A química é a ciência que trabalha com materiais, transformando-os e criando produtos de interesse social e econômico. Tudo isso por meio de manipulações que envolvem átomos e moléculas. Esse tipo de conhecimento está associado à criação de teorias e representações, além do estudo e planejamento de experimentos.Para conseguir comunicar esse conhecimento aos estudantes, o ensino da química utiliza metáforas e analogias visuais, permitindo ao aluno pensar em átomos e moléculas e relacioná-los com aquilo que se observa na natureza e nos laboratórios. Todo esse processo ocorre com o uso de muitas imagens e figuras desenhadas que procuram representar os estados das coisas no mundo.
Mas e quando não é possível ver essas imagens? O censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, indica que as pessoas com deficiência visual chegam a 6,5 milhões no Brasil. Mas como essa comunidade tem acesso ao conhecimento químico de forma integral?Como essas mensagens visuais são descritas para esses estudantes? Sabemos que um dos recursos que vêm se popularizando no ensino e na difusão de informações para cegos é a audiodescrição. Em livros didáticos, esse método consiste na tradução das imagens em textos. Esses roteiros descritivos são lidos por vozes humanas ou sintetizados por tecnologias assistivas (equipamentos que servem para melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência). E como está sendo realizado esse trabalho em livros didáticos de química?
Para descobrir mais sobre isso, nossa pesquisa– primeiro lugar no 2º Prêmio de Ações Afirmativas UFRJ de 2019 – avaliou, a partir de um material contido no Programa Nacional do Livro Didático de 2015, o conteúdo relativo a um tema inicial da química: evolução dos modelos atômicos. O livro analisado havia sido produzido totalmente em áudio para cegos do ensino médio. Utilizou-se, para essa análise, a noção de obstáculos epistemológicos, estudados por Gaston Bachelard (1884-1962), professor, filósofo e poeta francês preocupado em como ensinar química sem causar problemas para a construção do conhecimento científico.
Inicialmente, fizemos um exercício teórico sobre os capítulos estudados e separamos as imagens e seus roteiros descritivos. Depois, apresentamos os capítulos do livro em áudio para estudantes com deficiência visual de um colégio público federal, usando um tocador chamado MECDAISY, desenvolvido no Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O objetivo era analisar a imagem no contexto dos capítulos como um todo e verificar se o roteiro das audiodescrições contribuía ou criava obstáculos epistemológicos para a construção do conhecimento.
Os estudantes com deficiência visual tiveram excelentes respostas em relação ao aprendizado dos conceitos, mas, durante o processo, foram observados alguns obstáculos epistemológicos que prejudicavam a construção do conhecimento científico sobre modelos atômicos. A mediação foi facilitada pelo uso de material multimodal, como maquetes, massinha, miçangas etc. Concluímos então que, apesar de a adoção de livros em áudio para cegos ser imprescindível,isso não é suficiente para promover o desenvolvimento de um conhecimento científico mais maduro dos conceitos.É preciso cuidar da qualidade dos roteiros descritivos das imagens e das audiodescrições em si.
Os resultados e as análises teóricas realizadas no estudo foram discutidos com professores e estudantes de licenciatura em química. Para isso,usamos diferentes plataformas, como um conjunto de perfis nas redes sociais com o nome ‘Química acessível’. Construímos um blogue, além de um grupo e uma página no Facebook. A ideia inicial era promover a troca de informações com outras pessoas interessadas no tema. O uso dessas mídias como parte da pesquisa facilitou o alcance do público-alvo e permitiu uma rápida resposta.Com a interação, foi possível, em um segundo momento, buscar alternativas de transmissão do conhecimento científico para pessoas com deficiência visual nas salas de aula.
A partir dessas ferramentas digitais, a pesquisa e a produção de informação na área de ensino de química para cegos continuam sendo amplamente divulgadas. Os canais seguem em crescimento constante, servindo de fonte de pesquisa livre e gratuita, bem como para contatos e discussões entre professores do Brasil inteiro. Hoje, no ‘Química acessível’, professores de química e vários outros profissionais da educação inclusiva podem se beneficiar com os conteúdos publicados e compartilhados, além de se informarem sobre ações que possam ser desenvolvidas na área. Assim, o projeto pode contribuir não apenas para o ensino de química para pessoas com deficiência visual, mas para o ensino de ciências para estudantes com qualquer deficiência ou necessidade específica.
Cristiana de Barcellos Passinato, Rodrigo Volcan Almeida e Waldmir Nascimento de Araujo Neto
Instituto de Química,
Universidade Federal do Rio de Janeiro
A primeira fotografia de um buraco negro a gente nunca esquece. Aquela imagem aparentemente ‘fora de foco’ representa muito para a ciência: é a evidência de uma nova forma de ver o cosmo e entender sua imensidão.
Das teses decisivas sobre a importância da infância ao surgimento de uma produção literária destinada aos pequenos leitores neste estágio da vida, as crianças pobres, leia-se mão de obra barata, sempre foram invisíveis.
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