METAVERSO: Uma nova e poderosa ferramenta de pesquisa científica

Associação Brasileira de Tecnologia Visual (VFXRio)
Laboratório de Visão e Computação Gráfica (Visgraf)
Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (RJ)
Centro de Pesquisa e Inovação (CentroPi)
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (RJ) e
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Grupo DASA de Medicina (SP)
Laboratório de Processamento de Imagem Digital (Lapid)
Museu Nacional
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Quando ouvimos a palavra metaverso, logo nos vem à cabeça uma outra: entretenimento. Mas esse conceito dinâmico e fluido – popularizado a partir da década de 1990, representando inicialmente só um espaço virtual compartilhado – é muito mais do que simplesmente diversão. Hoje, abrange todos os mundos virtuais interativos e segue evoluindo, ao abarcar novas tecnologias digitais avançadas. Nos últimos anos, tornou-se não só uma ferramenta poderosa para várias áreas de pesquisa, mas também um método inovador de educação e formação de recursos humanos qualificados.

CRÉDITO: ADOBE STOCK

A palavra ‘metaverso’ deriva do prefixo grego meta (além), somado a uma abreviação de ‘universo’. Foi popularizada pelo escritor norte-americano Neal Stephenson, em seu livro de ficção científica Nevasca (2008) ou, no original, Snow Crash (1992). 

Inicialmente, o termo dizia respeito a uma rede de mundos virtuais tridimensionais que permitiriam interações sociais (livres de restrições físicas e biológicas) com outros habitantes igualmente virtuais. Hoje, passou a ser associado frequentemente ao entretenimento. 

De fato, é possível transitar em um mundo virtual, que se torna quase real, quando esse ‘passeio’ é feito com a ajuda de óculos VR (sigla, em inglês, para realidade virtual), como aqueles desenvolvidos pelos gigantes mundiais da tecnologia Google, Microsoft, Apple e Facebook – por sinal, este último alterou seu nome para Meta, abreviação de ‘metaverso’.

Mas o que ainda não foi profundamente analisado – e é uma contribuição essencial para a humanidade – são as aplicações dos metaversos na melhoria da qualidade de vida, uma vez que podem ser usados em áreas que vão da saúde e educação à engenharia e medicina.

Mas o que ainda não foi profundamente analisado – e é uma contribuição essencial para a humanidade – são as aplicações dos metaversos na melhoria da qualidade de vida

Mas, antes de prosseguir, vamos retroceder à Antiguidade. A caverna – uma das alegorias mais famosas do filósofo grego Platão (séc. 4 a.C) – foi interpretada de diversas formas e permanece ainda hoje relevante – especialmente, em discussões sobre realidade virtual e metaversos.

Nessa alegoria – presente no livro A república –, Platão descreve um grupo de pessoas aprisionadas em uma caverna, sentadas, desde o nascimento, de frente para uma parede vazia. Atrás delas, está uma fogueira, e, entre esta e elas, há um caminho por onde passam outras pessoas, carregando objetos, os quais projetam sombras na parede à frente dos prisioneiros.

Os prisioneiros podem ver apenas as sombras e não conhecem os objetos ou as pessoas que os carregam. Platão argumenta que o mundo que percebemos com nossos sentidos guarda semelhança com essas sombras na parede da caverna, pois o verdadeiro conhecimento só pode ser obtido por meio da razão e contemplação dessas entidades abstratas.

O que é real?

Hoje, como dissemos, fica clara a relevância dessa alegoria para as discussões sobre realidade virtual e metaversos. Definimos um metaverso como um espaço virtual compartilhado e coletivo – normalmente, acessado pela internet, onde os usuários podem interagir uns com os outros e com objetos virtuais. 

De certa forma, um metaverso pode ser visto como uma versão mais avançada da alegoria da caverna, onde o mundo material é substituído por um virtual – e as sombras, por pixels (do inglês, elementos de imagens).

Assim como na alegoria platônica, existem questões sobre a natureza da realidade em um metaverso. Como sabemos que aquilo que percebemos no mundo virtual é real? Os objetos e as interações que experimentamos são só sombras em uma parede digital? 

Essas perguntas têm implicações profundas sobre como compreendemos a relação entre os mundos físico e digital. É aí que entra a filosofia. Afinal, o que é, de fato, real? Essa é uma questão que nunca abandonou os filósofos – e segue incisiva na atualidade.

Afinal, o que é, de fato, real? Essa é uma questão que nunca abandonou os filósofos – e segue incisiva na atualidade

Nas artes, por exemplo, os metaversos têm sido usados como playgrounds experimentais que podem contribuir de forma benéfica para o ‘mundo real’. Consideremos a Citta ideale (Cidade ideal), de 1450, de Leon Battista Alberti (1404-1472). Essa pintura não retrata uma cidade real, mas, sim, uma idealizada, que existia só na mente desse artista e arquiteto italiano e foi construída a partir de memórias de lugares reais que ele visitou e de relatos que leu (figura 1).

