Escrever sobre como a química está representada em museus de ciências é refletir também sobre sua ausência e valorizar a importância da sua presença nesses espaços de educação, formação, popularização e divulgação científica. A química é uma ciência central, de grande relevância para o desenvolvimento da sociedade, mas a abordagem dos temas que a cercam e a compõem, por diversas vezes, fica restrita ao ambiente escolar, às práticas educativas desenvolvidas no interior das salas de aulas, seja de escolas ou universidade, e laboratórios.
A representatividade da química é inferior a de outras ciências em exposições e coleções científicas dos museus. Apesar disso, é possível percebê-la em situações no cotidiano de alguns espaços: divulgação de temas químicos; visitas de professores de química acompanhados de suas turmas; atuação de graduandos e pós-graduandos em química como mediadores/educadores de museus; e curadorias de mostras feitas por licenciados e bacharéis em química.
Mas é preciso ir além, e, entre vários motivos, podemos destacar dois:
– Os museus de ciências estimulam a curiosidade e promovem valorosas experiências de educação científica. Ao visitar uma exposição, o envolvimento e a interação com os objetos expositivos provocam sensações fundamentais para aprendizagens.
– A emoção, o entusiasmo, a comoção, o assombro podem ser experienciados durante uma visita a uma exposição e podem reverberar ao longo da vida das pessoas. Colocar a química nesse lugar tão potente que é a exposição de um museu pode colaborar para que tenhamos um número maior de pessoas interessadas por essa ciência e pela forma como ela afeta o mundo.
Em geral, o foco das exposições dos museus está em despertar o interesse pela química, promover o entendimento público dessa ciência, sensibilizar as pessoas para perceberem o lugar dela nas situações cotidianas, estimular o seu estudo formal, ou ainda, ensinar conceitos químicos. Raramente objetivam comunicar os avanços científicos atuais ou disseminar as trajetórias de cientistas químicos.
As exposições encontradas nas instituições museais nacionais e internacionais que divulgam as ciências químicas apresentam características que permitem agrupá-las em categorias. Há aquelas que são fortemente marcadas pelo papel da experimentação, com exibições em formato de show ou espetáculos para o público visitante. Há também as que elegem temas geradores, históricos ou contemporâneos, para apresentar os impactos da química na história e desenvolvimento da humanidade, fazendo uso de aparatos interativos, textos, recursos tecnológicos e/ou dioramas. Outras poucas escolhem contar a trajetória de cientistas da área com objetos pessoais e laborais que permitem experiências imersivas ou por meio de apresentações artísticas, como as teatrais. Em menor escala, tem-se conferências de consenso, aquelas que colocariam o público como protagonista para conhecimento da opinião pública sobre determinado assunto que envolva as ciências químicas na tomada de decisão.
No Brasil, há algumas experiências interessantes para divulgar as ciências químicas. No Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz Fora, por exemplo, uma Tabela Periódica Interativa é parte da exposição de longa duração e uma das principais atrações para o público, por permitir o contato físico do visitante com o objeto, que apresenta amostras reais dos elementos químicos e permite obter informações sobre cada um deles bem como sobre as propriedades periódicas.
No Museu Catavento, em São Paulo, há um laboratório de química onde os educadores realizam atividades experimentais junto aos visitantes. O Espaço Ciência, em Recife, na exposição Minha casa tem ciência?, conta com jogos, vídeos, experimentos que apresentam conhecimentos químicos em materiais e objetos de uso rotineiro.
Por conta da pandemia de covid-19, os museus de ciências passaram por adaptações de suas exposições para proporcionarem visitas virtuais ou demais atividades de divulgação científica. O Centro de Ciências de Araraquara adaptou a sua exposição física Um quimiscritor no museu: ciência, literatura e direitos humanos com Primo Levi para um tour virtual. Essa é uma exposição que aborda a química de modo contextualizado a partir da vida e obra de Primo Levi (1919-1987), o químico e escritor que sobreviveu à Shoá (Holocausto). Seu livro A tabela periódica é representado por uma tabela interativa na exposição, na qual o visitante pode abrir as gavetas que representam os elementos químicos e ler trechos do livro que fazem menção a esses elementos. Os conhecimentos químicos estão bastante articulados com a história de Levi.
Todas essas iniciativas demonstram como é importante valorizar a química e os museus de ciência brasileiros para chegarmos aos avanços educacionais, culturais, científicos e tecnológicos almejados pela nação.
Por outro lado, também é fundamental e urgente ampliar o número e os tipos de exposição sobre química, procurando envolver cada vez mais os visitantes e aumentar seu interesse. Mostras contextualizadas podem motivar o público a visitar os museus e a se encantar e compreender o papel das ciências químicas.
Considerar os museus de ciências como espaços privilegiados para a formação inicial e continuada de professores de química também pode ser uma estratégia de ampliação de público que se interesse por essa ciência. No Brasil, muitas visitas a museus ocorrem por intermédio das escolas e se tivermos docentes qualificados para a condução dessa atividade, as potencialidades educativas aumentam.
A formação de educadores químicos para atuação nos museus é outra ação a ser realçada e que deve ser considerada pelas instituições, assim como a inserção de mais curadores com formação em química.
E, por fim, não há como promover quaisquer desses avanços sem políticas públicas de educação, divulgação e popularização científica.
Camila Silveira
Departamento de Química
Universidade Federal do Paraná
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