A nova interpretação foi resultado de elaborações conceituais na década de 1990, a partir da atuação do movimento negro, de setores vinculados ao Estado, da academia – com forte atuação da Associação Brasileira de Antropologia – e de profissionais do campo do Direito. Foi a partir dessa articulação que emergiu a interpretação principal segundo a qual se compreende remanescentes de comunidades de quilombo como grupos étnicos (aqueles que interagindo entre si num mesmo território portam uma história comum e se sentem ligados por ela), com identidade autoatribuída, e direito coletivo a terra. Essa mudança interpretativa garantiria a reivindicação de direitos identitários e territoriais não somente às antigas comunidades negras rurais, mas também incluía outras coletividades que lutavam pela manutenção e titulação de suas terras: os ‘novos quilombos’.
Ainda conforme Amanda Lacerda Jorge e André Brandão, a autoatribuição étnica, aliada à luta pela terra, garantiria mesmo que a categoria “quilombola” fosse desencaixada de uma chave histórica escravocrata, ou biologicamente definida (através de elementos fenotípicos), para transitar pela sociedade brasileira como um agrupamento social que se articula e passa a ser reconhecido a partir de um processo de mobilização étnica. Assim, ‘comunidades quilombolas’ poderiam estar sendo criadas mesmo na contemporaneidade, em processo contínuo, como o são alguns novos quilombos urbanos, como o quilombo da Sacopã, na cidade do Rio de Janeiro, reconhecido em 2002, mas com um histórico de ocupação desde a década de 1930.
Entretanto, para uma comunidade reivindicar o direito ao território é necessário demonstrar não só sua permanência na terra, como também uma memória coletiva, com elementos culturais (materiais e imateriais), laços de parentesco, e outros elementos que caracterizem a forma de ser e a identidade da comunidade. O reconhecimento legal das comunidades quilombolas é um processo administrativo que envolve a Fundação Palmares e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A titulação de terras, responsabilidade do Estado prevista na Constituição Federal, tem representado o maior gargalo na efetivação das políticas públicas para esses grupos. Segundo dados da Fundação Cultural Palmares, temos listadas 2.859 comunidades quilombolas certificadas, dentre estas apenas 34 são tituladas, 14 possuem titulação parcial e 1.071 não possuem processo de titulação no Incra.
Para além da garantia de terra, os novos quilombos, em distintas condições e fases de mobilização pelo país, vêm demandando políticas públicas que reforcem sua etnicidade, garantam sua territorialidade e condições de vida digna. Uma das mais importantes frentes reivindicadas desde os anos 1990 é a educação escolar voltada aos povos quilombolas, que fortaleça o reconhecimento das novas gerações aos seus direitos a terra e cultura própria.