Em 1950, já fazia mais de meia década desde que experimentos com bactérias de pneumonia sugeriram que o DNA era a molécula que carregava a informação genética. A pergunta, então, era como a informação se armazenava na estrutura química do DNA. Cristalografia seria muito útil.
A química britânica Rosalind Franklin (1920-1958) já era reconhecida internacionalmente pelo uso da cristalografia de raios X para o estudo da estrutura de moléculas de carbono. No King’s College, em Londres, o físico britânico John Randall (1905-1984), diretor do Departamento de Biofísica, queria dedicar os esforços do recém-criado laboratório para descobrir a estrutura do DNA. Randall comunicou essa intenção a Franklin por carta. Ela acabaria indo para o King’s College em 1951 para comandar, segundo o convite, os experimentos com cristalografia aplicada à “estrutura de certas fibras biológicas de nosso interesse”.
Tal interesse também existia em Cambridge (Inglaterra), onde o biólogo norte-americano James Watson e o britânico Francis Crick (1916-2004) iniciavam uma parceria com o mesmo objetivo. Começava a ‘corrida do DNA’.
Em Londres, Franklin conheceu o fisiologista neozelandês Maurice Wilkins (1916-2004), diretor assistente do laboratório que havia feito pressão para trazê-la. De imediato, os dois não se entenderam. Enquanto ele achava que ela estaria sob seu comando, Randall havia prometido a Franklin independência nos experimentos de cristalografia – sem nunca ter informado Wilkins da decisão. Wilkins se sentia excluído; Franklin, monitorada. Também não ajudou o fato de ele ser tímido, quieto e evitar confrontos, enquanto ela adorava debater e polemizar.
Apesar dos conflitos, Franklin rapidamente elevou a qualidade da cristalografia do King’s College. Segundo o irlandês John D. Bernal (1901-1971), pioneiro da cristalografia, ela produzira “as mais belas fotografias de raios X jamais tiradas”.
Com suas imagens, Franklin descobriu que o DNA se apresentava em duas formas – hidratada ou desidratada. Deduziu também que a molécula tinha forma de hélice, com fosfatos no lado externo. Assim, ela pôde descartar a primeira estrutura proposta por Watson e Crick: uma tripla hélice com fosfatos no interior. Ela sabia que eles estavam perdidos em sua busca. Essa falha inicial fez com que o físico australiano W. Lawrence Bragg (1890-1971) – o supervisor dos dois em Cambridge – ordenasse o fim do trabalho com DNA, o que os tiraria da corrida temporariamente.
Menos de um ano depois, chegou a notícia de que o químico norte-americano Linus Pauling (1901-1994) havia descoberto a estrutura. Pelo menos, foi o que se pensou no início. Logo se viu que, inexplicavelmente para um químico de sua estatura, ele havia cometido um erro básico. Não demoraria até que Pauling se desse conta do erro.
A corrida se acirrava. Bragg ordenou então que Watson e Crick voltassem a estudar a estrutura do DNA. Pauling já havia descoberto a estrutura das hélices proteicas antes de Bragg e este não queria perder para o norte-americano novamente.
Nesse momento, Franklin extraía medidas das suas imagens cuidadosamente, que permitiriam deduzir as distâncias entre os átomos do DNA. Ela saberia então a dimensão correta da unidade que se repete no DNA – o trio de base nitrogenada, fosfato e açúcar. Estava mais próxima do que nunca de inferir a estrutura completa.
Assim como Crick, em Cambridge, Franklin trabalhava apenas com régua, lápis, papel e a própria mente. Sua persistência logo foi recompensada. Suas anotações da época revelam que, em fevereiro de 1953, ela já havia concluído que o DNA era composto por uma dupla hélice, com fitas em sentidos opostos, o que sugeria um mecanismo de replicação. Logo ela chegaria na estrutura completa e ganharia a corrida.
Todavia, a corrida já havia acabado, com Franklin em segundo lugar. Em março, ela e Wilkins foram convidados a Cambridge para ver o modelo construído por Watson e Crick, que o reconheceram como correto. Três artigos foram publicados: um teórico – o modelo de Watson e Crick – e dois experimentais, com os resultados que apoiavam o modelo – um de Wilkins, um de Franklin.
A atribuição de créditos nessa história é tão confusa quanto eram as relações interpessoais dos envolvidos. Watson e Crick sabiam que só haviam chegado na estrutura porque obtiveram acesso aos resultados experimentais de Franklin, sem que ela soubesse. Embora esse deslize ético tenha ganhado muita atenção, não parece ter incomodado a química britânica, que se aproximou de Crick e sua mulher nos anos seguintes.
Em 1962, Watson, Crick e Wilkins ganhariam o prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina. Franklin havia falecido anos antes, de câncer. Se estivesse viva, também seria premiada – com certeza, merecia. Sozinha chegou ao mesmo entendimento da estrutura que Watson e Crick, e produziu resultados experimentais superiores aos de Wilkins.
Provavelmente, a estrutura do DNA seria descoberta mais cedo ou mais tarde, mesmo sem a parceria produtiva de Watson e Crick. Mas a história podia ter sido diferente se Bragg não tivesse uma rivalidade com Pauling, ou se Wilkins e Franklin tivessem conseguido superar as diferenças de personalidade, ou se Randall fosse mais transparente e melhor gestor de pessoal.
As imagens e os dados de Franklin – fundamentais para calcular os detalhes da estrutura – existiam havia mais de um ano quando Wilkins os mostrou a Watson. Portanto, a descoberta poderia ter vindo antes, em um ambiente mais cooperativo, mais transparente.
Faz pensar que, em prol da objetividade do método científico, o aspecto pessoal seja muito desconsiderado. Não esqueçamos que a pesquisa é feita por pessoas – com suas personalidades, falhas e qualidades e, sobretudo, egos enormes – e é isso que colore o avanço da ciência.
Kleber Neves
Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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