CH: É possível fazer um paralelo do investimento em ciência e tecnologia de Brasil e China? E dos resultados do investimento nessa área?
CM: Na área de tecnologia e inovação, poucos países investem tanto quanto a China. O país não é (ainda) a primeira potência tecnológica do mundo, e eles sabem disso. Mas, enquanto várias potências estão estáveis ou declinantes, eles estão em ascensão, tanto que é flagrante o medo dos Estados Unidos. Já o Brasil vem perdendo muitas oportunidades. Nossa ideia é aproveitar a parceria com a China para evoluir para uma posição mais avançada. Um exemplo claro: o Brasil não tem laboratórios de segurança máxima, chamados de P4, aqueles em que você trabalha de escafandro, como vemos nos filmes. Já temos acordo com o P4 da Universidade de Boston [EUA], que abriga o NEIDL [National Emerging Infectious Diseases Laboratories], mas o acesso a estruturas similares na China será muito importante para nossas pesquisas em prevenção de controle de epidemias e mapeamento do que chamamos de ‘Viroma Global’. Com essas parcerias, teremos acesso a instalações e cérebros que aqui fazem falta. Importante lembrar que hoje a China tem liderança em vários campos e patenteia mais do que Estados Unidos, Japão e Coreia juntos.
CH: Sua visita à China que impulsionou essa parceria foi motivada pela organização do Global Virome Project (Projeto Viroma Global). O que é isso?
CM: É uma iniciativa global de cooperação científica para detectar vírus desconhecidos que podem ameaçar a saúde em nosso planeta. O objetivo é reduzir o risco de futuros surtos virais. O projeto foi proposto em 2016, em Bellagio, na Itália, em um encontro financiado pela Universidade da Califórnia em Davis [EUA] e a Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos [USAID, na sigla em inglês]. Em 2017, nos encontramos novamente em Beijing para implementar o China Virome Project e, em 2018, publicamos um artigo na Science e estávamos muito otimistas. Mas, em seguida, a Nature publicou um artigo de opinião contrário ao projeto que representou um balde de água fria. Recentemente, foi publicado um texto na revista Lancet reafirmando enfaticamente a importância do projeto. O grande obstáculo para seguir adiante é que contávamos com um financiamento massivo do NIH [Instituto Nacional de Saúde dos EUA], mas [o presidente Donald] Trump, assim como Bolsonaro aqui, fez cortes substantivos nas áreas de ciência e tecnologia. O China Virome Project está em andamento, e esperamos que, com a parceria, possamos fazer o mesmo no Brasil. Mas o ideal seria um avanço conjunto, global, porque pode surgir um vírus de um lugar que não esteja mapeado.
CH: Quais são as epidemias e ameaças mais perigosas?
CM: As potencialmente mais perigosas são aquelas que ainda vão surgir e ainda não conhecemos. Mas não devemos minimizar as que conhecemos e podem reemergir, como uma gripe como a gripe espanhola de 1918, tão mortal que cadáveres insepultos se amontoavam pelas ruas do Rio de Janeiro. Quando eu trabalhava na OMS, em Genebra, o maior medo dos especialistas era o surgimento de um “ebola com asas”, uma figura de linguagem para os leigos entenderem. Como o vírus ebola é transmitido pelo contato direto com o sangue ou outros fluidos corporais, ele ainda está primordialmente restrito a localidades na África. Já vírus como os do sarampo e da gripe são transmitidos pelo ar e têm um potencial de disseminação muito mais explosivo. Uma mutação do atual vírus ebola, que o dotasse de ‘asas’, ou seja, capacidade de transmissão pelo ar, teria impacto mundial. Das epidemias que estão por aí, as febres hemorrágicas, como Lassa e Marburg, estão entre as mais perigosas. No Brasil, uma epidemia que conhecemos bem e que mata é a febre amarela, para a qual felizmente existe uma vacina que funciona quando administrada no momento certo. Mas não devemos nos esquecer das arboviroses que estão atualmente presentes, como dengue e Chikungunya, nem do que passamos em 2015-2017 com o vírus Zika, que no momento anda dormente, mas pode nos surpreender em novo surto.
CH: Pode falar um pouco sobre o seu trabalho com doenças de populações negligenciadas?
CM: Aí vamos entrar em outra área, a dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia [INCT]. Em 2009, quando ganhamos o nosso primeiro INCT, o nome era: inovação em doenças negligenciadas. Na proposta do segundo, em 2014, decidimos mudar para inovação em doenças das populações negligenciadas, para não ficarmos limitados às doenças listadas como negligenciadas pela OMS e/ou o Ministério da Saúde. Se fôssemos a uma localidade e não tivesse uma das doenças listadas, não teríamos nada que fazer lá. Foi uma mudança muito positiva para sincronizar a nossa atividade com a situação epidemiológica do Brasil.
Maria da Glória da costa carvalho
PARABÉNS pela entrevista, pela visão multidisciplinar e mostrando a importância do investimento em pesquisa. Outro dia estava lembrando do excelente seminário no instituto de biofisica onde com didática invejável você falou dis minicirculos do T. cruzi e das enzimas de restrição.
Publicado em 23 de janeiro de 2020
Maria da Glória da costa carvalho
PARABÉNS pela entrevista, pela visão multidisciplinar mostrando a importância do investimento em pesquisa. Outro dia, estava lembrando do excelente seminário no instituto de biofisica, onde com didática invejável você falou dos minicirculos do T. cruzi e das enzimas de restrição. Ainda hoje tenho algumas imagens na memória. Parabens mais uma vez grande cientista.
Publicado em 23 de janeiro de 2020
Anônimo
Olá Glória, que bom que gostou! E muito obrigadonpelos seus comentários…! Grande abraço!
Publicado em 24 de janeiro de 2020
Alexandre Guimarães Vasconcellos
Parabéns pela entrevista Morel. China e Brasil são países com muitos desafios em comum na área de C,T&I, saúde e educação. Espero que consigamos aproveitar essas complementaridades em prol do desenvolvimento sustentável de nossos países.
Publicado em 23 de janeiro de 2020
Anônimo
Obrigado Alexandre! Para mim é uma honra a nossa parceria, que ainda vai gerar bons frutos!
Publicado em 25 de janeiro de 2020
Larry Simpson
Larry Simpson
Carlos – Congratulations. One of the most cogently written, rational and powerful articles about bilateral cooperation in science I have ever read. Definitely should start teaching our children Chinese! If you don’t mind I would like to copy it for my Blog.
Publicado em 24 de janeiro de 2020
Carlos Morel
Hi Larry, thanks for these nice comments!! Yes, it will be an honor for me to have this interview posted in your blog! All the best, abraços!
Publicado em 24 de janeiro de 2020
sandra schechtman
Artigo muito esclarecedor!
A maior riqueza de uma nação é o seu CAPITAL HUMANO!
Publicado em 24 de janeiro de 2020
Carlos Morel
Obrigado!
Publicado em 25 de janeiro de 2020
Priscila
Muito orgulho do Prof. Morel e da Fiocruz! Desejo muito sucesso nessa empreitada!
Publicado em 24 de janeiro de 2020
Anônimo
Obrigado Priscila!!
Publicado em 25 de janeiro de 2020
Carlos Alberto Mūller
Parabéns Morel, sempre visionário.
O ecohealth deles é a nossa saúde única (animal, ambiental e humana).
Publicado em 25 de janeiro de 2020
Carlos M Morel
Olá Carlos, obrigado pelos comentários – e pela tradução de ecohealth deles…! Grande abraço!Ca
Publicado em 27 de janeiro de 2020