Figura 1. Citta ideale (Cidade ideal), de 1450, do artista e arquiteto italiano Leon Battista Alberti

CRÉDITO: WIKIMEDIA COMMONS

Pintado sobre madeira, o quadro tem uma perspectiva perfeita: seu ponto de fuga põe os observadores em uma posição ‘ideal’ para apreciar aquela paisagem urbana da melhor forma, em plena harmonia arquitetônica. Ou seja, combina idealismo matemático com estética, somados a uma aura da Atenas Antiga, cidade considerada o auge da civilização humana, por pensadores renascentistas.

Citta ideale não foi só um exercício de pintura, mas também um roteiro para programas reais de construção. Por exemplo, em Roma, foi usado no templete do arquiteto italiano Donato di Angelo del Pasciuccio (1444-1514) – conhecido como Bramante –, projetado como um local de culto ideal, com uma atmosfera do mundo clássico e um equilíbrio harmonioso e matemático. 

Uma importante influência contemporânea na construção de espaços é o arquiteto, urbanista e designer suíço-francês Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965). Mais conhecido como Le Corbusier, ele desempenhou papel fundamental na definição da arquitetura moderna. 

Le Corbusier influenciou ecossistemas tecnológicos e criativos, como a fotografia e o cinema, que fizeram uso de suas ideias para criar metaversos. Por exemplo, o cineasta austríaco Fritz Lang (1890-1976) e o designer alemão Erich Kettelhut (1893-1979) exploraram conceitos de Le Corbusier no set do filme Metrópolis (1927). Mais recentemente, o filme Matrix (1999) apresenta um metaverso em que a vida real é uma simulação tão realista que as pessoas não sabem que estão vivendo nela – um conceito do filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007). 

Outros exemplos: i) a plataforma Second Life, criada em 1999 pelo norte-americano Philip Rosendale e pioneira na criação de experiências virtuais coletivas; ii) o filme Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo (2023), que explora narrativas em um multiverso e foi ganhador de vários prêmios.

Mais do que diversão

Comentamos aqui brevemente a realidade virtual (VR). Vale agora dizer que há um grupo de tecnologias e técnicas que caminha paralela a ela: a realidade expandida (XR), que aprimora ou altera nossa percepção da realidade, sobrepondo informações digitais ao mundo material. 

A XR abrange, por exemplo, a realidade aumentada (AR), realidade mista (MR) e realidade virtual (VR). Mas o que significam esses termos, tão semelhantes?

A XR abrange, por exemplo, a realidade aumentada (AR), realidade mista (MR) e realidade virtual (VR)

A AR sobrepõe informações digitais, como imagens, sons ou outros tipos de dados à visão que o usuário tem do mundo real. A MR é uma forma mais avançada de AR, que usa sensores e algoritmos para integrar objetos digitais ao ambiente físico, de maneira mais contínua e interativa. A VR é uma tecnologia que cria ambientes inteiramente digitais, nos quais os usuários podem imergir – esta é a imagem de metaverso que, geralmente, vem à mente quando ouvimos o termo.

A XR combina tudo isso, para tornar as atividades do mundo real mais eficazes ou intensas. Exemplo é o Google Glass, lançado em 2013 – um par de óculos com informações projetadas na parte de trás de suas lentes. A tecnologia era boa, mas críticas relativas às leis de privacidade fizeram com que a Google suspendesse o projeto em 2015. Uma nova versão foi lançada em maio de 2019.

A comunidade médica fez uso do Google Glass desde o início em 2013. Mais tarde, passou a usar o Microsoft HoloLens, óculos que permitem que cirurgiões façam virtualmente cirurgias. Essa nova tecnologia foi usada tanto para fins didáticos – permitindo que estudantes de medicina assistissem, em seus computadores, a transmissões ao vivo de procedimentos – quanto para auxiliar intervenções médicas, como biópsias hepáticas e cirurgias de fístulas.

Figura 2. À esquerda, médico usando o HoloLens; à direita, realidade expandida de procedimento médico

CRÉDITO: CEDIDO PELOS AUTORES

A medicina é uma entre as muitas atividades humanas. Da matemática à física e além, muitas outras podem se beneficiar de simulações virtuais, que nos permitem experimentar e prever, antes de agir no mundo real. 

Isso já é evidente, por exemplo, na área de preservação do patrimônio cultural. O Laboratório de Processamento de Imagem Digital (Lapid), do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escaneia em alta resolução monumentos e sítios arqueológicos, criando a oportunidade para que sejam exploradas por realidade virtual e, dessa forma, ‘durem’ para sempre – ainda que sejam roubadas, perdidas ou degradadas.

Antes do incêndio que praticamente destruiu o Museu Nacional, em 2018, o Lapid tinha escaneado vários artefatos da instituição. Essas metaversões digitais foram inestimáveis na avaliação do que foi perdido e danificado, ficando disponível para uso futuro (figura 3).

