Departamento de Geografia
Instituto de Geociências
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Programa de Pós-graduação em Geografia
Universidade Federal do Rio de Janeiro

De aplicativos de delivery a dados meteorológicos, incluindo mapas de lances de futebol, todo tipo de informação acaba convertida em uma forma de imagem

CRÉDITO: GRAVURA-CONCEITO NATURGEMÄLDE EXTRAIDA DE WWW.AVHUMBOLDT.DE

O geógrafo e naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859) fez questão de incluir a gravura-conceito Naturgemälde em seu livro Ensaio sobre a geografia das plantas (1805), mesmo sabendo que isso significaria custear que se desenhasse e colorisse à mão cada um dos exemplares. Ele acreditava que “o mundo gosta de ver”. E, de fato, ao publicar o quadro, que é considerado um precursor dos Sistemas de Informações Geográficas (SIG), Humboldt acertara em seu palpite. 

Hoje, há uma verdadeira obsessão em apresentar todo tipo de informação, principalmente as georreferenciadas. Para constatar, basta que pensemos em nosso cotidiano. De aplicativos de delivery a dados meteorológicos, todo tipo de informação acaba convertida em uma forma de imagem. O tipo de imagem, no entanto, varia: gráficos facilmente ‘instagramáveis’, animações ilustrando o avanço de uma frente fria, o desenho do automóvel entrecortando as ruas da cidade até chegar a seu destino, e os mais diversos mapas. O que esses tipos de representação dos dados geoinformacionais têm em comum é o objetivo de facilitar o entendimento de determinado fenômeno ou acontecimento e auxiliar na tomada de decisões a respeito dele.

Estamos diante de uma verdadeira revolução geoinformacional, uma vez que quase nada escapa ao georreferenciamento e à representação gráfica. Nem o futebol. Atualmente, pelo menos nas principais competições do país, todos os jogadores usam, por debaixo da camisa, um aparelho de GPS, que coleta informações de localização, batimento cardíaco e outras características fisiológicas dos atletas, tornando possível o cruzamento dos mais diversos dados. O resultado disso é a geração instantânea de milhões de mapas, que são comentados, por exemplo, em diferentes programas de “mesa redonda”. Quem nunca presenciou, ainda que de relance, debates intermináveis sobre o mapa de calor da movimentação dos jogadores da defesa de determinada equipe? Ou o mapa dos locais do campo de onde foram efetuadas as finalizações? Ou ainda, um mapa da ocorrência das faltas? A representação gráfica em um nível tão detalhado de informações georreferenciadas, além de permitir a melhor visualização dos acontecimentos, possibilita novas conexões e análises. E os profissionais do ramo futebolístico já perceberam isso. 

Se informação é poder; se a geografia serve para fazer a guerra; se o futebol é uma analogia da guerra; fica fácil entender por que os clubes estão se “armando”. Investem cada vez mais em sofisticados aparelhos de GPS e drones, para registrar a movimentação dos atletas em cada treino realizado, e também na contratação de analistas especializados no SIG do futebol. Afinal, é possível, através de plataformas digitais, ter acesso a dados georreferenciados de jogadores de equipes de todo o mundo, o que se torna precioso para traçar estratégias. 

O uso do GPS no futebol não possibilita apenas uma vantagem tática sobre o adversário. Ele permite que se vigie a própria equipe. Uma coluna esportiva recentemente chamou o GPS de tecnologia “anti-migué”, uma vez que ele permite acompanhar quem corre e quem se movimenta pouco durante a partida, obrigando, em tese, que os jogadores corram mais. Esse mesmo princípio, em outras áreas da vida, tem sido responsável por violar a privacidade de grande parte da população, que tem todos os seus passos vigiados. Independentemente do seu uso, é fato que o uso das geotecnologias mudou, entre muitas outras coisas, a maneira com a qual percebemos o jogo. 

O próprio vocabulário dos comentaristas esportivos vem se valendo de conceitos geográficos. Já se fala em “controlar as regiões do campo”, “atacar o espaço”, “dominar o território adversário”. Mesmo que utilizados de maneira imprecisa, o uso desses conceitos na descrição de eventos da partida escancara uma mudança de percepção. O público passa a enxergar, cada vez mais, o campo de jogo como espaço geográfico através de um mapa. 

Com essa quantidade de dados gerados, embasando modelos de jogo, não se surpreenda se a inteligência artificial de alguma plataforma digital anunciar um gol antes mesmo de ele acontecer. De todo modo, com a instrumentalização desse tipo de dado para influenciar gostos, padrões de consumo e eleições presidenciais, é reconfortante saber que, de vez em quando, ainda é possível ver um time sem GPS vencendo uma partida.

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