguntou pro avô: “Onde é que tá meu bisavô, meu bisavô, onde é que tá?”

                             Avô perguntou: “ô bisavô, onde é que tá tataravô, tataravô, onde é que tá?”

Esses versos nos remetem à nossa ancestralidade africana. No entanto, para nós, afrodescendentes brasileiros, essa ancestralidade não foi interrompida ou fragmentada. O processo de escravização apagou os laços com nossos antepassados africanos. Assim, muitos de nós, negros, africanos em diáspora, crescemos sem a possibilidade de conhecer esse bisavô, muito menos o tataravô, e, mesmo se tivéssemos esse contato com nossos mais velhos, eles não teriam como responder a essas perguntas.

No Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão, com uma população negra de 56,1% do total, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, são tímidos os esforços para reparações da desconexão de afrodescendentes com sua ancestralidade africana.

Na educação, as reivindicações do Movimento Negro Brasileiro, ao longo do século 20, resultaram na Lei n° 10.639/03, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), determinando que o ensino da história e cultura afro-brasileiras é obrigatório no ensino fundamental e médio – público e privado –, e esses conteúdos devem ser incluídos em todo o currículo escolar. Em 2023, passados 20 anos do sancionamento da lei, sua implementação em todas as redes está longe de acontecer. 

A escola é um espaço crucial para o estabelecimento de nossas primeiras referências sociais sobre o que é ou não é valorizado como conhecimento científico e como cultura

Referência eurocêntrica

A escola é um espaço crucial para o estabelecimento de nossas primeiras referências sociais sobre o que é ou não é valorizado como conhecimento científico e como cultura. A educação básica brasileira tem, em geral, privilegiado conhecimentos de origem ou referência eurocêntrica, em detrimento daqueles produzidos por povos de outras origens. Como consequência, é comum estudantes passarem pela escola sem ter contato com a cultura e os desenvolvimentos científicos provenientes do continente africano. 

Em geral, a vivência nos ambientes escolares não é fator positivo para se estabelecer elo de alunas e alunos com sua ancestralidade africana, podendo até contribuir para que construam imagens negativas de suas origens e de si próprios.

E a matemática? Será possível utilizá-la para se estabelecer um elo entre os alunos e a cultura e a ciência desenvolvidas e/ou provenientes de África?

Encontramos iniciativas por parte de educadores, pesquisadores e professores que propõem alternativas para dar visibilidade à cultura e à história de povos africanos. Na matemática, há contribuições significativas em artigos, dissertações, monografias, planos de aulas e teses, nos quais encontramos diversos trabalhos e atividades desenvolvidos nessa vertente. 

Por exemplo, existem estudos sobre os artefatos arqueológicos africanos e os papiros do Antigo Egito; os símbolos Adinkras, do povo Akan; os tecidos Kente, dos povos Ashanti; os Sona, do povo Tchokwe; e também jogos de tabuleiro africanos (figura 1).

Figura 1. Símbolos Adinkras, do povo Akan, de Gana

FONTE: HTTPS://WWW.SARAUS.COM. BR/ASSETS/IMG/PORTFOLIO/ADINKRAS.JPG

Historicamente, os jogos de tabuleiros e suas estratégias no ensino de matemática propiciam abordagens dinâmicas, que, aliadas a outras metodologias, podem ser muito proveitosas. No caso dos jogos africanos, essa ferramenta permite dar conhecimento sobre os povos que jogam ou jogavam, sobre a geografia e a história de sua região de origem e até sobre aspectos culturais e políticos contemporâneos.

Este artigo pretende abordar jogos africanos, descrevendo suas características e apontando possibilidades de utilização em aulas de matemática na educação básica.

Historicamente, os jogos de tabuleiros e suas estratégias no ensino de matemática propiciam abordagens dinâmicas, que, aliadas a outras metodologias, podem ser muito proveitosas

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