Sakura: ficção e mundo real celebrando a natureza

Nome dado às cerejeiras e suas flores é um símbolo da cultura japonesa que inspira personagens de animações, histórias em quadrinhos e jogos criados no Japão e estimula a contemplação da beleza natural.

Desde a década de 1990, as animações japonesas (animes) e as histórias em quadrinhos japonesas (mangás) vêm ganhando espaço ao lado das obras dos grandes estúdios estadunidenses. Nos últimos anos, a popularização da internet ajudou a reduzir as barreiras da distância e da língua e propiciou um enorme crescimento da indústria de animes e mangás em todo o ocidente.

Mas esse crescimento não foi igualmente acompanhado pelo conhecimento da cultura japonesa. Por isso, é muito comum que as pessoas não compreendam as obras e histórias nipônicas em sua plenitude. Então que tal expandir um pouco seus conhecimentos sobre a Terra do Sol Nascente, a partir de uma palavra que muitas pessoas conhecem, mas não fazem ideia de sua importância?

Você já ouviu falar em Sakura, personagem do anime Naruto, ou do mangá e anime Sakura Card Captors ou mesmo do jogo Sakura Wars? Será que foi uma coincidência essas e outras obras vindas do Japão terem escolhido o nome Sakura?

Sakura é o nome dado ao momento em que as cerejeiras florescem. Também recebem esse nome as próprias cerejeiras ornamentais e, em especial, suas flores. Nativa de países asiáticos, a flor de cerejeira ficou tão popular no Japão que se tornou um símbolo nacional com diversos significados e chegou a estampar o verso da moeda de 100 Yens.

Na entrada da primavera, ocorre o chamado hanami, uma tradição milenar japonesa que consiste em contemplar o período de floração das árvores. A sakura é uma das atrações principais e sua simbologia para os japoneses muito se deve ao fato de que as flores não duram mais do que uma semana, o que traz a reflexão sobre a efemeridade da vida. Esse é um evento tão importante que a Agência Meteorológica do Japão estuda e prevê o período exato de floração em cada área do país.

Japoneses comemorando a floração da sakura no hanami, tradição milenar japonesa que acontece na entrada da primavera.
Créditos: Reginald Pentinio/ Flickr – CC BY 2.0

Portanto, não é coincidência que animes, mangás e jogos do Japão utilizem esse nome, que também é muito popular para meninas japonesas. A inspiração vem do mundo real.

 

As Sakuras da ficção

A série de mangá Sakura Card Captors foi lançada pelo grupo CLAMP (um quarteto de artistas japonesas) em 1996, adaptada para anime em 1998 e exibida no Brasil pela primeira vez no ano 2000. A história acompanha a vida de Sakura Kinomoto, uma estudante de ensino fundamental que, entre dramas e paixões de uma pré-adolescente, leva uma vida comum em uma cidade japonesa fictícia. Quando Sakura encontra em sua casa e abre um livro misterioso, chamado Clow, inúmeras cartas mágicas acidentalmente são liberadas e levadas por uma tempestade. A partir de então, a jovem se torna uma ‘caçadora de cartas’ e embarca em uma missão, ao lado do guardião do livro Kero, para capturar todas as cartas Clow que escaparam .

Imagem de divulgação do anime Sakura Card Captors

A pesquisadora Ana Catarina Santilli ressalta, em sua dissertação de mestrado apresentada em 2018 à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que, diferentemente do que acontece em outras obras, nas quais os heróis resolvem problemas e salvam o mundo por meio da violência, em Sakura Card Captors, os conflitos são resolvidos a partir de comportamentos amorosos e solidários. Isso sensibiliza os expectadores para a existência do ‘outro’, valorizando atitudes gentis e colaborativas.

Por meio dos cenários, cores, texturas e sons, Sakura Card Captors evoca momentos de contemplação. A proposital diminuição do ritmo narrativo em algumas cenas estimula uma pausa para reflexão. Dessa forma, mesmo que o expectador não conheça a tradição do hanami, o anime proporciona uma experimentação desse estado contemplativo, reforçando a beleza da efemeridade das pequenas coisas e o valor afetivo que os pequenos gestos podem carregar.

Se recorrermos a estudos científicos de psicologia ambiental, veremos que, de fato, existem evidências crescentes de que a exposição à natureza está associada a uma maior saúde mental e de que a conexão com a natureza e a percepção da beleza natural estão correlacionadas com um estado de maior bem-estar.