Figura 3. Em ambiente de realidade expandida, pesquisadores do Lapid examinam múmia do Museu Nacional

CRÉDITO: LAPID/MUSEU NACIONAL

Intersecção física e digital

Nos últimos anos, o metaverso e as tecnologias de realidade expandida (AR, MR e VR) que se acoplaram a esse conceito têm criado experiências imersivas que replicam ou amplificam o mundo físico.

Essas tecnologias permitem que elementos do metaverso se sobreponham a nosso mundo físico, gerando uma interseção entre realidade física e digital. Isso é visto em aplicativos que usam AR, que adicionam elementos digitais ao mundo real, ou em ambientes de VR, que replicam locais físicos.

Essas tecnologias permitem que elementos do metaverso se sobreponham a nosso mundo físico, gerando uma interseção entre realidade física e digital

Portanto, o termo metaverso, por sua natureza fluida e evolutiva, está constantemente se transformando. À medida que explorarmos novas possibilidades dessas tecnologias emergentes, esse conceito, provavelmente, continuará a se expandir e se transformar.

Na França, a Caverne du Pont-d’Arc – que, em 2019, passou a ser denominada Grotte Chauvet 2 – Ardèche – é um museu que apresenta impressão 3D, com precisão milimétrica, da caverna de Chauvet, que contém pinturas de 32 mil anos.

Inaugurada em 2015, essa réplica fiel – a maior do gênero até hoje – foi feita para evitar a deterioração – que, certamente, ocorreria por causa do calor e dióxido de carbono liberados por visitantes – de um local que foi declarado patrimônio mundial, em 2014, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A versão metaverso reproduz o ambiente e a sensação de uma visita à caverna real. 

Pergunta quase irresistível: o que Platão pensaria de uma realidade virtual na forma de um scan de uma caverna? É uma questão estimulante o bastante para manter os estudantes de filosofia e os fãs de Matrix debatendo, talvez, por décadas.

Futuro (real) melhor

Os metaversos extrapolam o conceito atual – e lucrativo (porém, limitado) – do entretenimento. Suas aplicações vão da medicina e construção à educação e proteção do patrimônio cultural e mostram que o futuro do mundo real vai depender bastante daquele criado virtualmente.

Por exemplo, a implementação de metaversos em salas de aula oferece uma experiência mais imersiva e visceral aos estudantes, permitindo desde uma visita virtual em 3D à Capela Sistina (Vaticano) à realização de experimentos de física, química ou biologia. A lista de exemplos é longa.

Por exemplo, a implementação de metaversos em salas de aula oferece uma experiência mais imersiva e visceral aos estudantes

O foco do projeto brasileiro Space-XR (veja ‘Para além do entretenimento’) aponta para a importância de estudar os impactos das transformações da tecnologia de realidade expandida e de suas implicações para o surgimento de novas modalidades de mídia. Nesse sentido, o correto equacionamento dos problemas é condição necessária para o desenvolvimento de soluções efetivas do ponto de vista científico e social.

O desafio de moldar novas mídias é desenvolver linguagens e ferramentas criativas, para produção de conteúdo. Mas ainda não há resposta definitiva para as formas futuras do metaverso. Além disso, qualquer solução precisa equilibrar, entre outros, aspectos financeiros e culturais, para que se torne viável para a indústria e sociedade.

A solução desse problema passa pelo desenvolvimento de novos métodos computacionais baseados em modelos matemáticos adequados; pela implementação de sistemas de mídia digital, usando técnicas avançadas; e pela realização de experimentos em aplicações. 

Essas metodologias permitirão formular linguagens específicas para novas mídias, integrando formas narrativas tradicionais e tecnologias computacionais avançadas que permitam a imersão, interação e colaboração.

Para além do entretenimento

Para entender como os metaversos podem afetar positivamente a qualidade de vida da população, para além da esfera do entretenimento, consideremos o Space-XR, projeto apoiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e desenvolvido por um consórcio de laboratórios liderado pelo CentroPi, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro (RJ).

O principal objetivo da Space-XR é usar realidade expandida (XR) para beneficiar atividades reais em áreas socioeconômicas significativas. 

A XR oferece oportunidades de aprendizado interativo (especialmente, na área de saúde), para simular procedimentos cirúrgicos, treinar profissionais e otimizar a produção. Para estudantes, a experiência virtual pode ser mais instrutiva do que o ensino tradicional, com vantagens éticas e de segurança.

O Space-XR gera visualizações 3D imersivas para uso médico, usando ferramentas matemáticas do CentroPi e aplicações de medicina do Biodesign Lab, parceria entre o Departamento de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e o Grupo DASA de Medicina (figura 4). Seus modelos virtuais auxiliam em áreas como medicina fetal, neurologia, cardiologia, ortopedia e transplantes.

Figura 4. Acima, reunião em realidade virtual do CentroPI, do IMPA; abaixo, reunião do Biodesign Lab

CRÉDITO: CENTROPI (IMPA)/BIODESIGN LAB

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