Galvani e Volta, um embate elétrico

Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Debate de ideias entre dois brilhantes cientistas italianos iluminou a busca pela natureza da eletricidade, culminou com a invenção da pilha e a fundação da disciplina eletrofisiologia.

Acima, bancada de trabalho de Luigi Galvani (1737-1798). Abaixo, primeira bateria elétrica inventada por Alessandro Volta (1745-1827)

As pesquisas sobre eletricidade causaram furor na sociedade e se tornaram febre entre os cientistas no século 18. Em 1752, o norte-americano Benjamin Franklin (1706-1790) realizou seu famoso experimento da pipa, que ajudou a descrever a natureza dos fenômenos elétricos. Poucos anos antes, havia sido inventada a Jarra de Leiden, um capacitor primitivo apto a acumular cargas elétricas e a liberá-las de forma controlada. Apesar de não fornecer uma corrente elétrica contínua e estável, esse dispositivo foi usado para estudar a eletricidade por décadas. 

Mesmo após anos de estudos, ao final daquele século, a controversa natureza da eletricidade ainda era elusiva. Foi quando entraram em cena dois brilhantes cientistas italianos, um médico e um físico, ambos interessados em eletricidade, que confrontaram suas ideias em experimentos cada vez mais sofisticados, iluminando, finalmente, a questão. Talvez seja exagero afirmar que suas ideias eram opostas, já que seus pontos de vista foram moldados por suas formações acadêmicas, e suas perguntas iniciais eram distintas. 

O primeiro personagem dessa história é Luigi Galvani (1737-1798), que tem seu nome imortalizado no processo de Galvanização e no Galvanômetro, aparelho para medir correntes elétricas de baixa intensidade. O segundo é Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta (1745-1827), conhecido por, dentre outras descobertas, inventar a pilha elétrica e dar nome ao Volt, a unidade de medida usada para o diferencial de potencial elétrico.

O médico e o autodidata

Galvani nasceu em Bologna em uma família sem grandes posses, mas com o suficiente para que tivesse uma boa educação. Desde jovem, ele demonstrou afinidade com a religião católica e, por pouco, não se tornou sacerdote. Em 1755 ingressou na Universidade de Bologna para cursar Medicina, onde teve como mestres grandes cientistas, como Jacopo Beccari (1682-1766), o primeiro professor universitário a lecionar química na Itália e que, além dessa disciplina, ensinou ao pupilo os fundamentos da anatomia e fisiologia. Galvani estudou com Domenico Gusmano Galeazzi (1686-1775), que comandava um dos melhores laboratórios de física experimental do país. Alguns anos mais tarde, casou-se com a filha de seu antigo mestre, Lucia Galeazzi (1743-1788), que teria um papel crucial no debate acerca da natureza da eletricidade.

Volta nasceu em Como, Itália, e veio de uma família nobre e rica. Seus pais queriam que ele estudasse Direito, os padres da escola jesuíta tentaram persuadi-lo a entrar para o sacerdócio. Volta não quis nem uma coisa nem outra, largou a escola aos 14 anos e decidiu estudar por conta própria. Ele nunca fez um curso universitário, mas aos 18 anos já trocava correspondências com físicos de renome, sempre movido por sua paixão pelos fenômenos da eletricidade. Volta fazia seus próprios experimentos em um laboratório particular de um amigo de sua família e, aos 24 anos, publicou seu primeiro trabalho científico, onde especulou sobre as semelhanças entre força elétrica e gravidade.

Sapos, músculos e eletricidade

O grande debate entre essas duas mentes começou em 1780, quando Galvani estudava o sistema neuromuscular para entender como os músculos se contraem e relaxam. Naquela época já era conhecido que choques elétricos causavam contrações e espasmos, mas ninguém entendia bem o porquê. Era sabido também que os nervos e os músculos trabalhavam em conjunto para promover a contração muscular, mas não se compreendia como essa conexão entre sistemas tão diferentes funcionava.