Portanto, se nosso bem-estar e nossa saúde mental são afetados pela maneira como interagimos e reagimos ao ambiente que habitamos, a tradição do hanami pode ter um impacto positivo na saúde dos japoneses. E, como defende Santilli, Sakura Card Captors pode também ter um impacto positivo enquanto produto audiovisual infantil que não recorre a soluções violentas para os conflitos e reforça a importância dos mais variados vínculos afetivos e dos pequenos gestos entre as pessoas.

Outra famosa Sakura da ficção é a que conhecemos em Naruto, lançado como mangá em 1997 pela editora Shueisha e adaptado para anime em 2002. Mesmo não sendo protagonista, Sakura Haruno conquistou seu espaço e tornou-se uma grande lutadora de artes marciais, depois de muito tempo de preparação com sua treinadora e mestra Tsunade. Sua lealdade aos companheiros e seu cabelo rosa (como a flor de cerejeira) são sua marca registrada, além das várias mudanças de roupa ao longo da história e de sua técnica de luta chamada ‘colisão da flor de cerejeira’.

Já no universo dos jogos, a flor de cerejeira dá nome à franquia Sakura Wars, lançada em 1996 pela Sega e adaptada em 2019. Na série de jogos, Sakura Amamiya é uma espadachim, integrante da Divisão de Flores da Força de Assalto Imperial, que tem como objetivo defender várias cidades do ataque de perigosos inimigos.

 

As sakuras do mundo real

As cerejeiras fazem parte da família Rosaceae (a mesma das rosas) e pertencem ao gênero Prunus. Nesse gênero, são conhecidas mais de 400 espécies, incluindo as árvores de pêssego, ameixa, amêndoa e cereja. Dentre as cerejeiras, também são muitas as espécies conhecidas, que vão desde árvores ornamentais e decorativas (como o bonsai) até as árvores frutíferas, como a que dá a típica cereja vermelha que decora os bolos. Mas as cerejeiras conhecidas como sakura são as que produzem as belas flores que carregam importante significado cultural e valor econômico para o Japão, tanto pelo turismo quanto pelos produtos que delas derivam.

As cerejeiras podem chegar a 12 metros de altura e têm diferentes formas e hábitos de crescimento. As flores também são muito variadas, tanto em número de pétalas quanto em cores. Uma mesma espécie de cerejeira pode ter flores que desabrocham com uma cor e mudam de tonalidade ao longo dos dias, geralmente transitando do branco ao rosa.

Flores de cerejeira nas cores branca e rosa
Créditos: Wikipédia

Algumas flores sakura são usadas como ingrediente em doces, sorvetes, refrigerantes, chás e aromas de perfumes. Há espécies de cerejeiras que são usadas também na medicina popular; seus efeitos no organismo, incluindo a prevenção de doenças, vêm sendo estudados por cientistas.

A importância cultural da sakura traz para os japoneses uma preocupação extra em relação ao aquecimento global. Como a floração tem relação com as condições de temperatura, o aquecimento do planeta tem antecipado esse processo ao longo dos séculos. Estudos vêm apontando o impacto das mudanças climáticas na floração das sakuras, com algumas implicações ecológicas e sociais.

No Brasil, são muitos os lugares em que é possível encontrar cerejeiras. Elas foram trazidas por imigrantes japoneses, principalmente, entre as décadas de 1960 e 1970. E você pode celebrar sua floração todo mês de agosto no Parque do Carmo, em São Paulo; no Parque Japão, em Curitiba (PR) e Nova Friburgo (RJ); no Festival das Cerejeiras Bunkyos, em São Roque (SP); na Festa da Cerejeira, em Campos do Jordão (SP), Castro (PR) e Guarapuava (PR); e nos Jardins Botânicos de algumas cidades do país.

Portanto, se você vir o nome sakura novamente, seja em um mangá, anime, jogo ou mesmo em uma música de J-Pop, lembre-se de que não se trata de uma palavra qualquer e que ela tem um grande valor cultural, social e científico.

Aline Nery

Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde,
Laboratório de Vídeo Educativo (LVE),
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Lucas Miranda

Editor do blogue Ciência Nerd
Universidade Federal de Juiz de Fora

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