Estamos acostumados a delimitar, no pensamento, os fenômenos da vida política e social. Como se para compreendê-los não existisse outro caminho que o da distinção analítica. É imenso, e tido como inexorável, o esforço de impor limites, circunscrever dimensões espaciais e temporais, incluir num circuito de causas e efeitos. Esse é o método familiar para produzir conhecimento, para explicar tudo aquilo que é da ordem da intransparência.
As jornadas de junho de 2013, como qualquer outro evento que desperta curiosidade e impacta nossa vida de formas óbvias e insuspeitas, costumam passar por esses filtros corriqueiros de inteligibilidade. E, se é verdade que a democracia brasileira viveu seus piores momentos justamente nos anos que se seguiram à efervescência de junho, torna-se então inevitável deduzir dessa sequência cronológica algum tipo de relação causal.
Essa é a razão pela qual cientistas sociais das mais variadas correntes e inclinações estão há dez anos tentando decifrar o enigma: demarcam-se datas, refina-se uma cronologia dia a dia, analisam-se diferenças geográficas, estabelece-se uma fronteira entre junho de esquerda e junho de direita, define-se minuciosamente a anatomia dos inúmeros movimentos sociais presentes nas ruas etc.
Com esse hercúleo engajamento epistemológico coletivo, muito já foi esmiuçado. Mas há algo em junho de 2013 que resiste ao imperativo das distinções – e talvez resida ali, nesse ponto avesso a esquadrinhamentos, uma frutífera chave interpretativa para pensarmos o impacto daqueles dias em tudo o que viveu a democracia brasileira na última década.