Naquela época já era conhecido que choques elétricos causavam contrações e espasmos, mas ninguém entendia bem o porquê

Galvani realizava experimentos em sapos dissecados, e, para entender esse efeito, ele usava uma Jarra de Leiden para gerar descargas elétricas que estimulavam a contração muscular. Ele fez inúmeras variações em seus experimentos (carga, tempo de choque e locais anatômicos estimulados) e, aos poucos, começou a desvendar os fundamentos da eletrofisiologia. Em 26 de janeiro de 1781, um acontecimento quase fantasmagórico virou suas pesquisas de cabeça para baixo. Uma assistente de Galvani (que muitas fontes históricas afirmam ter sido sua mulher, Lucia) tocava o nervo crural interno de um sapo com um bisturi ao mesmo tempo que uma descarga elétrica era liberada de uma Jarra de Leiden. Uma faísca se acendeu no ar e, para surpresa geral, os músculos da perna do sapo imediatamente se contraíram. 

Galvani sabia que a eletricidade estimulava a contração neuromuscular, mas o bisturi não estava conectado a nenhuma fonte de eletricidade. Então como os músculos do sapo se contraíram? Ele passou os próximos anos repetindo e introduzindo variações e controles nesse experimento, incluindo (e mais importante) testes sem a presença de metais condutores, induzindo a contração apenas com contato entre tecidos do animal. Ele acabou chegando à conclusão de que os animais possuíam um tipo de eletricidade intrínseca, que se acumulava no músculo e causava as contrações quando estimuladas. Galvani viu o músculo como um tipo de Jarra de Leiden. Seus resultados foram publicados em 1791 na obra De viribus electricitatis in motu musculari Commentarius (“Comentário sobre o efeito da eletricidade no movimento muscular”), na qual ele declara a existência de uma eletricidade animal.

Suas conclusões foram recebidas pela comunidade científica com um misto de espanto, louvor e ceticismo. Muitos cientistas reproduziram seus resultados com sucesso, mas é aí que entra em cena Alessandro Volta. Com seu conhecimento em física, ele refutou a teoria da eletricidade animal e insistiu que as pernas dos sapos apenas reagiam a ela. Sua teoria era que os instrumentos metálicos usados por Galvani geravam uma corrente que, por sua vez, era responsável pela contração muscular. Para provar seu ponto de vista, Volta criou um equipamento que gerava eletricidade e estimulava contrações musculares sem a exigência de nenhum tecido animal. Ele empilhou camadas de metais alternados (prata ou zinco) separadas por panos ou pedaços de papelão embebidos em uma salmoura (água com sal). Em cada extremidade da pilha, foi colocado um fio e, assim, uma corrente elétrica fluiu. Essa era a pilha voltaica, o precursor das pilhas e baterias modernas. A pilha foi imediatamente um sucesso, e alavancou as pesquisas com eletricidade. Esse foi um passo crucial para retirar esse conceito das universidades e trazer para o dia a dia das pessoas.

A pilha foi imediatamente um sucesso, e alavancou as pesquisas com eletricidade. Esse foi um passo crucial para retirar esse conceito das universidades e trazer para o dia a dia das pessoas

Redescoberta da eletrofisiologia

O experimento de Volta trouxe fama internacional, e ele foi declarado o vencedor da disputa com Galvani. A “eletricidade animal” foi esquecida, e a eletrofisiologia caiu em descrédito por muitas décadas. Galvani, porém, estava correto ao atribuir as contrações musculares a um estímulo elétrico. O físico Giovanni Aldini (1762 – 1834), que era sobrinho de Galvani, continuou investigando a eletricidade animal, mas Aldini era um tipo de showman, gostava de aparecer e dava palestras sensacionalistas, “reanimando” cabeças de bois com o uso de eletricidade. Em certo ponto, ele passou a usar o corpo e a cabeça de criminosos executados, que se contorciam quando eram estimulados por correntes elétricas. 

Foram mais algumas décadas de contribuições incrementais de vários cientistas, até que, em 1860, o fisiologista alemão Julius Bernstein (1839-1917) finalmente demonstrou o papel da eletricidade através do potencial de ação nas células nervosas. Galvani, hoje em dia, é considerado o pai e um dos principais precursores da eletrofisiologia.

Galvani, hoje em dia, é considerado o pai e um dos principais precursores da eletrofisiologia

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